A vida suburbana de um professor universitário, sua família nada convencional e o medo da morte nos anos 1980

Texto por Leonardo Andreiko
Foito: Netflix/Divulgação
Muito presente no cenário do cinema americano das últimas duas décadas, o diretor Noah Baumbach construiu sua carreira dedicando-se ao olhar cotidiano, à bagunça das interações contemporâneas e todo o emaranhado psicológico-social que acompanha a condição da vida na contemporaneidade. Com atenção especial aos artistas em conflitos para além da arte – como em Os Meyerowitz: Família Não Se Escolhe (2017), Enquanto Somos Jovens (2014) e História de um Casamento (2019) –, tem uma trajetória de colaborações com nomes como Wes Anderson, Adam Driver e, principalmente, a esposa Greta Gerwig, que é atriz e também diretora.
Após a aclamação de História de um Casamento nos circuitos comercial e de festivais, Baumbach arrisca uma mudança de rumos: ainda de mãos dadas com Gerwig e Adam Driver, volta-se para a adaptação de um romance de Don DeLillo sobre o professor universitário Jack (Driver), sua esposa Babette (Gerwig) e o medo da morte escrito nos anos 1980. Neste filme, o casal tem quatro filhos, cada um com sua exacerbada personalidade, e Jack é um notório hitlerólogo, um dos mais proeminentes estudiosos do líder nazista na América do Norte.
Estruturado em três partes, Ruído Branco (White Noise, EUA/Reino Unido, 2022 – Netflix) toma para si a estrutura episódica de sua contraparte literária. Se em “Waves & Radiation” nossa atenção é voltada para a vida suburbana dessa família e os entraves institucionais da faculdade em que Jack trabalha, “The Airborne Toxic Event” nos leva à alegoria anunciada da gestão de grandes eventos de risco à vida, figurada no vazamento de um gás tóxico sucedido pela desinformação, a confusão e ineficiência estatais e, no fim, o caos generalizado que parece ilustrar o conflito de intenções de todo o longa-metragem. Depois, “Dylarama” conclui a obra com a culminação de temas trabalhados nas duas partes anteriores: a saber, um mistério farmacológico e o conflito moral do “matar ou morrer”. Melhor dizendo, do “matar e morrer”.
Ainda que signatário dessa estrutura tripartite, que permite Baumbach a empregar diferentes tons para cada seção e operá-las como contos distintos, o fio da meada do mistério de Babette, que apresenta falta de memória e outros comportamentos estranhos em virtude do misterioso comprimido Dylar, confunde a estrutura narrativa do longa (afinal, esta é uma história ou são três?) e torna empacadas as diferentes idas e vindas sem rumo aparente.
Não é, contudo, isento das características que compõem o estilo de Baumbach, boas ou más. Seu comentário sobre a vida acadêmica, repleta de picuinhas e insignificâncias, ecoa aquelas muitas tiradas sarcásticas com a classe artística, que dão à sua obra, ao mesmo tempo, uma dimensão ácida e outra enfadonha, em que a pretensão das personagens se volta sobre o próprio filme. A caracterização ingênua e colorida que dá a seus personagens e locações desenvolve um oitentismo suburbano que é, assim como nas parcerias de Baumbach e Wes Anderson, levemente onírico e de um surrealismo contido na aparência de normalidade.
Está nessa dimensão da obra, inserida principalmente na primeira parte do filme, a camada mais divertida de Ruído Branco. Em uma hilária cena em que, tecendo comparações entre Hitler e Elvis Presley, Jack e seu colega Murray (Don Cheadle) estrelam um dramático bate-e-volta a fim de transferir a influência do protagonista para o recém-chegado professor, a espetacularização da tragédia se soma à presença constante do banal nas interações universitárias para formar um retrato preciso, ainda que superficial, da especialização acadêmica.
Mas a faca é de dois gumes. A mesma superficialidade que colore a obra com seus tons pasteis ilustra a má gestão de um discurso, no fim, tão banal quanto aquele que busca espezinhar. E talvez por não se levar a sério, Ruído Branco não nos impele a sentir as sérias consequências presentes em seu arco narrativo. Se o medo da morte está presente ao longo de todo o filme, seja por contradição ou na camada do “claramente implícito”, esse temor se faz ausente nas seções em que a vida suburbana é substituída pelas estruturas do cinema de ação.
Embora murche em algumas de suas intenções e brilhe mais onde Noah Baumbach já está muito bem acostumado a trabalhar, Ruído Branco é uma interessante experiência, ainda que inconstante. Uma visão otimista de sua forma confusa pode ser a seguinte: mesmo que esse não seja um de seus melhores filmes, é animador ver o diretor aspirar frentes distintas em seu cinema e, principalmente, receber a devida liberdade orçamentária para isso.