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Antônio Bivar

O eterno beatnik que organizou o primeiro festival punk no Brasil e transformou Rita Lee em persona glam após a saída dela dos Mutantes

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Texto por Regis Martins

Foto: TV Cultura/Reprodução

É difícil imaginar que um sujeito como Antônio Bivar iria morrer de uma forma tão abrupta aos 81 anos. Um ser humano como ele – leve, centrado e feliz – merecia coisa melhor. Mas a vida, amigos, é injusta, e neste domingo 5 de julho lá se foi um dos meus heróis, levado pela peste chamada covid-19, que assola esse mundo.

Tive o grande prazer de conhecer Bivar por questões profissionais. Na verdade, usei o jornalismo como desculpa para poder falar com ele. Acho que consegui realizar umas cinco entrevistas com Bivar: duas pessoalmente e três por telefone. Por incrível que pareça, sempre tinha algo diferente pra arrancar de sua memória prodigiosa.

Como muitos da minha geração, conheci a obra desse dramaturgo, escritor, produtor e agitador cultural graças ao livro O que é Punk, lançado em 1982, ano em que Bivar organizou o primeiro festival punk do Brasil (O Começo do Fim do Mundo, no Sesc Pompeia, em São Paulo). E só na faculdade, quase dez anos depois, descobri que o sujeito era de Ribeirão Preto, cidade paulista em que vivo desde os meus 15 anos.

Bivar nasceu numa fazenda na região da Serra da Cantareira e depois se mudou com a família para Igarapava e, na sequência, para Ribeirão. Viveu por aqui até os 20 e poucos anos, quando encheu o saco e foi com a cara e coragem para o Rio de Janeiro estudar teatro.  Após, seguiu rumo à capital paulista, onde morou até o fim da vida.Em uma das últimas conversas que tive com ele, dizia estar meio cansado de São Paulo e pensava até em voltar para o interior. Não deu tempo.

Mas ele nunca esqueceu suas raízes e estava sempre em Ribeirão, onde visitava a irmã e os sobrinhos. Seu irmão mais velho era Leopoldo Lima, um dos grandes nomes das artes plásticas do país. Bivar apoiava algumas bandas locais e trocava correspondência com a molecada da mesma forma em que falava com veteranos da cena punk como Jello Biafra, ex-lider do Dead Kennedys. Sobre Jello, contou certa vez que o cara era fanático por Carmen Miranda. ‘Imagina eu dizer pros punks daqui que o líder do Dead Kennedys era fã de Carmen Miranda?”, lembrou.

Uma das últimas entrevistas que fiz com Bivar, em 2016, foi sobre o lançamento do DVD em comemoração dos 30 anos do festival O Começo do Fim do Mundo. Por telefone, ele me contou que teve contato com o movimento punk paulista no início dos anos 1980, quando acabara de chegar de uma de suas várias viagens à Inglaterra. “Londres fervilhava com muitos artistas novos. Quando cheguei ao Brasil, isso aqui parecia a Idade Média. Muito atrasado. A única coisa nova era o movimento punk, que era algo diferente de tudo”, recorda. Bivar ficou tão empolgado com aquela garotada de coturno e jaquetas de couro que pensou em organizar um grande festival com as bandas de São Paulo. “Juntou eu, o Calegari (da banda Inocentes) e o Mingau (do Ratos de Porão) e fomos lá falar com a diretoria do Sesc. Eles toparam de cara, sem que a gente tivesse um projeto sequer”, ressaltou.

O ribeirão-pretano adorava a Inglaterra e desde sempre fez essa ponte entre Londres e São Paulo. No final dos anos 1960, com peças de teatro premiadas no currículo, mandou-se para a capital inglesa num autoexílio junto com o pessoal da Tropicália e o amigo (também dramaturgo) José Vicente. Mineiro de Alpinópolis e que também viveu em Ribeirão Preto, Zé Vicente foi o autor de Hoje é Dia de Rock, que fez um sucesso danado nos anos 1970. Os dois andavam na Picadilly Street de forma tão extravagante que, segundo Bivar, um olheiro da equipe de Stanley Kubrick os convidou para fazer figuração no filme que o diretor estava preparando naqueles anos: Laranja Mecânica.

TUTTI-FRUTTI

Bivar não participou do filme, mas viu nascer o glam rock em terras britânicas, gênero que o deixou maluco. De volta ao Brasil, com mil ideias na cachola, convenceu Rita Lee a entrar de cabeça no glitter e na androginia. “Na época a Rita ainda era muito ligada àquela coisa de anos 1960, muito hippie. Além disso, ela ‘se achava’”, me disse.

O fato é que toda a concepção do que seria a Rita pós-Mutantes saiu da mente de Bivar. Nascia o disco/show Fruto Proibido, um dos clássicos absolutos do rock nacional com a cantora transformada a la Ziggy Stardust e uma banda de craques para acompanhá-la, a Tutti-Frutti. Ah sim, o nome do grupo foi criado por Bivar. “Eu fazia de tudo, até a maquiagem dos meninos. No começo não achavam muito bom não, mas foram se acostumando”, lembra.

Trabalhou com Rita ainda várias vezes, inclusive no programa TVLeezão, que a ruiva fez para a MTV Brasil. Na última vez que falei com Bivar, ele andava chateado com a amiga. Rita brincou maldosamente com alguma coisa que o deixou puto. Assim é Rita: perde o amigo, mas não perde a piada. Porém, descobri por meio do dramaturgo Mario Bortolotto que Rita vivia emprestando dinheiro para Bivar, sem qualquer sinal de retorno, quando a situação apertava.

Enfim, assim era Bivar. Escreveu peças maravilhosas e grandes livros, traduziu clássicos beat (como On The Road, de Jack Kerouac, trabalho feito em parceria com o escritor e jornalista gaúcho e agora youtuber Eduardo Bueno), viveu a vida que quis. Era um lorde sem lenço e sem documento. Ou melhor: um autodeclarado beatnik em pleno interior paulista numa época em que, nem na capital, sabiam o que era isso. Farewell, dude!

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