Movies

João de Deus – O Silêncio é Uma Prece

Documentário sobre médium goiano derrapa ao apostar no formato “programa de televisão estendido”

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Texto por Abonico R. Smith

Foto: Paris Filmes/Divulgação

Por cinco anos o cineasta Candé Salles frequentou a Casa Dom Inácio de Loyola, na cidade goiana de Abadiânia. Lá ele acompanhou as sessões de atendimento do médium que é o objeto central do documentário que chega agora às telas de cinema de todo o país.

João de Deus – O Silêncio é Uma Prece (Brasil, 2018 – Paris Filmes) procura enfocar a vida e a obra de João Teixeira de Faria neste período em que Candé esteve com frequência em Abadiânia. São mostrados os atendimentos espirituais e aqueles que exigem algum tipo de incisão controlada pelas “entidades”, a visita de gente famosa (como a atriz Camila Pitanga) e muitos estrangeiros de outros continentes. O diretor também revela um pouco da vida de João de Deus, seus amigos locais de longa data, a história de seus amores, o dia a dia tranquilo da fazenda onde ele mora. Tudo no melhor modo observativo, sem interferir quando não está colhendo depoimentos e entrevistas, levando ao espectador a impressão de se sentir no próprio local, seja no banco do passageiro do carro do médium, sentado na varanda de sua casa ou dentro da casa de atendimento, misturado a tantos outros consulentes.

Uma coisa que chama a atenção na narrativa impressa pela edição é a constante preocupação em contrapor ciência e fé no trabalho realizado em Abadiânia. Não que haja a necessidade de afastar qualquer sinal de charlatanice. Aliás, nem é este o caso, já que João de Deus realiza há muito este trabalho e nunca houve qualquer desconfiança em relação a isso. Mas Candé ainda tem o cuidado de entrevistar vários médicos que, a pedido de João, acompanham as incisões cirúrgicas que não provocam qualquer tipo de dor ou efeitos colaterais posteriores. Estes médicos atestam o que viram, inclusive o que foi feito com familiares. Pacientes também dão seus relatos sobre os problemas que tinham antes das intervenções das entidades e como passaram a ser suas vidas logo após. Mais para o final, segue João em sua ida para São Paulo, para fazer tratamento e cirurgia em um hospital da metrópole, recorrendo justamente à medicina tradicional, sempre ressalta no decorrer do documentário.

Então este acaba sendo justamente o grande problema de O Silêncio é Uma Prece. Pouco ousa em seu formato, acaba parecendo ou um trabalho de um admirador de João de Deus (o que o diretor assume depois de tê-lo conhecido in loco) ou um grande vídeo institucional da Casa Dom Inácio de Loyola. Ou então um episódio estendido do programa Andar Com Fé, da GNT, que trata sobre espiritualidade e a diversidade da religiosidade – inclusive com a indefectível narração da atriz Cissa Guimarães (que também costura o programa do canal por assinatura) e o irresistível encerramento com a canção “Se Eu Quiser Falar Com Deus”, de Gilberto Gil.

Aliás, o ritmo do documentário é praticamente o mesmo do programa. Por ter o triplo da duração, acaba ficando com o ritmo arrastado, o que, em um determinado momento, chega a provocar certo desinteresse em quem não é muito chegado a estes assuntos (mediunidade, fé, cirurgias espirituais, medicina tradicional versus medicina alternativa) justamente pelo fato de não se arriscar a ir além do que já fora mostrado antes.

Music

Coolritiba 2018 – ao vivo

Emicida, Mano Brown, Pitty, Iza, Anavitória, Scalene, Francisco El Hombre, Nação Zumbi, BaianaSystem, Dream Team do Passinho, Rincon Sapiência

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Textos por Mayara Mello e Marcos Anúbis (CWB Live)

Fotos por Beatriz Fidalgo/Coolritiba

Obs: As legendas das fotos estão em negrito durante o texto

Em sua 2° edição o Coolritiba abriu o mês de maio de 2018 com um line upsensacional. Com três palcos, a Pedreira Paulo Leminski se dividiu naquele sábado, dia 5, entre o popular, o underground e a balada com Francisco El Hombre, Iza, Rincon Sapiência, Emicida, Scalene, Nação Zumbi, BaianaSystem e Dream Team do Passinho. Tudo isso como uma atitude #cool que mudam o mundo e juntam os amigos para passar uma tardezinha ensolarada na capital paranaense.

