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O Rei do Show

Hugh Jackman se transforma no criador do conceito do circo moderno em musical que fica longe de pegar fogo

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Texto por Abonico R. Smith

Foto: Fox/Divulgação

Se o circo foi excelência no sinônimo de entretenimento popular durante quase todo o Século 20, isto se deve ao misto de teimosia e perseverança do norte-americano Phineas Taylor Barnum. De origem pobre e apaixonado pela garota Charity, filha do patrão de seu pai e com quem viria a se casar antes mesmo de completar cinte anos de idade, Barnum insistiu no seu sonho de provocar sorrisos de felicidade, espanto e admiração no rosto de grandes plateias, mesmo que por um efêmero período de tempo. Primeiro tentou a sorte com um museu de cera. Depois conheceu os primeiros passos da fama gerenciando um show que apresentava esquetes artísticos protagonizados por seres com as maiores bizarrices humanas já vistas. Na sequência, somou a este fio condutor números musicais, a presença de animais selvagens treinados e domesticados e mais um público grandioso disposto em semicírculo em um amplo espaço coberto por uma lona. Isso tudo, vale a pena ser ressaltado, ainda em meados dos anos 1800. E mais: atravessando crises financeiras provocadas por falências, incêndios criminosos, acusações de fraudes e ainda uma forte campanha pública contra sua iniciativa de “exposição pública” de anões, gêmeos siameses, obesos mórbidos, mulheres barbadas, fortes homens tatuados e todo gênero de outsider humano daquela época em virtude de questões físicas – que, por sua vez, passaram a formar uma grande família e começavam a se ver representados com justiça e dignidade perante uma sociedade com alto teor discriminatório

Lógico que a história de vida de PT Barnum cai como uma luva para a realização de uma obra cinematográfica que se baseie nela. É nisto que se ancora O Rei do Show (The Greatest Showman, EUA/Austrália, 2017 – Fox), estreia de peso nos cinemas brasileiros nesta última semana do ano. Protagonizado por dois atores versáteis e respeitados pela crítica – Hugh Jackman e Michelle Williams – e marcando a estreia em longas do australiano Michael Gracey, mais conhecido por trabalhos publicitários e com efeitos visuais, o filme é uma visão bastante romanceada da trajetória inicial deste polêmico entrepeneur. Vai de sua luta para provar ao então futuro sogro seu amor por Charity, passa pelos árduos primeiros anos de vida a dois e quase sem um tostão no bolso, enfrenta as chuvas e trovoadas ocorridas durante a formação de seu show de horrores e vai até a consolidação do conceito de circo que o mundo passou a conhecer durante boa parte do século passado.

Até aí, mesmo suavizando os tons biográficos deste misto de herói, vilão e anti-herói, a produção poderia ir bem. O figurino de época é apuradíssimo, além como a cenografia e a fotografia também são caprichadas. O problema está justamente… no fato do filme ser um musical. Não que as canções sejam ruins – aliás, “From Now On” gruda na cabeça e a balada “This Is Me”, cantada na história pela mulher-barbada (interpretada por Keala Settle, vinda do circuito de musicais da Broadway), está entre as possíveis indicadas ao Oscar em sua categoria. Não que Michelle Williams e Hugh Jackman não saibam cantar – aliás, a única indicação dada pela Academia ao australiano foi justamente como ator de outro musical, Os Miseráveis. Não que coadjuvantes de luxo como Rebecca Ferguson, Zac Efron e Zendaya (os dois últimos crias da Disney e ela responsável por dispensar o uso de dublês em suas cenas de trapézio) também não estejam eficientes. Só que o problema é justamente o de ser um filme musical. De uma hora para a outra os atores para suas falas e performances de cena… para continuar tudo com voz empostada, passos coreografados, mais o uso de palavras desenhadas em linhas melódicas sobre acordes harmônicos. Sem falar que os arranjos são repletos de grooves com timbres instrumentais pasteurizados e ritmos temporalmente bem distantes da época de Barnum. Ok, pode até se apelar para a eterna desculpa de “licença poética” mas o fato é que definitivamente a escolha pelo formato “não ornou”. Não convenceu. Não só não faz a produção decolar como ainda coloca um elemento desnecessário à narrativa – é justamente nos trechos sem as canções que O Rei do Show se revela melhor.

