Kenneth Branagh amplifica a experiência da sua infância abalada por violentos conflitos étnico-religiosos frente à política do Reino Unido

Texto por Leonardo Andreiko
Foto: Universal Pictures/Divulgação
É impossível não contextualizar os filmes lançados agora no Brasil com sua posição na corrida pelo Oscar. Para isso, costuma-se utilizar as outras premiações e festivais como termômetro, sendo que o evento de Toronto volta e meia parece a melhor fonte para as previsões. O que nos leva a seu último ganhador, Belfast (Reino Unido, 2021 – Universal Pictures).
O filme dirigido e escrito por Kenneth Branagh é mais um daqueles, tal como Roma (do mexicano Alfonso Cuarón), que amplifica a experiência de seu autor na infância e busca recontextualizá-la em seu tempo e potência. Aqui, somos levados à capital da Irlanda do Norte em escalas de cinza. A fotografia em preto e branco nos introduz à sociabilidade de uma rua de Belfast em que irrompe um violento conflito e, a partir daí, uma barricada do governo.
O ano é 1969, perto do estopim dos conflitos étnico-religiosos que configuraram um clima de violência brutal entre católicos e protestantes pela posição norte-irlandesa em relação ao Reino Unido. O saqueamento e a depredação de casas católicas por um grupo extremista protestante abrem o filme com a pretensão de dizer: essa é a Belfast em que se vivia. Isso faz parte do filme.
E, de fato, faz. Mas menos do que parece pelo início do longa. Se estamos vendo tudo pelos olhos de Buddy (Jude Hill), uma criança de menos de 10 anos confusa com as diferenças religiosas e o clima de tensão, tudo isso logo toma o segundo plano. Branagh parece mais interessado em sua relação na escola ou com os avós (Ciarán Hinds e Judi Dench). No entanto, não é deliberada a decisão de jogar essa tensão para baixo dos panos.
Há três subtramas, cada uma com sua própria importância na trama geral, que tratam diretamente do conflito que se dá para além do que Buddy percebe. Percebe-se a clara tentativa de estabelecer a sombra dos conflitos e tensões sobre a leve e desinteressada dinâmica infantil do garoto e suas preocupações. O erro soa mais como defeito de execução do que de planejamento, visto que esta seria uma abordagem eficiente e cheia de impacto.
Belfast não parece necessariamente mal pensado, mas mal executado. São muitas as decisões conflituosas de montagem que parecem empacar o filme ao escancarar a tentativa de manipular as emoções da audiência. Se a frase “faça parecer que você escreveu assim de propósito”, da personagem de Bill Murray em A Crônica Francesa (Wes Anderson, 2021) pode ser entendida como um incentivo ao estilo, vemos aqui sua culminação na estilização que não se dá completa na narrativa ou no âmbito visual, menos ainda na totalidade discursiva do longa-metragem.
Branagh parece querer muito, mas pouco consegue cumprir. O resultado se torna um filme morno, que não esquenta nem na rememoração afetiva e desenvolvimento de personagens, nem na crua trama política. Justamente por sua incapacidade de estabelecer relações concretas em ambos os lados que parece atirar, me parece que Belfast vem muito forte para a estatueta de Melhor Filme, que mais premia o “filme menos polêmico”, aquele capaz de ficar no limiar do meia-boca.