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Garotos Podres

Vocalista e fundador Mao fala, em entrevista, sobre a volta às atividades da banda que é um dos ícones do punk rock brasileiro

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Entrevista por Guilherme Motta

Foto: Laura Ciampone/Divulgação

Prestes a desembarcar em Curitiba para se apresentar em um dos mais conceituados e antigos festivais de rock independente do país, o Psycho Carnival (clique aqui para mais informações sobre o evento), os Garotos Podres celebram o bom momento da banda, que acaba de retomar as atividades depois de uma cisão que provocou disputa judicial a respeito do uso do nome e a criação de uma “identidade secreta” para durar o tempo deste imbróglio todo. Em entrevista por e-mail para o Mondo Bacana, o vocalista e fundador Mao fala sobre toda essa confusão, os novos lançamentos e ainda a confusão política que nos últimos anos rachou o país entre esquerda e direita.

Junto com os fãs tenho acompanhado toda essa treta envolvendo o nome e os integrantes do Garotos Podres. Como está sendo agora pra você saber que a banda está novamente dentro do contexto que você sempre acreditou e lutou?

Sou músico há muitos anos. Só nos Garotos Podres são 37 anos. Creio que atualmente estou vivendo a minha melhor fase enquanto músico. Estou tendo a oportunidade não só de tocar ao lado e músicos de grande qualidade técnica, mas também companheiros que compartilham uma visão de mundo que une a banda através de um ativismo político-social. Essencialmente, somos favoráveis aos princípios fundamentais da dignidade humana. Lutamos pelos direitos dos trabalhadores, das minorias e de todos os oprimidos. Somos radicalmente contra o racismo e defendemos a emancipação da classe operária através da construção de uma sociedade justa, igualitária e fraterna. Em outras palavras, somos, acima de tudo, antifascistas!

Ultimamente com essa onda conservadora que vêm crescendo no país, muitas das pessoas até mesmo as que eram próximas a nós estão saindo do armário do fascismo. Muitas vezes me deparo com comentários do tipo “Não pode misturar música (seja rock, punk, hardcore ou mesmo a arte em geral) com política”.  Temos o exemplo da banda Dead Fish, que desde o seu início em 1991 tem o posicionamento político muito bem definido e também contam com uma parcela dos fãs que se dizem de direita mas “curtem” o som da banda, mesmo as letras sendo extremamente politizadas. Como você enxerga essa questão?

Durante muitas décadas a grande mídia operou no sentido de despolitizar e alienar grande parte da população brasileira. Esta “onda conservadora” nada mais é do que uma ação planejada por parte dos setores mais reacionários da classe dominante de nosso país. Foi através deste controle de “corações e mentes” que conseguiram dar um golpe de Estado em 2016, que, em nome do “combate à corrupção”, colocou os mais corruptos políticos no poder. Em 2018, eles foram ainda mais longe. Impediram a candidatura do principal candidato dos trabalhadores e, através de uma intensa campanha de fake newse mentiras nas redes sociais, colocaram no poder um governo que se empenha em destruir todos os direitos trabalhistas, previdênciários e sociais dos trabalhadores. Estas pessoas que se dizem de “direita” são donos dos bancos? Das indústrias? São patrões ou latifundiários? Não! São apenas “trabalhadores pobres”, que acreditam ser ricos (ou potencialmente ricos, no futuro) e de “direita”! Ou seja, são vítimas idiotizadas pela grande mídia e pelas redes sociais, instrumentalizados pela classe dominante como rebanho eleitoral. São pessoas que foram capazes de votar em seus próprios carrascos.

Aproveitando o assunto sobre conservadorismo… Como você reage ao fato de que existem pessoas conservadoras, com posicionamento político voltado totalmente à direita dentro do cenário punk? Como, por exemplo, o que aconteceu ao Garotos Podres, quando integrantes com posicionamento inverso à postura do grupo durante décadas estavam levando o projeto adiante com o mesmo nome?

