Contos de suspense e terror teenager na Califórnia dos anos 1990 chegam à Netflix com carga dramática e esmero estético para fisgar os adultos

Texto por Taís Zago
Foto: Netflix/Divulgação
Os dez episódios da primeira temporada de The Midnight Club (EUA, 2022 – Netflix) são baseados nos contos de suspense e terror adolescente do autor Christopher Pike e em seu livro homônimo publicado em 1994. O showrunner e produtor Mike Flanagan, conhecido por sucessos netflixianos como The Haunting of Hill House (2018), The Haunting of Bly Manor (2020) e Midnight Mass (2021), mergulhou fundo no universo de Pike para, agora, presentear-nos com uma pequena surpresa neste halloween. Aliás, Christopher também participa como produtor executivo
Na Califórnia dos anos 1990 a jovem Ilonka (Iman Benson) acaba de fazer 18 anos. Seu “presente de aniversário” foi uma diagnose de câncer terminal de tireoide. Com isso, a moça ambiciosa vê todos seus sonhos de um futuro brilhante se desmancharem em frente a seus olhos. A única questão para ela se torna o tempo que ainda terá para viver. Sem perder completamente a fé na remissão da doença, ela descobre em pesquisas online (naquela internet discada pré-Wikipedia) a enigmática clínica para jovens com doenças terminais de Brightcliffe e acaba optando por uma internação ao invés de passar seus últimos meses em casa com seu tutor/pai adotivo.
Ilonka não conheceu seus pais biológicos e passou a vida sob a guarda do Estado. Novamente ela precisa se adaptar a uma rotina nova, e, pelo menos dessa vez, não vai estar sozinha. Junto a ela, compartilhando a mesma diagnose funesta, estão outros sete jovens: Kevin (Igby Rigney), Anya (Ruth Codd), Sandra (Annarah Cymone), Spencer (Chris Sumpter), Cheri (Adia), Natsuki (Aya Furukawa) e Amesh (Sauriyan Sapkota). Fora esses pacientes, os únicos a habitarem as dependências do casarão de Brightcliffe são o enfermeiro Mark (Zach Gilford, um veterano das produções de Flanagan) e a Dra. Stanton (interpretada por Heather Langekamp que muitos conhecem como a jovem sobrevivente no clássico A Hora do Pesadelo, de 1984)
Como forma de suportar os tratamentos paliativos e os dias longos e arrastados na residência afastada, os jovens “enganam” a morte ao se encontraram todos os dias à meia-noite para beber e compartilhar histórias de terror e suspense semificcionais que eles mesmos criaram. Assim surgiu o Midnight Club, cuja tradição remete aos antigos moradores de Brightcliffe no qual cada encontro é iniciado com um brinde àqueles que ‘já se foram, aos que agora estão, e aos virão’, sublinhando de maneira bittersweet a efemeridade da estadia dos pacientes na clínica.
Mike Flanagan é um especialista na arte de combinar terror com drama de uma forma que oscilamos entre jump scares e lágrimas de comoção. Uma mistura extremamente potente que não deixa ninguém insensível aos acontecimentos narrados. Somos sugados para dentro da história, sentimos medo, tristeza, empatia e ficamos forçados a refletir sobre a condição humana e a fragilidade de nossos corpos em contraste à força de nossos desejos. E essa mistura de sentimentos, quando ainda na adolescência, adquire dimensões dramáticas ainda maiores. Flanagan não nos poupa em nenhum momento. Destrói nossas esperanças para logo após acender uma pequena luzinha no escuro, em forma de um vagalume.
O esmero estético não é pouco. Os cuidados com a ambientação, com locações e figurinos nos transportam parta a metade dos anos 1990. Pensamos em Blair Witch Project, em seitas macabras, rituais proibidos, amores juvenis. O teenage angst encontra o verdadeiro angst. Aquele medo adulto da morte que, geralmente, esperamos sentir apenas nos últimos anos de uma vida bem vivida e rica em experiências. A garotada do Midnight Club não tem tempo a perder – querem amar, querem curtir, querem sentir. Em suas próprias palavras: “o que poderia ser mais assustador do que uma sentença de morte? Isso nós já temos”, afirmam. E isso abre uma infinidade de possibilidades criativas em um mundo de histórias onde a imaginação e a realidade se misturam. Onde o medo não é mais empecilho para quase nada. Principalmente quando se trata de resolver conflitos interpessoais e expor a verdade.
Mike Flanagan e a produtora Leah Fong formam uma dupla forjada num inferno pessoal que encontra em todos nós pelo menos um eco. A colaboração dos dois contribuiu (e muito!) para elevar a qualidade do gênero nas produções da Netflix que, muitas vezes, se parecem com mais com programas modelados para canais abertos, superficiais e sem restrições etárias visando alcançar o maior público possível. Então, The Midnight Club toca fundo. Apesar de ter a mira nos jovens, a série em nada se parece com produções típicas do gênero e é um prato cheio para adultos. Pelo menos para aqueles que ainda nutrem uma nostalgia por filmes do John Hughes ou pelo terror psicológico acima do mero gore. Também é um prato cheio para os saudosistas quarentões que, como eu, viajam no tempo ao escutar L7, Cypress Hill, Stereo MCs ou Blind Melon na trilha sonora.