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Abrindo as atividades do dia, o Francisco El Hombre subiu ao palco principal trazendo o melhor do latino americano e da movimentação de pélvis que qualquer banda poderia trazer. O grupo foi seguido pela Nação Zumbi, que fez dobradinha com o rapper Black Alien e agitou a galera com seus sucessos. Enquanto isso no palco alternativo, chamado Arnica, o Pallets, formação de São José dos Pinhais, abriu a programação. Na sequência, a banda brasiliense Scalene chegou com toda a energia e mostrou o melhor deles as canções de seu novo álbum. Como ainda contaram com a participação do amigos da Francisco El Hombre reforçaram os boatos sobre o fato de que estão para lançar coisas em conjunto.

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E como já dito antes, neste ano a festa não coube só em dois palcos. O festival ainda contou com o novíssimo espaço da Pista Paradis. Só o Soul Salva, Clube do Passinho Baile Charme, Dance Like Yourself e Brasilidades, as melhores festas do clubinho paradisíaco, mostraram o porque do club Paradis ser tão amado e adorado na cidade. Com uma série de ritmos e cada festa com um ritmo específico, foi quase impossível ficar parado. Além das consagradas festinhas, a Pista ainda contou com a apresentação do grupo carioca Dream Team do Passinho. Arrebentaram cantando sucessos atuais e alguns hits, com muita dança e fôlego simultâneo, fazendo a público suar e berrar “oi sumido!”.

Enquanto tudo isso estava rolando na Pista Paradis, o palco principal e o Arnica também estavam bombando. No Arnica rolou o Dingo Bells. Os gaúchos apresentaram seu novo álbum Todo Mundo Vai Mudar pela primeira vez em Curitiba e também cantaram os hits do anterior, como “Dinossauros” e “Eu Vim Passar”. Depois veio o Trombone de Frutas, com seu novo baterista, tocando músicas de seus dois álbuns com uma nova pegada, mostrando um show diferente para o público. Na sequência, Rincon Sapiência mandou seu ritmo-e-poesia com força e energia. Um show maravilhoso com destaques como “Ponta de Lança” e o mais novo hit “Afro Rep” no melhor estilo Manicongo. Fechando o Palco Arnica, O Terno chegou acompanhado de sopros para apresentar um set com músicas do álbum Melhor Do Que Parece, lançado em 2016, e alguma coisa dos seus trabalhos anteriores que ainda faz a cabeça do público.

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Já no palco principal, Emicida – com participação de Pitty e Mano Brown – mostrou que veio para fazer a galera vibrar ao som de seus hits, que trazem não só a boa vibe, mas várias palavras de luta e guerrilha. Na sequência teve o show do Maneva, a dupla Anavitória com convidados como Sandy e o grupo Outroeu (juntos, fizeram uma homenagem aos Novos Baianos cantando uma versão de “Outro Eu”). Logo em seguida a curitibana Jenni Mosello subiu ao palco para mostrar seu mais novo single (“Vou Gritar!”) e deu um verdadeiro show de dança e energia. A cantora e compositora Iza a sucedeu. Chegou chegando, fazendo a galera ir até o chão e cantando seus sucessos como “Ginga” e “Pesadão”. Para finalizar o festival com chave de ouro, a galera do BaianaSystem colocou a Pedreira para fazer tremer o chão com seus graves absurdamente dançantes, causando uma explosão de interação do público.

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O Coolritiba 2018 foi uma levada de experiência e aprendizados. Mas sem esquecer as atitudes #cool que mudam o mundo. Quem aí já está ansioso pela próxima edição? (MM)

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Falar da Nação Zumbi é abordar boa parte do que de melhor foi produzido na música brasileira nos últimos 24 anos. Desde o clássico Da Lama ao Caos (1994), o disco de estreia do grupo, Jorge du Peixe (vocal), Lúcio Maia (guitarra), Dengue (baixo), Pupillo (bateria), Toca Ogan (percussão), Marcos Matias, Da Lua e Tom Rocha (alfaias) se mantêm como uma das forças da música brasileira.