Creio que o movimento punk, assim como a maior parte do rock em geral, tem um espírito mais progressista e de esquerda. Acho um contrassenso a postura conservadora de algumas pessoas, principalmente aquelas que tem ligação com o punk rock. No caso dos Garotos Podres houve um racha na banda em 2012. Eu e o Cacá Saffiotti fomos para um lado enquanto o ex-baterista e ex-baixista foram para outro. Esta divisão se deu por inúmeros problemas que foram se acumulando ao longo dos anos. Mas o que foi determinante foi a aproximação de dois ex-integrantes à extrema-direita. Como exemplo disso tivemos a candidatura do ex-baixista, Michel Stamatopoulos, a vereador em São Caetano do Sul em 2016, pelo PEN. Nesta época este partido era ligado a Jair Bolsonaro. Posteriormente a agremiação assumiu o nome de Patriotas e lançou a candidatura presidencial do Cabo Daciolo em 2018. Em 2013,  apoiando-se em nosso antigo empresário, estes ex-baterista e ex-baixista criaram um grupo que passou a usar indevidamente o nome Garotos Podres. Felizmente o projeto deles não foi para frente, encerrando as atividades ainda em 2014. Entretanto, ainda hoje tentam se apoderar do nome Garotos Podres pela via judicial.

Devido ao rompimento do Garotos, você e o Cacá formaram O Satânico Dr. Mao e os Espiões Secretos e em 2014 lançaram o álbum Contra os Coxinhas Renegados Inimigos do Povo. Pode-se dizer que esse é um lançamento do Garotos Podres disfarçado?

Quando houve o racha dos Garotos Podres em 2012, eu e o Cacá Saffiotti pretendíamos da continuidade aos Garotos Podres, com novos integrantes. Isto nos parecia perfeitamente legítimo, uma vez que eu sou o fundador da banda, além de autor de quase 90% das letras e compositor de quase 50% das músicas. Pretendíamos preparar novas músicas, lançar um novo álbum, e reiniciar as atividades. Entretanto os ex-baterista e ex-baixista, associados ao nosso antigo empresário, tentaram se apoderar do nome da banda e iniciaram as atividades no início de 2013. Eu e o Cacá ficamos diante de um dilema: corríamos o risco que ter duas bandas com o mesmo nome. A avaliação que fazíamos era que o projeto deles não iria durar muito, por ser, ao nosso ver, musicalmente muito ruim. Neste ponto estávamos corretos, uma vez que eles acabaram encerrando as suas atividades ainda em 2014. Assim, nós decidimos criar uma “identidade secreta” para darmos continuidade aos nossos trabalhos musicais: nasceu assim O Satânico Dr. Mao e os Espiões Secretos. Sim, a “identidade secreta” dos Garotos Podres. Lançamos nosso álbum, Contra os Coxinhas Renegados Inimigos do Povo, em outubro de 2014. Começamos a fazer nossos primeiros shows utilizando este batismo e paulatinamente fomos fazendo a “transição” para começarmos a utilizar de volta o nome Garotos Podres. No final de 2017, Michel Stamatopoulos anunciou oficialmente o encerramento das atividades do projeto musical deles. A partir de então assumimos a nossa verdadeira identidade secreta. Todos os serviços de inteligência do decadente Ocidente capitalista ficaram estupefatos diante do fato de descobrirem que o “mui exelente e temível” Mao, dos Garotos Podres, e o “mui excelente e temível” Mao, de O Satânico Dr. Mao e os Espiões Secretos, eram exatamente a mesma pessoa! Hahahahaha! Enganamos todos eles!

Vocês virão para Curitiba neste carnaval, para tocar em um festival voltado especificamente ao cenário psychobilly e rockabilly. É um público para o qual vocês já costumavam tocar anteriormente? Qual a expectativa para este show no Psycho Carnival 2019?

Conhecemos o pessoal das bandas de psychobilly e rockabilly de Curitiba e já tivemos o privilégio de tocarmos juntos algumas vezes. Estamos ansiosos de encontrar não apenas os pessoal destas bandas, mas principalmente a galera que sempre vai em nossos shows em Curitiba!

Em 2018, para comemorar o retorno dos verdadeiros Garotos Podres, vocês lançaram o compacto Canções de Resistência, que contém duas faixas: “Grândola (Vila Morena)” e “Aos Fuzilados da CSN”. Como estão os planos futuros da banda. Pretendem lançar logo um álbum inteiro inédito?

Em 25 de abril colocamos a música e o clipe de “Grandola, Vila Morena” nas redes sociais. No Primeiro de Maio, lançamos uma nova versão de “Aos Fuzilados da CSN” e também o respectivo clipe. Estas duas simbólicas músicas marcaram o retorno dos Garotos Podres, através deste compacto digital intitulado Canções de Resistência. Creio que atualmente ocorreram significativas mudanças no que diz respeito ao lançamento de novos produtos musicais. É o fim do CD enquanto mídia de divulgação musical! Entretanto, acreditamos que as plataformas digitais devam substituir em parte o CD. Neste sentido, pensamos ser mais proveitoso e agil disponibilizar gratuitamente novas músicas, a partir de novas gravações. Pretendemos começar a lançar vários singles ao invés de álbuns.

