Dois anos depois de lançar um disco só com obras cantadas e compostas por Marisa Monte capixaba traz a turnê para Curitiba
Texto, entrevista e foto por Janaina Monteiro
Com aquele sorriso que cativa a todos, Silva apareceu de braços abertos para o público. Trazia sua simpatia e calor humano para aquecer os corações dos fãs que lotaram a Ópera de arame naquela noite de 24 de agosto e retribuíram o carinho do artista ao cantar em uníssono “Ainda Lembro”, a primeira do álbum que gravou com apenas canções de Marisa Monte.
Apesar de se tratar de um trabalho de covers, o multi-instrumentista imprimiu seu tom autoral às versões, resgatadas do repertório mais pop de Marisa, de quem o cantor é fã desde a adolescência. Silva adapta a obra para seu timbre de voz, sempre afinada, respeitando sua sonoridade. Os arranjos minimalistas, contidos, conduzem as composições para uma estética mais sintética e intimista, mas nem por isso menos orgânica e delicada. O projeto, aliás, teve início quando Silva foi convidado a apresentar suas versões para o Canal Bis, assim como o Vanguart fizera com Bob Dylan e que rendeu também um disco de covers.
Na primeira metade do show, Silva permaneceu sentado diante de seus teclados, interpretando os maiores hits da cantora: “Na Estrada”, “Não É Fácil” (que dá vontade de dançar coladinho), a romântica “Beija Eu” (que ganhou uma roupagem sensual, com seu arranjo comedido, de poucos acordes, e intervenções pontuais de guitarra), “De Noite na Cama”, “O Que Me Importa”, “Tema de Amor”. Simpático, sempre dialogando com o público, Silva explicou que não estava 100%, por ter adoecido após o show da noite anterior. Para não cancelar a apresentação em Curitiba, afirmou que tomara uma injeção de analgésicos e de ânimo, com o perdão do trocadilho.
A única inédita em relação ao álbum (que tem uma versão ao vivo!) foi “Noturna (Nada de Novo na Noite)”, parceria de Silva com a “ídola” Marisa, indicada ao Grammy Latino de melhor canção em língua portuguesa. O cantor contou à plateia que a ideia da música veio por conta do medo de dormir compartilhado tanto por ele quanto pelo filho da cantora. “O filho de Marisa, quando era pequeno, tinha muitos pesadelos”, explicou. Talvez por isso a versão de “Sonhos” tenha sido escolhida a dedo para a metade do show. Silva abraçou seu violão e cantou a composição assinada por Peninha, se assemelhando a Caetano Veloso que regravou a canção no álbum Cores, Nomes.
Sob a interferência de vários pedidos de casamento feito por fãs, de vozes masculinas e femininas, Silva engatou “Bem Que Se Quis” e “Beija Eu”. Antes do bis, que teve “Vilarejo”, ele convidou o público a se levantar para cantar “Não Vá Embora” (que se transformou num reggae sedutor). Com todos de pé, um certo ar de protesto tomou conta da apresentação, mas antes que o coro dos descontentes fosse adiante, Silva pediu. “Sou uma pessoa muito tranquila. Vamos deixar isso de lado hoje”. Aplausos. Muitos aplausos.
***
Seu álbum que homenageia a diva Marisa Monte foi lançado há algum tempo nas plataformas de streaming, mas só após dois anos que a turnê chegou a Curitiba. Como foi o processo de criação das releituras, sobretudo nos arranjos e adaptação da extensão vocal?
Foi um processo muito prazeroso. Fiz cada detalhe com muito carinho, para que as versões tivessem a minha cara. Foi uma experiência de intérprete que eu não havia experimentado. Sempre me dediquei ao meu trabalho autoral, mas foi muito enriquecedor poder me aventurar num repertório que não é meu.
Como Marisa influenciou sua carreira? Que canção dela mais te inspira?
Além do contato com a obra de Marisa, ter contato com ela com certeza continua a me acrescentar muito. Tenho muitas favoritas e não foi à tôa que gravei um disco inteiro dedicado a ela. Mas pensando nesse exato momento eu posso dizer que amo muito “Pecado é lhe Deixar de Molho”. Eu raramente gosto de uma música só por causa da letra. A composição tem que me pegar por inteiro. Melodia, letra, arranjo, tudo. Por isso acho que essa música me marca tanto.
Você coleciona um punhado de participações, principalmente de vozes femininas em seus trabalhos. O novo single, “Um Pôr de Sol na Praia”, traz a parceria com Ludmilla, numa batida que mescla samba e rap. No disco Brasileiro, você cantou com Anitta em “Fica Tudo Bem”. Fernanda Takai participou de seu segundo álbum, de 2014. Sem falar na Marisa, claro. Como você escolhe suas parcerias e qual a relevância da voz feminina na MPB? Cogita alguma parceria internacional?
Toda a relevância do mundo! Não consigo nem imaginar como seria sem Gal, Elis, Alcione, Marisa, Ivete e tantas outras tão incríveis. Eu não enxergo música com rótulos e barreiras. Deve ser por isso que consigo fazer tantas misturas numa música só. Gosto muito disso. Estou aberto a todo tipo de parceria.
Você é capixaba, da mesma terra de Roberto Carlos. Saiu do Espírito Santo para a Irlanda, onde formou uma banda com artistas de outras nacionalidades. Como essa vivência internacional influenciou na sua carreira como cantor e compositor de volta ao Brasil?
Viver em Dublin foi muito importante pra mim. Tinha 20 anos quando me mudei e voltei com 21, quase 22. Aprendi muito, compus minhas primeiras músicas e foi lá que surgiu essa vontade de cantar além de ser músico. Tocava violino numa banda de jazz, vi muitos shows e tive experiências que expandiram minha cabeça.
No Dicionário Cravo Albin de Música Popular Brasileira, o verbete Silva é definido como compositor multi-instrumentista (“toca piano, violino, guitarra”) formado em violino clássico e filho de uma professora de música. Ou seja, a música está no DNA da família. O quão é fundamental esse contato com a arte desde a infância tanto para o desenvolvimento cognitivo do ser humano quando para a formação de plateia?
Música ocupa um lugar muito único nas nossas vidas, difícil de ser preenchido por outras atividades. Por isso sou tão favorável a que esse contato seja feito o quanto antes. Sou daqueles que sugere insistentemente aos meus amigos com filhos a colocá-los em aula de iniciação musical.
No seu mais recente álbum, Brasileiro, você me lembra a forma com que Tom Jobim retratava o país, a natureza e a alma do brasileiro, conseguindo tecer uma crítica social de forma sutil e poética. A arte tem o poder de nos salvar desse mundo marcado por relações descartáveis, voláteis e pela intolerância?
A música e a arte cumprem vários papéis. Tem música para meditar, para dançar, outras para pensar… Tenho admirado muito aquelas que estão lutando pra levar um pouco mais de amor e generosidade nesses tempos tão sombrios. A gente não pode perder a esperança.