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Nasce Uma Estrela

Nova versão de clássico hollywoodiano traz megalomania, boa atuação de Lady Gaga e ego inflado de Bradley Cooper

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Texto por Abonico R. Smith

Foto: Warner/Divulgação

Esta já é quarta vez que se leva a mesma história às telas: uma espécie de cinderela da fama, moça zé-ninguém conhece astro do entretenimento, ambos se apaixonam, ele dá um empurrão significativo para a carreira dela começar, a carreira dela deslancha enquanto a dele afunda por excessos constantes e vícios que prejudicam a sua saúde. Já foi assim nos anos 1930, 1950 (com Judy Garland), e 1970 (com Barbra Streissand). Agora chega aos cinemas com a mesma estrutura, mas de forma mexida e remexida quanto a seus personagens. E com Lady Gaga fazendo o papel principal.

Na atual versão Nasce Uma Estrela (A Star Is Born, EUA, 2018 – Warner), ela é Ally, descoberta por um dos mais renomados cantores e compositores da atualidade enquanto faz a Edith Piaf em um pequeno bar gay da California. Ele vai parar lá acidentalmente. Depois de comandar um grandioso show no festival de Coachella com a sua  banda, pede para seu motorista particular parar em frente a uma biboca porque a garrafa da bebida que trazia dentro do carro já foi devidamente secada no caminho de volta. O resto é romance que comove e encanta Hollywood por quase um século. Com direito muito flerte entre o casal seguido da alternância de momentos de alegria, romance, festa, drama e apreensão. Com cenas filmas em estúdios de gravaçãoo, grandes festivais anglo-americanos (além do início, em Coachella, quem é do meio da música pop também identifica Austin City Limits e Glastonbury em cenas rápidas)

A versão com Gaga guarda muitas semelhanças com o longa anterior, com Stressiand como a protagonista. A principal delas é a de que parceiro é um grande ídolo pop, que flutua entre os mares da country musice da chamada AOR (“adult-oriented”), uma espécie de música pop para adultos, com refrãos chiclete e letra para fazer despertar, em soluços, lágrimas copiosas e faniquitos intermináveis, o fã emo que existe dentro de um que já passou e muito da adolescência. No filme de Barbra quem faz par com ela é um conhecido cantor do mesmo ramo, Kris Kristofferson, que de vez em quando fazia uns trabalhos como ator. Aqui é justamente o inverso: quem interpreta Jackson é um ator, Bradley Cooper que mostra se sair bem ao cantar e tocar instrumentos como guitarra, violão e piano em diversos momentos.

Só que aí entre das questões cruciais do filme. Cooper não é somente o ator principal do filme. Ele assina também o roteiro e a direção, sua primeira incursão na função. É aqui que a porca torce o rabo. Porque quase sempre Jack é mostrado de forma tão ou mais importante que Ally na construção da história. Tudo se passa pelo ponto de vista dele, tanto que várias vezes a câmera passeia pelo meio da ação como se o espectador estivesse observando o que ele observaria – mesmo quando o personagem aparece na cena. Kristofferson não tem tanta relevância assim no drama da namorada no outro filme, Aqui, sim. Jackson é, por vezes, até mais relevante que ela, tanto o fim de sua história particular ganha contornos ainda mais dramáticos. Nota-se que Cooper construiu a trama para equilibrar os papeis e, assim, quem sabe, abocanhar um pouco de prêmios e indicações no final desta temporada.

De Gaga, então, nem é necessário falar o quanto de sua ambição ao encarar este filme. Depois de ganhar o Globo de Ouro como atriz de série, ela escancara uma enorme porta no cinema. Assim como sua mestra e predecessora Madonna, revela que a dramaturgia está no seu sangue muito mais do que os papeis que representa em palcos, clipes e entrevistas que dá como popstarda música. É tão boa atriz quanto cantora, revela sua polivalência. E tem o trunfo de mostrar-se de cara limpa, sem roupas estrambólicas, sem makesexagerados, aproximando bastante da Stefani Germanotta que existe por trás da alcunha que a tornou mundialmente famosa há exatamente uma década. É Ally que é a Stefani e a Stefani que é Ally. Confere mais verossimilhança e credibilidade à personagem. Ponto positivo para a cantora.

O grande problema desta obra, no entanto, não se refere nem a Gaga nem a Cooper. Ele aparece logo de cara, antes de mesmo da primeira imagem da história. É a coprodução assinada pela Live Nation, gigantesca empresa do entretenimento, dona dos principais festivais de música pop da atualidade, nome ativo por trás de turnês mundiais, discos e carreira de muito peixe grande do meio, Madonna e Gaga incluídas. Aí se entende a grandiloquência de algumas cenas. Não somente vários grandes eventos musicais ao ar livre são recriados, inclusive para alguns números musicais de longa duração, como ainda há uma sequência inteira feita para simular a entrega de um prêmio Grammy. É um longo exercício (mas longo mesmo, com 136 minutos) de apologia ao poder da megalomania na indústria da música.

Não basta ter fama: aqui o negócio precisa ter escalas monumentais. É aqui que este Nasce Uma Estrela escorrega feio. Poderia ser um grande filme em menores proporções, inclusive na duração. Todavia, retrata bem os tempos atuais, onde mandam o ego das pessoas e o poder global das corporações.

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