Qual a mensagem que você deixaria para o pessoal que, como você, continua lutando contra essa onda de conservadorismo fazendo arte de um modo geral?

Acho que a emergência do fascismo cinde a humanidade em duas alas irreconciliáveis. De um lado está a barbárie fascista e de outro, oposto, todos aqueles defendem a humanidade. Não é necessário que você seja um radical líder revolucionário para se opor ao fascismo. Se você é contra o racismo, contra a opressão, contra os mais desfavorecidos; se coloca-se ao lado dos trabalhadores humildes; se é contra as injustiças desse mundo e se põe a favor da humanidade… Você é meu camarada!

Movies, News, TV

Oscar 2019

Oito motivos para você não se esquecer da cerimônia de entrega dos prêmios Academy Awards deste ano

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Texto por Abonico R. Smith

Foto: Reprodução

Queen

Muita gente pode ter se perguntado: o que diabos o Queen faria lá no palco do Dolby Theatre em Los Angeles na cerimônia do Oscar em 2019? Afinal, até então, o privilégio para a apresentação de números musicais ao vivo era dado somente às canções originais concorrentes na categoria. A dúvida se desfez logo após a primeira batida da noite deste 24 de fevereiro, dando abertura à festa. Sob o comando de Roger Taylor, o “tum-tum-tá” típico de “Will We Rock” colocou de pé as estrelas de Hollywood e todos os especialistas nos bastidores da sétima arte. Logo depois viriam Adam Lambert na voz e Brian May no matador solo de guitarra que conclui o arranjo. Era o Queen (ou o que sobrou dele; ou, para muitos, apenas um cover oficial da própria banda) abrindo alas para Bohemian Rhapsody brilhar na noite faturando o mais alto número de prêmios para um único filme (quatro, no total, incluindo o de ator para Rami Malek, no papel de Freedie Mercury). Logo em seguida, o trio Taylor-May-Lambert emendou a balada “We Are The Champions”, que, originalmente também vem na sequência de “We Will Rock You”, no álbum News Of The World). Jogo ganho. Não só in locomas também ao redor do mundo inteiro. Já que o Oscar quis fazer desta noite uma aposta mais popular e chamativa, conseguiu logo de cara. De quebra, o filme sobre Mercury e Queen ainda uniu novamente a dupla de Quanto Mais Idiota Melhor (Mike Myers e Dana Carvey, eternamente populares pela cena em que seus personagens batem cabeça no carro ao som da parte mais pesada de “Bohemian Rhapsody”) para fazer o anúncio do videoclipe que apresentava a obra como uma das indicadas ao prêmio máximo da noite.

Heróis e vilões

Muito de falou nas últimas semanas sobre quem poderia ser o apresentador oficial do Oscar. Contudo, nenhum ator ou comediante acabou fechando contrato para o papel de âncora. A Academia, então, anunciou que as aberturas dos envelopes seriam feitas por “heróis e vilões do cinema”. Contudo, quem esperava que alguém pudesse surgiu caracterizado com uniformes, roupas, cabelos e maquiagens típicas dos personagens encarnados nas telas, errou redondamente. Por conta de direitos autorais, isso não foi realizado. Entraram, sim, atrizes e atores vestidos formalmente (com exceção da dupla Melissa McCarthy e Bryan Tyree Henry, que partiram de vez pro escracho misturando exageros e símbolos referentes aos longas A Favorita e Pantera Negra). A “Rainha Anne” de Melissa estava com dezenas de coelhos adornando uma capa de cauda longuíssima, por exemplo. Um dos poucos momentos de humor debochado da noite. Valeu a pena.

Lady Gaga e Bradley Cooper

Já era prevista a vitória de “Shallow” como a canção original da temporada cinematográfica. Contudo, o número musical protagonizado pela dupla de atores de Nasce Uma Estrela foi comovente. A balada poderosa – que entre seus compositores, além da Gaga, tem o DJ e produtor Mark Ronson (responsável por muitos discos de primeira, entre eles Back To Black, de Amy Winehouse) e o guitarrista Anthony Rossomando (cujo currículo traz serviços prestados a excelentes bandas indie como Libertines e Dirty Pretty Things) – começou com um playback instrumental na medida para Gaga e Cooper soltarem o gogó de forma franca, sincera e emocional. De quebra, a cantora e atriz ainda tocou piano na parte final do arranjo. Como diz o Faustão, quem sabe faz ao vivo.

