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As Marvels

Nova obra do Universo Cinematográfico Marvel é minimamente divertida mesmo ficando aquém dos velhos tempos dos longas da casa

Texto por Andrizy Bento

Foto: Marvel/Disney/Divulgação

O trigésimo terceiro filme do Universo Cinematográfico Marvel (MCU) não é ruim como Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania. Mas também não é bom como Guardiões da Galáxia Vol. 3. E está há anos-luz de um Capitão América: Guerra CivilAs Marvels (The Marvels, EUA, 2023 – Marvel/Disney)  é bobo, esquecível, dispensável como muitos dos tie-in da Marvel nos cinemas que emulam as revistas da editora. Abraça a galhofa descaradamente e propõe cenas voluntária e propositalmente ridículas. Nem a Marvel mais está se levando a sério após tantas críticas à saturação pelo excesso e à perda de qualidade tanto narrativa quanto visual. O filme ri de si mesmo e isso até pode ser encarado como um ponto positivo. Porém, não o faz organicamente. O faz tentando ser cool.

No longa dirigido por Nia DaCosta, um mal entendido ocasionado pela presença de Carol Denvers (Brie Larson) põe fim ao tratado de paz entre as raças alienígenas kree skrull. Conforme visto no filme anterior da heroína, Capitã Marvel (2019), as duas raças são inimigas de longa data, mas estabeleceram um acordo de paz – que não demora a ser quebrado. Conhecida pelos kree como a Aniquiladora, Denvers foi a responsável por destruir a Inteligência Suprema, uma inteligência artificial que governava a nação fictícia de Hala, terra natal dos kree, tornando o planeta infértil, desprovido de recursos como água, oxigênio e luz solar. A nova líder deles, Dar-Benn (Zawe Ashton), consegue recuperar um poderoso artefato denominado Bracelete Quântico. No entanto, nota a ausência de seu par, não fazendo ideia de que o outro bracelete encontra-se em posse da adolescente Kamala Khan (Iman Vellani), um presente da avó da heroína introduzida na minissérie Ms. Marvel, da Disney+. Dar-Benn combina o tal bracelete com outro artefato, um cajado chamado de Arma Universal e que ela utiliza para destruir um ponto de salto no espaço.

O ex-diretor da S.H.I.E.L.D., Nick Fury (Samuel L. Jackson), agora no comando da estação espacial da S.A.B.E.R. (organização criada especialmente para os filmes do MCU, com o objetivo de proteger a Terra de ameaças internas e integrada por humanos e raças alienígenas, como os Skrull) alerta Carol Danvers e a astronauta e soldado, Monica Rambeau (Teyonah Parris), da S.W.O.R.D (organização governamental que lida com ameaças extraterrestres, esta sim introduzida nos quadrinhos da Marvel), para investigar a origem da anomalia causada por Dar-Benn. Quando Monica toca na anomalia do ponto de salto próxima à estação da S.A.B.E.R, ela, Danvers e Kamala trocam de lugar por meio de uma rede neural de transporte. Demora um pouco até que elas se deem conta de que as trocas ocorrem sempre que elas acionam seus superpoderes. As três precisam resolver conflitos internos e se unirem a fim de deter Dar-Benn que pretende drenar a atmosfera e os recursos de outros mundos a fim de suprir as necessidades e restabelecer Hala.

Um dos pontos que mais incomoda nesta produção da Marvel Studios é o fato de cobrar demais do espectador. Para compreender a trama de As Marvels em sua totalidade, é necessário ter visto não apenas o filme anterior da Capitã Marvel como as séries Ms. Marvel e WandaVision. O longa foge do conceito que Henry Jenkins propôs em seu seminal Cultura da Convergência, livro no qual dissertava sobre narrativa transmídia e como uma mesma história poderia se desenrolar em diferentes produtos, sem necessidade de redundâncias, mas também sem a obrigatoriedade do leitor/espectador consumir efetivamente todos os produtos ramificados para compreender inteiramente a narrativa. Assim, mesmo que um filme fosse continuação de outro ou desse origem a spin-offs em formato de séries, quadrinhos ou jogos de videogame, cada produto deveria funcionar independentemente, fazendo alusões aos seus predecessores ou aos seus derivados, mas dando poder para o público que irá consumir a história escolher em qual ou quais formatos quer consumi-la.