Na história contada nas telas, o sonho construído por Barnum desaparece em questão de instantes, com cinzas e escombros restando após o incêndio. Só que, para o espectador, o circo está longe de pegar fogo. O Rei do Show, ao contrário do que teima em afirmar o título do filme (especialmente no seu original em inglês), é um espetáculo bem morninho.

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Corpo e Alma

Longa húngaro com imagens fortes e protagonistas transtornados deve ser visto por quem acha que cinema é para provocar e mexer com o espectador

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Texto por Abonico R. Smith

Foto: Imovision/Divulgação

Impactante. Desconcertante. Tenso. Neurótico. Brutal. Estes são apenas cinco dos adjetivos que cabem na descrição do primeiro filme assinado pela diretora e roteirista magiar Ildikó Enyedi em dezoito anos. Corpo e Alma (Teströl És Lélekröl, Hungria, 2017 – Imovision) chega aos cinemas brasileiros para colocar o espectador em xeque. Mais ou mais tarde (dependendo do grau de aceitação a algumas cenas bastante fortes) ele acaba saindo do cinema balançado. Certamente não será mais a mesma pessoa de antes de sentar na poltrona.

A premissa da história contada por Enyedi no longa é até bastante simples. Aos poucos, dois desconhecidos transtornados por graves problemas, tanto físicos quanto psicológicos, acaba se aproximando devido ao dia a dia corporativo nos escritórios, bancos de cantina e câmaras hipercongelas de uma empresa frigorífica. Pouco a pouco eles superam as adversidades pessoais que o impedem de viverem em sociedade como pessoas normais. Contudo, na dimensão paralela do mundo dos sonhos, o diretor financeiro Endre (Géza Morcsányi) e a inspetora de qualidade Mária (Alexandra Borbély) não só já se conhecem de modo muito mais íntimo como também vivem a se encontrar toda noite no meio ambiente. Só que não são humanos: ambos tomam a forma de cervos solitários em uma paradisíaca floresta tomada pela neve.

É justamente neste propósito de traçar paralelos entre os extremos de ambos que percorre Enyedi. Para tanto, ela não hesita em ampliar as características da psique de seus protagonistas ao modo de contar a relação entre eles. As imagens, quase sempre rodadas em ambientes distantes de qualquer sinal de aconchego são proposital e eternamente apasteladas para que se destoe o vermelho do sangue que, de vez em quando, teima em escorrer aos borbotões. Instintos e atitudes de homens e animais são constantemente comparados, como se a diferença da racionalidade fosse um mero e insignificante detalhe.

Outro grande trunfo do filme é a magnífica atuação de Alexandra Borbély como a literalmente insensível Mária. A atriz de cabelos loiros quase alvos e pele tipo um ganha intensidade como a jovem que consegue enxergar dois milímetros a mais de gordura na carne que será posta à venda mas foge de manter qualquer contato físico, visual ou afetivo com outros seres humanos. Outro reforço do elenco é Réka Tenki. Justapondo sensualidade e alívio cômico, amos elementos em falta na empresa onde trabalham Endre e Mária, a atriz interpreta a psicóloga contratada para desvendar o mistério de um insuposto roubo, que norteia a subtrama e ainda ajuda a compor o perfil psicológico de alguns funcionários coadjuvantes tão interessantes quanto o “casal”.

Corpo e Alma começou o ano provocando um grande terremoto no Festival de Berlim, quando estreou no encerramento do evento e ainda acabou levando o Urso de Ouro de melhor filme. A obra de Ildikó também terminou 2017 entre os nove finalistas para concorrer ao Oscar de produção em língua não-inglesa e é um dos nomes quase certos entre os títulos que se tornarão os cinco que concorrerão ao prêmio máximo do mercado norte-americano. Prêmios e indicações à parte também é uma obra primordial para ser apreciada por quem acha que fazer cinema é provocar, questionar e ir muito além do mero entretenimento.