No Coolritiba, o grupo esteve diante dos velhos fãs, mas também de muitos jovens que nunca tinham visto a banda ao vivo. A Nação abriu o show com “Refazenda”, de Gilberto Gil, versão gravada no mais recente álbum dos pernambucanos, Radiola NZ Vol.1(2017). O traalho apresenta covers de artistas completamente distintos, entre eles David Bowie (“Ashes To Ashes”), Beatles (“Tomorrow Never Knows”) e Marvin Gaye (“Sexual Healing”).

O set list ainda contou com vários clássicos da carreira do grupo, como “Por Amor”, “Blunt Of Judah” e “Hoje, Amanhã e Depois”. Curiosamente, talvez com a intenção de não se prender exageradamente ao passado, a Nação não tocou “Da Lama Ao Caos”, um dos maiores sucessos do grupo.

Já na metade do show, o convidado especial, o rapper Black Alien, juntou-se ao grupo para executar uma música dele (“Na Segunda Vinda”) e outra da NZ (“Rios, Pontes e Overdrives”). Na sequência, antes de “Banditismo Por Uma Questão de Classe”, Peixe falou sobre a conturbada situação política do país e Lúcio puxou o coro de “Lula livre”.

Duas características são muito fortes na música da Nação Zumbi: as marcações das alfaias e os riffs e levadas da guitarra de Lúcio Maia, que é um dos nomes mais criativos do país em seu instrumento. Juntas, elas dão um peso e uma originalidade impressionantes ao som do grupo.

“Quando a Maré Encher” encerrou o show. Mesmo precisando superar a perda do seu vocalista, principal compositor e mentor do movimento mangue beatChico Science, em 1997, a banda não entregou os pontos. O grupo se reconstruiu, seguiu lançando bons discos e manteve a criatividade. Hoje, 24 anos após o seu álbum de estreia, é um privilégio ainda ter a Nação Zumbi se apresentando regularmente em um cenário musical completamente diferente daquela época. (MA)

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Rap é a sigla para a expressão rhythm and poetry (ritmo e poesia). No estilo, uma batida que se repete serve como pano de fundo para as letras e, dentro desta alquimia, o que faz a diferença é a mensagem. O conteúdo do que é cantado é o que separa um artista comum de alguém que tem o que dizer. Dentro dessa ideia, orapper paulista Emicida se destaca justamente pelo discurso que abrange a realidade social das camadas menos favorecidas do país.

No Coolritiba, Emicida pôde perceber o quanto é respeitado por seus fãs. Ele – cujo apelido vem, na verdade, das letras iniciais da frase “enquanto minha imaginação compuser insanidades domino a arte”, abriu o show com “Bang”, “Gueto” e “A chapa é Quente”. Logo de cara, ficou nítida a facilidade com que o rapperse conecta aos seus fãs. O set listdo show, que faz parte da turnê 10 Anos de Triunfo, ainda contou com as canções “Pantera Negra”, “I Love Quebrada” e “Passarinhos”. Em uma homenagem a Chorão, o vocalista do grupo Charlie Brown Jr, morto em 2013, Emicida cantou “Como Tudo Deve Ser”.

Nos shows de rap, levando em conta essas características que o estilo tem, o artista fica praticamente sozinho em frente ao público. Portanto, precisa ter uma oratória que “hipnotize” os fãs. Emicida possui essa qualidade, mas também está acompanhado por uma boa banda que, além da tradicional picape comandada pelo DJ Nyack, ainda conta com guitarras e percussão.

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Na continuidade deste show na Pedreira, a primeira participação especial foi a da cantora e compositora baiana Pitty. Ela entrou no palco para cantar “Hoje Cedo” e, em seguida, “Máscara”, um dos maiores sucessos da sua carreira. Na sequência, tocando uma levada de samba em um pandeiro, o também rapper Mano Brown entrou no palco. Brown é uma das figuras mais importantes nesse cenário, pois ajudou a sedimentar o rap brasileiro nos anos 1990 com o Racionais MCs. Juntos, Mano e Emicida cantaram “Triunfo/Quanto Vale o Show” e “Vida Loka Parte 1”. “Levanta e Anda” encerrou o set.

