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Pacto Brutal

Documentário em cinco episódios relembra o assassinato da atriz Daniella Perez, que chocou e parou todo o país em dezembro de 1992

Texto por Tais Zago

Foto: HBO Max/Divulgação 

Brasil, 1992. Um ano turbulento, marcado pelos caras pintadas nas ruas pedindo o impeachment de Collor de Mello, que por fim acabaria renunciando ao cargo de presidente. O pagode e o axé viviam seus anos de ouro com hits,como “Cheia de Manias” do grupo Raça Negra ou “O Canto da Cidade” de Daniela Mercury. Mas nem a cruzada de pernas de Sharon Stone em Instinto Selvagem ou a separação do príncipe Charles e da princesa Diana mobilizou tanto os jornais e os tabloides brasileiros quanto o cruel assassinato da jovem atriz Daniella Perez pelo ator Guilherme de Pádua.

O documentário Pacto Brutal (Brasil, 2022 – HBO Max), com direção de Tatiana Issa e Guto Barra, que também escreveu o roteiro, consiste em cinco episódios que mostram com detalhes, algumas vezes mórbidos, os acontecimentos, as descobertas e o julgamento do assassinato de Daniella por Guilherme e sua esposa Paula Thomaz. O crime que impactou o país no início dos anos 1990 pela natureza da sua crueldade e premeditação gerou as mais mirabolantes teorias que vão do ciúme ao satanismo. A produção foi lançada no último dia 21 de julho, na plataforma de streaming HBO Max com os dois primeiros episódios – os outros três vêm de forma semanal.

Daniella desfrutava de uma vida de sonhos. Tinha 22 anos e era uma moça linda e talentosa. Era também a filha mais velha da escritora Gloria Perez, na época já nacionalmente famosa por suas telenovelas na Globo. Daniella também vivia um ótimo momento profissional: estava em plena ascendência como atriz e dançarina – sua personagem Yasmin, na novela De Corpo e Alma, escrita pela mãe Gloria, catapultou-a rapidamente à posição de queridinha da nação. A cereja do bolo ficava por conta de seu casamento com o também jovem ator Raul Gazolla. Um relacionamento feliz, onde o casal fundia o amor pela arte com o amor que nutriam um pelo outro. O ano de 1992 parecia perfeito para a família Perez. Pelo menos até o fatídico dia 28 de dezembro, quando encontraram o corpo sem vida de Daniella em um matagal, vítima de tesouradas. (Nota do Editor: aliás, a mesma manhã em que Collor escolheu para renunciar à presidência, o que não teve muita atenção dada pela imprensa.)

A liberdade da plataforma HBO permitiu que as testemunhas falassem sem hesitar e sem papas na língua, o que fez com que os sentimentos dos entrevistados fluíssem de forma bastante intensa e natural. E todas essas experiências ainda estão presentes, mesmo passados 30 anos da morte de Daniella e após a liberdade de Pádua e Thomaz – presos apenas, respectivamente, por sete e seis dos dezoito anos da pena a que foram condenados, “cumprindo” o resto em forma de liberdade condicional e em regime semiaberto. As imagens são fortes, a edição é dura. A música, pontuada por um funesto cello desde a abertura, sublinha o clima de tristeza e desespero. O roteiro segue o padrão do estilo true crime, que se popularizou bastante nos últimos anos em todo o mundo. Primeiro recebemos as manchetes sobre o crime. Depois vem uma recaptura da vida familiar da vítima e do momento social do Brasil em 1992, seguindo-se o crime, as teorias de conspiração sobre os motivos, os passos da investigação, o profiling dos assassinos e o julgamento. 

De novidade, aqui temos uma pegada bastante atual ao apontar como na época a tendência natural era culpabilizar a vítima mulher, a misoginia latente e o machismo que permeavam todas as camadas sociais brasileiras, indo do mais simples cidadão aos policiais que investigavam o caso e a mídia. Foi especulada uma ligação amorosa entre Daniella e Guilherme, um suposto caso em que Gazolla seria o marido traído e o crime teria cunho “passional” – o que hoje, aos poucos, deixa de ser atenuante para casos de violência. Com muita luta dos movimentos femininos, claramente, alguma coisa já mudou na nossa percepção de feminicídio e violência contra a mulher desde então. E apesar desse sentimento vir acompanhado de um certo alívio, também nos aponta o caminho que ainda precisa ser trilhado até a verdadeira igualdade entre os gêneros.

Pacto Brutal é uma mistura bem esquisita de sentimentos: nostalgia, tristeza, reflexão e, por que não, esperança, sobre o que já passou e o que ainda está por vir para nós mulheres dentro do patriarcado brasileiro. Reflexões assim ainda são muito necessárias. Daniella virou símbolo, seu alcance midiático provocou discussões. Hoje, ao relembrarmos o crime, será quase impossível resistir ao repúdio sobre o desfecho de uma investigação policial desastrada e por vezes ineficiente e uma punição branda para os algozes que hoje reconstruíram suas vidas. Pádua, acredito que para surpresa de poucos, hoje é pastor e tem 34 mil seguidores em rede social. Thomaz é advogada, casou-se de novo, mudou o sobrenome e teve filhos. Porém, em janeiro deste ano, não se livraram de ter que pagar uma indenização no valor de quase meio milhão de reais a Gloria Perez. Vale lembrar que em 1992 não tínhamos redes sociais: toda a informação chegava até nós em forma de jornais, revistas, programas de rádio e os poucos canais da TV aberta. Hoje já não é mais tão fácil para as pessoas se esconderem dos seus erros passados, pois a internet tem memória de elefante. Assim como a cultura do cancelamento, certamente, também irá reivindicar uma pena moral para os assassinos de Daniella. E este documentário, sem sombra de dúvida, vai ser um forte agente da remexida no baú desse crime atroz.

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