Spike Lee

Justiça foi feita a um dos diretores e roteiristas mais importantes do novo cinema autoral norte-americano das últimas décadas. Infiltrado na Klan, uma das obras mais interessantes desta temporada, concorria nas categorias filme, direção e roteiro adaptado. Pode ter perdido nas duas primeiras, mas pelo menos abocanhou uma “consolação de luxo” por contra a história do policial negro que consegue, do modo mais absurdo e inteligente possível, ser aceito nos quadros da organização fascista e racista que tocava o terror nos estados do Sul dos Estados Unidos até bem pouco tempo atrás. Vestido de chofer com a cor violeta dando o tom dos pés ao quepe, ele chegou no palco pulando no colo do apresentador Samuel L Jackson e ainda fez um belo discurso cheio de conteúdo sóciopolítico.

Olivia Colman

Quem também brilhou no discurso foi a atriz britânica Olivia Colman. Ou melhor, no não-discurso. Visivelmente transtornada de emoção e surpresa por ter superado “a favorita” (não dá para escapar do trocadilho infame!) Glenn Close na categoria, ela não sabia se falava, chorava, gaguejava ou mandava beijos para as concorrentes superadas. Com a estatueta na mão, protagonizou informalmente um dos mais espontâneos e engraçados momentos da cerimônia. De quebra quase se pôs de joelhos aos pés de Lady Gaga, que, sentada na fila da frente, retribuiu o carinho também de forma histriônica. E convenhamos: o trabalho de Colman como a Rainha Anne da A Favorita está espetacular. E nem é pela transformação física, de ter ganhado quinze quilos a mais para fazer o papel.

Pantera Negra

Antes de começar a cerimônia, o filme já havia quebrado uma escrita e entrado na História: foi a primeira produção baseada em um super-herói dos quadrinhos a concorrer à premiação máxima da noite. Se o drama com elenco negro e vivido quase que inteiramente na África (no fictício país de Wakanda) não foi agraciado como o melhor longa-metragem da noite, pelo menos saiu com três importantes prêmios técnicos: trilha sonora, figurinos e design de produção (categoria antigamente chamada direção de arte). Sinal de que uma produção caprichada nicho do grandioso público nerd pode, sim, rimar arte com altas bilheterias.

Alfonso Cuarón

Produtor, diretor, roteirista, fotógrafo. Alfonso Cuarón foi praticamente um faz-tudo nas funções mais importantes de Roma. Seu trabalho competentíssimo – e carregado de emoção e lembranças de sua vida na infância – garantiu a ele um excesso de bagagem para a volta para casa: faturou três estatuetas na noite, referentes às categorias filme em língua não inglesa, cinematografia e direção. Não levou a de melhor filme, é bem verdade, embora merecesse também. Entretanto, ninguém pode sair reclamando da falta de reconhecimento de seu múltiplo talento. Muito menos o México, o país onde nasceu. Afinal, a dinastia mexicana de direção no Oscar continua nas mãos de Cuarón, Iñarritú e Del Toro, vencedores dos prêmios nas últimas cinco edições.

Green Book

Como era de esperar, o filme mais mediano – e agradável à maioria das pessoas – foi agraciado com o prêmio principal da noite. Tocando de modo light na questão do racismo (a história se passa no início dos anos 1960, quando a luta pelos direitos civis nos EUA ainda não estava em momento explosivo e tenso) e também passando superficialmente por outros temos polêmicos, incluindo a homossexualidade, Green Book (esqueça o subtítulo pavoroso que o filme ganhou de sua distribuidora no Brasil) favoreceu-se do critério de votação dos membros da Academia. Vale lembrar que desde 2010, quando o número de concorrentes a melhor filme passou de cinco para até dez (são sempre oito ou nove, dependendo do coeficiente de corte na listagem apurada para o anúncio das indicações), todo votante precisa numerar esta lista de um a oito ou nove, segundo sua preferência pessoal. Portanto, aquela produção que fica ali no meio, entre segundo e quarto, justamente por ter o menor índice de rejeição, acaba sendo projetada no cômputo geral dos pesos e levando a estatueta. Foi o que aconteceu agora à história do branco bronco italiano de Nova Jersey que, por necessidade, durante algumas semanas do ano de 1962, trabalha como motorista de um renomado músico de jazz de Nova Yordurante uma turnê por cidades racistas ao sul dos Estados Unidos – e, ao fim da convivência cheia de diferenças culturais e ideológicas, um acaba sendo modificado pelo outro. Nada mais água com açúcar para agradar à maioria das pessoas. E, de quebra, Green Book faturou outros dois prêmios importantes da noite: roteiro original e ator coadjuvante (Mahershala Ali). Pode não ter sido o mais premiado na noite, mas saiu do Oscar 2019 como o principal filme da temporada pela importância das categorias.