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Star Wars: Os Últimos Jedi

Recheado de humor e autorreferências, novo longa da saga responde a muitas perguntas abertas no episódio anterior e ainda traz algumas surpresas para os fãs

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Texto por Carlos Eduardo Lima

Foto: Disney/Buena Vista/Divulgação

Este ano completamos o 40º aniversário do primeiro longa da série Star Wars, o episódio IV, que hoje leva o subtítulo de Uma Nova Esperança. Ninguém poderia imaginar que os personagens deste primeiro filme se transformariam em ícones da cultura pop e que sobreviveriam tanto tempo. Não só sobreviveram como tornaram-se mais emblemáticos à medida que o tempo foi passando. Muito tempo e muito dinheiro depois, estamos no oitavo – descontando o mediano spin-off Rogue One, de 2016, e o obscuro Caravana da Coragem, de 1987 – que fazem menção ao universo criado por George Lucas e recentemente amplificado e turbinado pela Disney. Sendo assim, com a responsa de levar a saga adiante e reinventá-la para as plateias de 2017, temos o Episódio VIII agora nos cinemas, Star Wars: Os Últimos Jedi (Star Wars: The Last Jedi, EUA, 2017 – Disney/Buena Vista).

Como estou supondo que você, leitor, está aqui porque já tem familiaridade mínima com personagens e história, não me deterei em explicar nada que já não seja do conhecimento de todos. Este novo longa parte em busca de respostas para as perguntas deixadas no capítulo anterior: Quem é Rey? Luke vai treiná-la nas artes da Força? A Resistência vai, bem, resistir? E Kylo Ren? Tem algo de bom ainda em seu âmago? E os personagens apresentados recentemente (Finn, Poe e cia) como estão? E o tal Supremo Líder Snoke? A boa notícia é que a maioria esmagadora delas é respondida e a trama é colocada numa esteira de atualização/inovação que dá, de fato, cara nova a velhos mitos. Mesmo assim, não há como negar a presença de algo que já habitava o episódio anterior: a autorreferência. Parece que estes novos capítulos da saga foram concebidos tendo os filmes clássicos como parâmetro. Sendo assim, cabe a Os Últimos Jedi repetir e revisitar passagens de O Império Contra-Ataca e é exatamente o que acontece.

Está tudo aqui: a tentação pelo lado negro da Força, as reviravoltas, referências explícitas a combates do passado, como o combate entre os andadores da Primeira Ordem e os veículos da Resistência ou as batalhas espaciais entre cruzadores e destroyers, além, claro, das escaramuças entre Tie Fighters e X-Wings. Mesmo em meio a tanta autorreferência, há espaço para novidades. Tem mais humor neste longa, de um jeito como nunca se viu na saga. Também tem muitos bichinhos adoráveis, talvez até em excesso, que fornecem, junto com os robôs, o alívio cômico necessário e já esperado. Tem a presença de Carrie Fisher, vivendo sua imortal Princesa Leia, com a autoridade máxima dentro deste universo. Tem Mark Hamill, oferecendo um Luke envelhecido e desiludido com seu destino materializado. E tem as ótimas atuações de Daisy Ridley e, especialmente, de Adam Driver, que faz seu Kylo Ren evoluir do estado “emo” do filme anterior para um moleque maligno sem escrúpulos ou qualquer sombra de caráter – ainda que permaneça algo muito misterioso sobre sua verdadeira natureza, que, certamente ficará para o próximo filme.

A trama tem alguns arcos desnecessários, como o que introduz o hacker DJ (Benício Del Toro), algo que poderia ser evitado. Tem a chegada de uma nova e adorável personagem, Rose (Kelly Marie Tran), que tem fôlego suficiente para tornar-se integrante do primeiro time. E tem a volta de gente querida dos filmes clássicos, que aparecem mais ou menos tempo na telona, provocando reações do publico. O roteiro apresenta alguns problemas, especialmente no meio do filme, quando perde o fôlego, mas o recupera bravamente no terço final, chegando a promover algumas cenas que arrancaram aplausos no cinema. Há ainda surpresas genuínas e um final pra lá de coerente, que fez este velho fã ficar arrepiado nas bochechas e na nuca.

Os Últimos Jedi é bom divertimento, bem dirigido e roteirizado por Rian Johnson. É um filme bom, digno de levar o selo Star Wars. Ainda que, repito, a autorreferência ao passado seja excessiva em alguns momentos, a recomendação é a de vê-lo mais de uma vez na telona.