A ligação de Emicida com os fãs vai além da música. No seu site, por exemplo, ele mantém um blog no qual escreve textos sobre os mais variados assuntos. No palco e nos álbuns, ele mostra que realmente tem o que falar. Além de ser uma característica essencial no rap, isso também é um fato raro na música brasileira do século 21. (MA)

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Movies

Deadpool 2

Novo filme do mercenário das HQs acentua a verve satírica do anterior e prepara novos terrenos cinematográficos

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Texto por Abonico R. Smith

Foto: Fox/Divulgação

A principal função de uma sátira é provocar, simultaneamente ao riso, reflexões e questionamentos através de exageros, distorções ou até mesmo exposição ao ridículo. Por isso este subgênero da comédia sempre fez grande sucesso em qualquer momento da História, seja no tempo das peças comandadas por Shakespeare lá na virada dos anos 1600 ou agora, séculos depois, com o cinema volta e meia explorando fórmulas de grande sucesso comercial.

Isso explica a existência de um filme como o de Deadpool. Em um período onde o super-heróis arrombaram as bilheterias mundiais, nada mais justo que a Marvel – até agora na frente da corrida disputada com a rival Dc em relação a recepção de público e crítica – aproveitasse a onda e resgatasse um personagem de suas divisões inferiores para cumprir a tarefa nos cinemas. Em 2016, Ryan Reynolds deu vida ao mercenário de verve jocosa das HQs. Fãs adoraram e chegaram a ventilar uma mobilização para leva-lo ao Oscar daquela temporada. A imprensa também falou bem de toda aquela zoeira com relação ao universo dos súperes dos quadrinhos e sua transposição para as grandes telas como filmes de ação voltados para nerds e cultuadores do mundo pop.

Dois anos depois, eis que Reynolds volta à carga com Deadpool 2 (EUA, 2018  Fox), agora também assinando como um dos roteiristas e produtores da empreitada. Agora muito mais radical, carregando a mão em doses maiores de violência, sangues e explosões, humor ferino e pitadas de cunho sexual que justificam novamente a classificação indicativa de “somente para maiores”.

Que, aliás, de aventura propriamente dita não traz muita coisa. Pelo menos ainda não em primeira plano. O encontro do alter-ego de Wade Wilson como novos (o antagonista Cable, o moleque rebelde Russell, a nova mutante Domino e outros membros da X-Force) e velhos personagens (o x–man Colossus, a moleca Negasonic Teenage Warhed, o taxista indiano Dopinder, a namorada Vanessa) é costurado por uma trama que tem elementos de viagem no tempo, identificações juvenis do herói e uma zoeira sem fim com pilhas e pilhas de referências pop.

A direção assinada por David Leitch (John WickAtômica) explica um visual mais apurado que o do filme anterior, com maior atenção aos tons azulados e terrosos. O roteiro, apesar de todas as piadas, ainda reserva espaço para algumas surpresas e reviravoltas. O constante recurso de metalinguagens também é um doce na boca dos gulosos por cinema e super-heróis. A adição de Josh Brolin como o musculoso Cable também é benvinda – afinal, segundo a cartilha das metarreferências Marvel, o mesmo ator dá vida ao todo-poderoso Thanos no atual filme dos Vingadores, ainda em cartaz por aqui. E a trilha sonora é um abuso de década de 1980 (A-Ha, Air Supply, LL Cool J, Berlin e Cher!!!) com algumas faixas escolhidas a dedo para causar estranhamento em momentos cruciais da história.

Embora apresente essas novidades e coisas boas,  tudo não passa de uma espécie de (muito) mais do mesmo. Por isso mesmo Deadpool 2 vai agradar em cheio quem curtiu o primeiro. E – melhor para a Marvel e a Fox, que ainda detém o direito de levar aos cinemas este núcleo de personagens da editora – ainda vai sendo preparado o terreno não só para a terceira história de Deadpool como também para uma da X-Force. Afinal, a sátira pode ser feita pela indústria desde que a sua engrenagem capitalista não pare.