VEJA OS GANHADORES DE CADA CATEGORIA

Filme: Green Book: O Guia

Direção: Alfonso Cuarón (Roma)

Atriz: Olivia Colman (A Favorita)

Ator: Rami Malek (Bohemian Rhapsody)

Canção original: “Shallow” (Nasce Uma Estrela)

Trilha Sonora: Pantera Negra

Roteiro adaptado: Infiltrado na Klan

Roteiro original: Green Book: O Guia

Curta-metragem de ficção: Skin

Efeitos visuais: O Primeiro Homem

Documentário em curta-metragem: Period. End Of Sentence

Animação em curta-metragem: Bao

Animação: Homem-Aranha no Aranhaverso

Ator coadjuvante: Mahershala Ali (Green Book: O Guia)

Montagem: Bohemian Rhapsody

Filme em Língua não inglesa: Roma

Mixagem de som: Bohemian Rhapsody

Edição de som: Bohemian Rhapsody

Fotografia: Roma

Design de produção: Pantera Negra

Music

Courtney Barnett – ao vivo

À frente de seu power trio, australiana dá aos brasileiros duas raras oportunidades de ver um artista tocando no auge da carreira

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Textos por Fábio Soares (São Paulo) e Luiz Espinelly/Josephines (Porto Alegre)

Fotos por Fábio Soares (São Paulo) e Mayra Silva (Porto Alegre)

Como é bom presenciar in loco um artista independente no auge de sua forma!

Foi este presente o que cerca de mil sortudos tiveram na noite da última quinta-feira (21 de fevereiro de 2019) muito chuvosa em São Paulo. Courtney Barnett estava entre nós e um acontecimento desses, havia de ser celebrado. A abertura desta Popload Gig ficou por conta do quarteto goiano BRVNKS. Com o vocal de Bruna Guimarães, o grupo desfilou, por meia hora, seu indie lo-fi agradável aos ouvidos da audiência. Com três anos de carreira, o que se viu foi uma banda muito segura no palco e sem sentir o peso de abrir o show para alguém do quilate de Barnett. Pouco tempo depois, Courtney surgia no palco da Fabrique ladeada apenas do baterista Dave Mudie e do baixista Bones Sloane. E foi com essa formação de power trioque os primeiros acordes de “Hopefulessness” (do aclamado Tell Me How You Feel, álbum de 2018) foram ouvidos. Com andamento marcial do início ao fim, a balada é uma síntese confessional da australiana em sua letra (“Pegue seu coração partido e o transforme em arte/ Eu não quero/ Eu não quero saber”).

Muito tímida ao microfone e, em certos momentos econômica nos movimentos (o cansaço e o jet lag devem ter pesado após apenas 72 horas de sua apresentação em Houston, no Texas), Courtney parecia estar em transe quando pluga sua guitarra. Declaradamente influenciada por Nirvana, tem em Kurt Cobain seu mentor intelectual e o “encarna” sem cerimônia em algumas passagens em cima do palco. Em “Need a Little Time”, por exemplo, fechava os olhos e refletia sobre sua depressão (“Você parece ter o peso do mundo sobre seus ombros ossudos/ Aguente firme”). Em “Are You Looking After Yourself”, a veia folk e o sarcasmo (“Eu deveria arrumar um emprego, ter um cachorro, casar, ter filhos e assistir a todos os telejornais”) eram extravasados num dos momentos mais descontraídos da noite.