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Assim é a Vida

Dupla responsável pelo sucesso francês Os Intocáveis volta às telas desnudando os confusos bastidores de uma luxuosa festa de casamento

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Texto por Abonico R. Smith

Foto: Paris Filmes/Divulgação

Os diretores e roteiristas Eric Toledano e Olivier Nakache se transformaram em uma dupla imbatível no cinema gaulês desta década. Em 2011, souberam rimar qualidade com popularidade em Os Intocáveis e chegaram a provocar burburinho no mercado norte-americano e ter o filme transformado em peça no Brasil e em remake na Argentina. Três anos depois, Samba não repetiu o mesmo furor mas foi o suficiente para manter o nome da dupla em evidência. Agora, os parceiros apresentam seu mais novo rebento, Assim é a Vida (Le Sens de la Fête, França/Canadá/Bélgica, 2017 – Paris Filmes), seguindo na mesma linha da tragicomédia armada em cima de situações mais do que banais do cotidiano e personagens extraídos do arquétipo da sociedade francesa contemporânea mas com atitudes e filosofias de vida que acabam encontrando eco na universalidade.

Desta vez sem contar com a atuação de Omar Sy, Toledano e Nakache acertam em cheio ao apostar na força do conjunto. Apesar da história inteira girar em torno de um protagonista – o veterano cerimonialista Max Angély (Jean-Pierre Bacri) – a força de todo o elenco chama para si a responsabilidade, dando a diversos coadjuvantes a oportunidade de brilhar em momentos especiais da história que passa toda “em tempo real”, no decorrer de quase 24 horas.

Naquele fim de semana Max responde pela organização de uma festa de casamento em um castelo do século XVII. Ele possui uma pequena empresa que contrata legalmente a maioria de seus funcionários mas que, por causa de questões da economia e da burocracia do país (lógico que não poderiam faltar pinceladas de pequenas críticas sociopolíticas em se tratado de um filme francês), muitas vezes precisa apelar para a improvisação e chamar de última hora de pessoas não registradas e, consequentemente, sem muita habilidade ou conhecimento de suas funções. O que seus leais subordinados não sabem, porém, é o patrão já está bem cansado de tudo isso e esta talvez seja uma de suas últimas empreitadas no ramo.

Só que todo este desgaste físico, emocional e profissional do protagonista é deixado em segundo plano no roteiro escrito a quatro mãos pelos diretores. O que interessa aqui – e por isso o título original (a frase, no original, significa “O sentido da festa”) faz muito mais sentido do que o nome decidido para o lançamento no Brasil, que, por sua vez, é a tradução literal da expressão francofônica C’Est La Vie!, que batiza o filme nos mercados espanhol, britânico, sueco, israelense e norte-americano. O que importa aqui é mostrar todas as dificuldades encontradas para se orquestrar uma equipe para estar afiada e fazer com que tudo aconteça da forma planejada quando a festa tiver início de fato e possa estar preparada para o que pode vir a dar errado.

Garçons, integrantes da cozinha, recepcionista, animador musical, fotógrafo e, claro, mais o chefe de todos eles passam toda a primeira hora, preliminar à festa, mostrado ao espectador suas diferenças entre si, personalidades obtusas e peculiaridades que levam à deliciosa metade final, quando a sempre poderosa Lei de Murphy – aquela que diz que tudo o que pode dar errado dará – entra em cena para afastar todo o planejamento prévio de Max para um casal de noivos que também não são lá muito afeitos a normalidades. Enquanto isso, uma trilha sonora de primeira corre solta, conseguindo até mesmo encaixar a bossa nova brasileira e a música indiana na mesma festança em que são ouvidos clássicos das pistas de dança do áureo período entre 1976 e 1982, como o funk do Earth, Wind & Fire (“In The Stone”) a disco de Candi Staton (“Young Hearts Run Free”) e a hi-NRG do Boys Town Gang (a sempre deliciosa cover de “Can’t Take My Eyes Off Of You”.

E por mais que o objetivo principal de Toledano e Nakache seja o do entretenimento, eles ainda são capazes de estender o requinte dos ouvidos aos olhos do espectador, com figurinos e cinematografia de primeira – vale a pena ressaltar, aliás, que muitas das cenas foram rodadas na área externa do histórico e suntuoso castelo medieval Fontainebleau, que serviu de moradia para diversos monarcas franceses, entre eles Luis XIV, Maria Antonieta e Napoleão. E o elenco, se não tem Omar Sy,ainda é recheado de atores em momentis inspiradíssimos, como Gilles Lelouche (na pele do impagável e canastríssimo cantor/entertainer James) Eye Haïdara (a gerente de operações Adèle, capaz de quase chegar às vias de fato com seu “antagonista” James), Kevin Azaïs (Patrice, o garçom recrutado de última hora e sem qualquer experiência o ramo, que na verdade está fazendo um bico fora do quartel onde trabalha como miltar), Jean-Paul Rouve (o fotógrafo Guy, que acabou sendo ultrapassado pelo tempo) e Suzanne Clément (Josiane, a namorada “secreta” de Max, que cuida da recepção aos convidados mas acaba se divertindo tanto quanto eles naquela noite).