Music

Erasure – ao vivo

Andy Bell e Vince Clarke fazem em São Paulo uma celebração à vida e nada mais se faz necessário

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Texto e foto por Fábio Soares

A reta final dos anos 1990 foi complicadíssima para Andy Bell. Em 1997, ele e Vince Clarke lançavam Cowboy, talvez o menos inspirado trabalho da extensa discografia do Erasure. Um ano depois, descobriu ser soropositivo, aos 34 anos. O duo, porém, não parou, amparado por um firme lastro construído nos anos 1980. Apesar de rejeitarem o rótulo de “banda gay“, canções como “Victim Of Love”, “Star” e “Ship Of Fools” encantaram 3/4 coloridos do mundo.

Agora, corte pra Maio de 2018: um Erasure cinquentão, experiente e calejado desembarcou em São Paulo com o jogo já ganho. Adorados por seu público (seja hétero ou qualquer letra que compõe a sigla LGBT) Bell e Clarke sabiam que precisavam somente dar ao seu público exatamente o que ele queria: um caminhão de hitspara transformar seu show da última terça-feira (11 de maio), em uma grande pista de dança.

Por via das dúvidas, já sacaram um supertrunfo da manga, logo na abertura: “Oh L’amour” é daqueles hits que funcionam como um piloto automático, colocando todo mundo para dançar. Amparado por duas backing vocals, Bell (hoje com 54 anos) mostra que está com o gogó em cima. Já Vince Clarke (no alto de seus 57) solitário numa plataforma suspensa, confirmou a fama de muita discrição, não comunicando-se com o público em qualquer momento. Melhor assim: a estrela sempre será Andy, com seu carisma ímpar e figurino extravagante.

O álbum mais recente, World Be Gone, lançado em 2017, foi bem revisitado com a execução de cinco canções (além da faixa título, “Just A Little Love”, “Sweet Summer Loving”, “Take Out Of My Baby” e “Love You To The Sky”) tiveram boa aceitação por parte do público presente ao Espaço das Américas, em São Paulo. “Chains of Love”, do antológico álbum The Innocents, de 1988, também teve seu refrão cantado em uníssono, assim como o petardo “Love to Hate You”, parte integrante da biografia de 99% dos ali presentes. Afinal, atire a primeira pedra quem nunca teve um amor que amou odiar (nota do editor: esta música ainda reproduz fielmente a antológica melodia final e instrumental da maior canção sobre superação emocional de todos os tempos, “I Will Survive”).

Em “Blue Savannah”, uma cena comovente: o público da Pista Premium, num flashmob previamente ensaiado, lançou ao ar dezenas de balões azulados, surpreendendo o vocalista. “De onde vocês tiraram isso?”, disse um emocionado Andy Bell que, àquela altura, já preparava o terreno para a reta final da apresentação: “Drama!” (do estupendo álbum Wild, de 1989) manteve o frescor oitentista à gigantesca pista de dança. E o que dizer de “Stop!”? Até um cemitério sairia dançando ao ouvir o verso “We’ll be together again/ I’ve been waiting for a long time”. Três sublimes minutos que ficarão na memória. “Always”, lançada quando todos os narizes do mundo estavam apontados ao grunge de Seattle, fez a alegria dos casais presentes com seu refrão chiclete (“Always I wanna be with you/And make believe with you /And live in harmony”).

Por fim, “Sometimes”, de 1987 manteve acesa a chama nostálgica dos anos 1980 com sua clara citação a “Torch”, hitdo quase contemporâneo Soft Cell. Os sinterizadores falaram alto aos corações da audiência. Aí veio o xeque-mate no bis. “A Little Respect” sempre será um grito contra a intolerância. Um hino nacional na causa LGBT. E como o danado ganha força quando entoado no país em que mais se mata transexuais no mundo e onde um gayé assassinado a cada 25 horas. Um grito atemporal de resistência. Uma chama que permanecerá viva com o passar das décadas.