Mas é com sua guitarra distorcida que Barnett sente-se mais à vontade. Isso foi presenciado mais uma vez em SP. Ninguém ficou parado durante a execução de “Pedestrian At Best”, com seu refrão matador (“Me coloque em um pedestal e te decepcionarei/ Diga que sou única e irei te explorar”) em volume altíssimo. Neste momento, a plateia já estava entregue antes do triunvirato do bis: a belíssima “Let It Go”, lançada no álbum Lotta Sea Lice (concebido em 2017, parceria com Kurt Vile); “Kim’s Caravan”, na qual Courtney reafirmava que sua guitarra é sua melhor parceira com as microfonias jogando a seu favor; e a derradeira “History Eraser”, de final apoteótico e as seis cordas tocadas no mais alto volume.

Barnett se despediu e rapidamente saiu do palco. Para ela, mais um capítulo de sua extensa turnê do mais recente álbum. Para nós, a certeza de que são raros nos momentos em que, aqui no Brasil, podemos ir a shows de artistas no auge da carreira e que oportunidades assim não devem nunca serem desperdiçadas. (FS)

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O rock morreu? Vida longa ao rock!

Apesar do forte calor, o show de Courtney Barnett pela Popload Gig em Porto Alegre (22 de fevereiro de 2019) levou um bom público ao Opinião, tradicional casa noturna da capital gaúcha. A anedota corrente antes do show, na banquinha de merchandising, era que a australiana estava tão bem ambientada em Porto Alegre que estavam vendendo camiseta de “I ❤ CB” – que todos locais leem como “I love Cidade Baixa” (o bairro boêmio de Porto Alegre).

Gauchices à parte, Barnett entrou no palco pontualmente às 21h, sem banda de abertura. O chapéu meio Cachorro Grande do baterista foi o único mau presságio da noite, rapidamente dissipado nos primeiros acordes de “Hopefulessness”, faixa de Tell Me How You Really Feel, um dos melhores álbuns de 2018. A bela canção, de começo suave com andamento marcial, conduziu banda e plateia em um crescente arrebatador, sob luz vermelha como a capa do disco e apresentando as credenciais da banda, com o baterista Dave Mudie e o baixista Bons Sloane fazendo uma cozinha competente para Courtney brilhar na guitarra e no microfone.

Na plateia, a maior parte parecia de jovens saídos da série Sex Education, mas também estavam presentes aquele pessoal com cara de quem vai em loja de disco todo sábado pela manhã. Ou seja, Courtney Barnett jogava em casa e com torcida a favor. No palco, o power trio tocou um pouco mais de uma hora. Com uma estrutura simples, sem telão e apenas com luzinhas tumblrfazendo a decoração, Courtney apresentou suas canções de forma crua, despindo-as dos truques batidos do universo pop e apostando na essência de seu lirismo. Enquanto a banda alternava dinâmicas e dava espaço para longos solos distorcidos, Courtney tocou os principais sucessos do primeiro e do segundo disco – além do bis com uma canção de seu álbum com Kurt Vile. Sem palheta, solando na ponta dos Martens, ela tocou suas Fender (alternou entre vários modelos de Jaguar, uma Strato e uma Tele) como uma guitar heroine, subiu na estrutura da bateria, cantou alto letras confessionais e olhou nos olhos do público, sorrindo com cumplicidade.

Com o mesmo set list do show de São Paulo e sem covers, a australiana apresentou suas músicas de forma menos polida que nos discos. Com um punch extra e alguns momentos de pegada mais forte da banda, Barnett abusou das distorções, evocando microfonias e longos solos, entregando que andou ouvindo Neil Young & Crazy Horse. O que combina bem com sua verve Lou Reediana e deu um sabor diferente aos sucessos indie registrados de forma mais contida nos álbuns.

Pontos altos: o começo com a dobradinha “Hopefulessness” e “City Looks Pretty”; “Nameless, Faceless” e “Depreston”, cantadas em coro pela plateia; e o bis com “Kim’s Caravan”, dos versos “so take what you want for me”, repetido também em coro pelo público enquanto Courtney entregava justamente o que os fãs queriam: uma catarse através do rock’n’roll. (LE)

 Set List de São Paulo e Porto Alegre:  “Hopefulessness”, “City Looks Pretty”, “Avant Gardener”, “Small Talk”, “Need a Little Time”, “Nameless Faceless”, “Small Poppies”, “Depreston”, “Are You Looking After Yourself”, “Sunday Roast”, “Lance Jr”, “Charity”, “Pedestrian At Best”. Bis: “Let It Go”, “Kim’s Caravan” e “History Eraser”.