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Extraordinário

Diretor do cultuado As Vantagens de Ser Invisível retoma o universo da adolescência em outro ótimo longa-metragem

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Texto por Abonico R. Smith

Foto: Paris Filmes/Divulgação

Cinco anos atrás, Stephen Chbosky adaptou para o cinema, com um certo burburinho, seu próprio best-seller As Vantagens de Ser Invisível. Agora ele retoma a carreira por trás das câmeras assinando mais uma dobradinha de roteiro e direção baseada em outra boa obra literária que gira sobre o período da adolescência com todos os seus problemas e percalços possíveis. De novo, acerta a mão.

Extraordinário (Wonder, EUA/Hong Kong, 2017 – Paris Filmes) é centrado no último ano letivo da ensino fundamental de August Pullman, um garoto que, apesar da pouca idade, já passou por 27 cirurgias plásticas porque nasceu com uma deformação facial. Prestes a entrar na adolescência, ele enfrenta suas dificuldades com muita naturalidade – e bastante humor, nunca perdendo a chance de fazer comentários irônicos sobre as coisas ao redor. Entretanto, quando anda na rua com os pais, usa um estiloso capacete de astronauta para que não haja mais estranhamento das pessoas (e consequentes atos de bullying) em virtude de seu rosto.

O que tinha tudo para ser tornar um melodrama lacrimonoso e repleto de piedade e compadecimento por Auggie se transforma radicalmente no roteiro encabeçado por Chbosky. Desta maneira, o foco recai para outros problemas mais universais da adolescência. E mais: apesar de ter um protagonista, a história é contada sob o ponto de vista não apenas dele, mas também dos principais personagens que gravitam ao seu redor: o melhor amigo da escola, sua irmã um pouco mais velha, a melhor amiga dela e “que é quase como uma outra irmã”, a mãe que largou todos os sonhos pessoais e profissionais para dedicar-se exclusivamente à família.

Assim como fizera de maneira brilhante no longa anterior, Chbosky também vai dando sutis pinceladas em problemas universais da adolescência e o fato inevitável de todo mundo crescer um dia. São as descobertas, as alegrias, os relacionamentos de amor e amizade, a vida em família, as expectativas, os esforços, as frustações, as mágoas, as decepções. Tudo sem nunca perder a linha que liga o humor refinado sobre as coisas do cotidiano com o ótimo gosto musical, que fornece uma sensível trilha incidental (assinada pelo brasileiro Marcelo Zarvos) ligada a canções do universo indie como a sempre fofa “We’re Going Be Friend” (em duas versões, na original com o White Stripes e em um cover não menos fofo feito por Caroline Pennell, ex-concorrente do The Voice norte-americano) e “Reach For The Sun” (hit maior do coro neopsicodélico Polyphonic Spree que neste longa é cantado por um pequeno coral formado por crianças do colégio onde o menino estuda).

Encabeçando o elenco, Jacob Tremblay (revelado em O Quarto de Jack) prova, de novo, ser um pequeno grande monstro na atuação, dando um ar tão delicado quanto seguro de si a seu August. A escalação feminina também se destaca durante o filme. A mãe Isabel (Julia Roberts) ilumina a tela com sua dedicação sempre sorridente, embora tenha aberto mão de muita coisa para si sempre de maneira consciente. Ja a avó (Sonia Braga) aproveita seus poucos minutos de participação na tela para consolar a primogênita Via (Izabela Vidovic, em primeira boa oportunidade nos cinemas), que apesar da pouca idade também serve de segunda mãe para o pequeno Pullman dando-lhe todo o afeto, amor e orientações de que ele precisa. Já Owen Wilson, como o pai boa-praça e amigão, não compromete com possíveis exageros.

A lamentar somente a escolha inadequada do título em português (em inglês, a palavra “wonder”, quer dizer “maravilha”, “espanto”, “admiração”, “surpresa”). Estas quatro escolhas cairiam melhor sobre todo o universo de dores e amores abordado por Chbosky. A opção feita para lançar a obra no Brasil parece ter sido direcionada para chamar a atenção para algo que justamente não está no filme: a vitimização de Auggie Pullman.