Na saída do show, era visível a alegria da plateia em inúmeros sorrisos vistos. Alegria esta que, com certeza, também estampava o rosto de Andy Bell logo após o show. O Erasure, aliás, pode voltar mais 350 vezes ao Brasil que essa festa sempre se repetirá.

Set List: “Oh L’Amour”, “Ship Of Fools”, “Breathe”, “Just A Little Love”, “In My Arms”, “Chains Of Love”, “Sacred”, “Sweet Summer Loving”, “Victim Of Love”, “Phantom Bride”, “World Be Gone”, “Who Need Love Like That”, “Love To Hate You”, “Take Me Out Of Myself”, “Blue Savannah”, “Drama!”, “Stop!”, “Love You To The Sky”, “Always”, “Sometimes”. Bis: “A Little Respect”.

Music

Mogwai – ao vivo

Apresentação da banda escocesa em São Paulo prova que o etéreo pode estar em constante erupção

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Texto por Fábio Soares

Foto de Zazá ASF

Descobri o som do Mogwai um pouco tarde demais – há cerca de quatro anos. Em um primeiro momento, o classifiquei como “dream pop pesado”, um Cocteau Twins “modernoso” sem que esta definição lhe traga demérito algum. Para mim, o post rock sempre significou a tradução exata de nosso estado de espírito. Um liquidificador sonoro aonde ambientjazzsamples e guitarras equivalem-se, equalizando nosso humor através de estímulos sonoros variáveis. E poucos comandam este caldeirão de forma tão harmoniosa quanto este grupo escocês.

A máquina capitaneada por Stuart Braithwaite mais parece uma inesgotável engrenagem de criatividade e inspiração: em vinte anos de carreira já são onze álbuns de estúdio, um disco ao vivo, dezenas de compilações, EPs e participações em trilhas sonoras. Um objeto de culto com seguidores fiéis por onde passa e que na última terça-feira (8 de maio) teve seu terceiro capítulo em terras paulistanas. Como era de se esperar, o Tropical Butantã, local da apresentação, não lotou. Ainda bem. Uma das poucas casas em São Paulo aonde não se pratica a famigerada pista premium, propiciou aos mais fanáticos a oportunidade de acompanhar o gigante escocês bem próximo ao palco. Calculo que 600 ou 700 afortunados estavam presentes, prestes a embarcar numa viagem ímpar e inesquecível. Antes do show, o equipamento ali disposto já impressionava: amplificadores valvulados, guitarras Fender Jazzmaster e teclados Moog já davam a ideia do turbilhão sonoro que viria.

Com doze minutos de atraso, o capitão Stuart adentrou o palco acompanhado do baixista Dominic Aitchison, do tecladista/baixista Barry Burns, do também guitarrista Alex Mackay e da baterista Cat Myers, integrante da dupla Honeyblood e bendito invertido fruto entre os homens que, às pressas, substituiu Martin Bulloch, obrigado a abandonar a turnê em outubro passado por problemas de saúde.

O avião taxiou na pista ao som de “Crossing The World Material”, faixa do último álbum “Every Country’s Sun”, com algo que chamou a atenção: a luz do palco jamais focaria os integrantes, claramente entregando a intenção do grupo em enaltecer apenas a sua música. Iluminação irregular que levou fotógrafos ao desespero (eu, incluso) à procura do melhor átomo de segundo para um registro decente. A ordem para decolar ainda não viria com “I’m Jim Morrison, I’m Dead”. O piano de Burns chorosamente dialogava com a guitarra de Mackay acompanhados por uma quase fúnebre batida de Myers. Não deixou, porém, de ter um belo final antes da decolagem.