Não é o que ocorre no caso de As Marvels. Não dá para simplesmente assistir ao filme sem ter acompanhado filmes e séries que vieram antes, pois o roteiro pouco se preocupa em situar o espectador quanto às mitologias de cada personagem. De minha perspectiva, eu entendi a função de Monica Rambeau mas fiquei perdida no que diz respeito a Kamala, pois não vi absolutamente nada a respeito da série estrelada pela heroína teen na Disney+. Portanto, é necessário adentrar a sala de projeção já conhecendo de antemão as produções que introduziram as personagens que estrelam este filme. De que modo? Assinando o serviço de streaming da Disney. Um dos famosos ardis do capitalismo e capitaneado por um conglomerado que está monopolizando a indústria do entretenimento… Fica difícil assim.

A primeira troca de lugar por teletransporte entre as heroínas é divertida e propõe cenas de ação até interessantes porém nada surpreendentes. Os cortes das lutas deixam evidente o quão mal coreografadas são e dependem de muito trabalho de montagem para soarem legais ou minimamente decentes na tela. Houve um downgrade nas produções da Marvel também no departamento de efeitos visuais, pois o CGI traz uma impressão de design de videogame pouco sofisticado. A vilã é, mais uma vez, o maior ponto fraco dos filmes. Como grande parte dos vilões do MCU, eles não são desenvolvidos para além de uma aventura, caindo no ostracismo logo após o fim da projeção. 

Há toda uma sequência musical que ecoa uma vibe Disney e parece descontextualizada no longa, envolvendo um casamento arranjado entre Carol Denvers e o príncipe Yan (Park Seo-joon) de Aladna. E outra sequência em que inúmeros gatos, aliás, espécimes da raça alienígena Flerken que assumem forma de gato, engolem humanos e skrulls a torto e a direito. A intenção de ambas é se destacarem como passagens comicamente absurdas do enredo, mas são puramente anódinas. O pai de Kamala (Mohan Kapur), a bordo da estação espacial de S.A.B.E.R., explicando a um dos aliens com aparência humana (Abraham Popoola) acerca de previdência privada e direitos trabalhistas não toma nem um minuto de tela e consegue ser uma cena mais engraçada do que as citadas.

Falando em boas cenas (e elas são poucas no conjunto), uma das primeiras estreladas por Kamala no longa, é uma sequência animada que alude aos quadrinhos da Marvel e é adorável exatamente por evocar o espírito e a leveza do material de origem da personagem. Outra grata surpresa é a cena pós-créditos que revela Kelsey Grammer, intérprete do mutante Fera em X-Men: O Confronto Final (2006) e X-Men: Dias de um Futuro Esquecido (2014), reprisando o papel – só que, ao invés da maquiagem questionável de outrora, trazendo um CGI questionável. Mas a gente releva pelo fato de o ator estar com quase 70 anos e, como mencionado, a make dos longas dos X-Men já não eram uma obra-prima. Além disso, a trilha sonora utilizada aproveita os temas de X-Men 2 (2003) e de Dias de um Futuro Esquecido, o que é suficiente para aplacar qualquer insatisfação.

A cena imediatamente anterior aos créditos mostra Kamala recrutando heroínas para um time mais jovem de Vingadores, o que remete à primeiríssima cena pós-créditos do MCU, em Homem de Ferro (2008), na qual Nick Fury apresentava a Tony Stark (Robert Downey Jr.) a Iniciativa Vingadores. A passagem deixa nítido o propósito desta fase da Marvel nos cinemas. E as reações durante a sessão também. Enquanto os adultos presentes pareciam entediados e sequer arriscavam um sorriso sem graça diante das tentativas de humor malsucedidas do longa, as crianças pareceram se divertir. De fato, As Marvels aponta para um público mais infantil. Nem posso dizer que, mercadologicamente, não seja uma decisão acertada – a de crescer com seu público. Contudo, para os mais velhos, fica um gosto amargo ao se comparar exemplares como Quantumania e As Marvels aos filmes mais antigos da casa, como o próprio Homem de Ferro. Também há de se reconhecer que os as décadas de 1980, 1990 e mesmo o início dos anos 2000 eram pródigos em lançamentos de longas destinados a um público infantil de qualidade imensamente superior a este As Marvels, tanto em termos narrativos quanto visuais.

De qualquer forma, o longa funciona como uma sessão da tarde descompromissada que você provavelmente assistiria pela TV em uma tarde chuvosa e por falta de opções mais interessantes. Talvez, assim, corresse o risco de achar minimamente divertido.

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