O voo propriamente dito teve início com “Party In The Dark”, com sua irresistível linha de baixo e a voz de Braithwaite entoando o pegajoso refrão “I, taken from those spirals be both kind/ Hungry for another piece of mind” Ninguém ficou parado durante maravilhosos quatro minutos e, àquela altura, a simbiose entre público e banda já estava completa. Após a cadenciadíssima (e melancólica) “Cody”, a espetacular “2 Rights Makes 1 Wrong” deu à audiência a exata noção da meticulosidade das composições do Mogwai. Fiquei imaginando por quantos meses a banda ensaiou esta canção antes de apresentá-la ao vivo, tamanha a complexidade de seu arranjo. A seguir, veio “Coolverine”, uma de minhas prediletas do último álbum, com marcação “quebrada” da bateria de Myers em contraponto ao teclado Moog de Byrons. Seis hipnotizantes minutos que encerraram a primeira parte do espetáculo, a qual batizei de “Etéreo” (coisa minha, nada official!). A lenda estava ali, viva à minha frente. Mas o melhor ainda estava por vir.

“Rano Pano”, do álbum Hardcore Will Never Die, But You Will, abriu a segunda parte da apresentação, a qual batizei de “Erupção” (novamente coisa minha, nada official!) com suas guitarras e baixo distorcidos à enésima potência em um imutável andamento durante toda a execução. Destaque para os teclados de Byrons que assumiram ares de piano de cauda na canção seguinte, “Friend Of The Night”, do álbum Mr. Beast. Trilha sonora adequada para um caos contido e que perfeitamente poderia fazer parte de Mellon Collie And The Infinite Sadness, dos Smashing Pumpkins.

“Don’t Believe The Fife” (outra faixa do último álbum) surgiu em seguida com atmosfera de ficção científica. E não é exagero algum afirmar que seu arranjo pode muito bem ter sido inspirado em “The Hall Of Mirrors”, do Kraftwerk (por que não?). Comparações à parte, seu final “casou” perfeitamente com a introdução de “Auto Rock” (mais uma faixa de Mr. Beast e que trazia a figura de Alex Mackay a auxiliar Byrons aos teclados, com Cat Myers ao fundo a esmurrar seu set de bateria), preparando o terreno para um verdadeiro terremoto sonoro chamado “Remurdered”. Um arrasa-quarteirão com fraseado de teclado pesadíssimo e linha de baixo idem. Novamente ficava escancarada a influência do Kraftwerk no som do Mogwai. Aos mestres, com carinho!

“Old Poisons” foi uma jam sessiondistorcida e ensurdecedora. Byrons largou o baixo e, juntamente com Stuart e Mackay, formou uma parede de guitarras altíssima com volume altíssimo. Impossível ficar parado e também não se impressionar com a performance de Myers durante a música. De éterea “Old Poisons” não tem nada. Nunca terá. Foi um “encerramento” digno para a pausa antes do bis.

Cinco minutos depois, a banda ressurgiu para “Every Country’s Sun”, faixa-título do último álbum. Grande performance de Braithwaite nas distorções de sua Jazzmaster. Na verdade, funcionou apenas como vinheta para um epílogo apoteótico.

Gostaria de encontrar palavras para definir o que foi a execução de “Mogwai Fear Satan” e a magnitude que esta composição transmite. Só que nada que escreva aqui, exemplificará com exatidão o que foi aquilo na noite de terça: andamento marcial e constante no início, guitarras distorcidas em alto volume na segunda parte, andamento longo e descompassado descambando para a lentidão… lentidão… mais lentidão… para só depois… muito tempo depois…. EXPLODIR NUMA ERUPÇÃO SONORA DEVASTADORA! Um momento único! Uma trilha sonora apocalíptica que encerrou com brilhantismo uma apresentação memorável.

Direi aos meus netos que vi o expoente de um estilo musical em sua plena forma abrir mão de um telão no palco para priorizar aquilo que sabe fazer de melhor. Fazer música. A sua música. Então, voltei para casa com a certeza de que o Mogwai não é somente uma banda. É o nome que se dá a um infinito mundo de possibilidades sonoras. Um combo sensorial que somente icebergs ignorarão.

Do etéreo à erupção, sempre. Que assim seja!

Set List: “Crossing The Road Material”, “I’m Jim Morrison, I’m Dead”, “Party In The Dark”, “Cody”, “2 Rights Make 1 Wrong”, “Coolverine”, “Rano Pano”, “Friend Of The Night”, “Don’t Believe The Fife”, “Auto Rock”, “Remurdered”, “Old Poisons”. Bis: “Every Country’s Sun” e “Mogwai Fear Satan”.