Oito motivos para não perder o show da banda animada de maior sucesso do mundo em sua volta ao Brasil

Texto por Abonico Smith
Fotos: Divulgação
Tudo começou como um despretensioso projeto paralelo para se divertir e desopilar das obrigações à frente do Blur e da posição de porta-estandarte do britpop. Afinal, criar uma banda virtual não demandaria assumir a frente de um palco ou colocar a cara em fotos, entrevistas e videoclipes. Franca ingenuidade. O Gorillaz não só não demorou para tornar-se a primeira e mais importante ocupação de Damon Albarn como também já contabiliza uma discografia com onze títulos (entre trabalhos de carreira mais compilações com remixes, raridades e singles) lançados em 21 anos. E um Grammy, entre várias indicações para esta e outras premiações importantes da indústria fonográfica mundial. Mais seis turnês.
A mais recente, batizada Song Machine Tour e iniciada no ano passado, começou de forma virtual, sendo transmitida em três oportunidades para diferentes continentes em cada uma delas. Agora, depois de dois anos sem grandes show sinternacionais por conta da pandemia da covid-19, é a chance de ver tudo ao vivo e in loco aqui no Brasil. Albarn, suas criaturas animadas e seus asseclas instrumentistas (sim, há todo um aparato de superbanda montado para tocar e cantar ao vivo, enquanto as personagens aparecem em um telão), passarão novamente pelo Brasil, onde já estiveram para fazer um show em 2018. O mês será maio, com três datas marcadas. O grupo britânico será um dos headliners do festival MITA (acrônimo para a expressão Music Is The Answer), que será realizado nos dias 14 e 15 em São Paulo e 21 e 22 no Rio de Janeiro (o Gorillaz encerra a programação em 15 e 21 – clique aqui para saber sobre local, ingressos, atrações e demais informações). No meio disso, o combo, agora como figura solitária da programação paralela chamada MITA Day, passará por Curitiba, na Pedreira Paulo Leminski, no dia 18 (clique aqui para as demais informações sobre este concerto; os ingressos também podem ser comprados pessoalmente na Bilheteria 1 do estádio Couto Pereira, de terça a sábado exceto em dias de jogos de futebol, das 10h à 17h).
Para celebrar o retorno do Gorillaz a terras brasileiras, o Mondo Bacana enumera oito motivos para você nem pensar em perder qualquer um destes três concertos – sem contar o fato de que o show na capital paranaense serve de encomenda para quem não tem mais paciência nem físico para aguentar um dia inteiro de pé durante um festival com um monte de atração se apresentando antes.
Banda de cartoon
OK, vamos descontar os chipmunks de Alvin e os Esquilos, criados em 1958 para a literatura infantil e transformados em desenho animado televisivo para as crianças em 1961. Os bichinhos cantavam num agudo infernal, produzido pela rotação aceleradíssima da gravação dos vocalistas originais recrutados para o projeto. Não havia banda, porém. Nenhum instrumento: apenas cantores. Então tudo começou mesmo lá no finalzinho dos anos 1960, quando o mainstream já começou a assimilar os elementos musicais da contracultura e levou as bandas de rock para dentro dos roteiros de desenhos animados para as crianças. Então, na manhã de sábado, começaram a desfilar vários grupos formados por jovens que, com suas guitarras, contrabaixos e baterias (às vezes, uns teclados e pandeiros também) adicionavam melodias grudentas e letras doces às narrativas de suas histórias. O exemplo de maior sucesso nas paradas foi a canção “Sugar, Sugar”, feita para a animação Archies (1968). Os estúdios Hanna-Barbera exploraram essa fórmula à exaustão em Banana Splits (1968), Gatolândia (1969), Josie e as Gatinhas (1970, 1972), Bambam e Pedrita (1971), As Aventuras de Charlie Chan (1972), Butch Cassidy and The Sundance Kids (1974) e Tutubarão (1976). Até artistas de carne e osso foram transformados em cartoon, como os irmãos Jackson 5 (1971) e os atores/personagens da sitcom Família Dó-Ré-Mi (1974). Em 1985, a Hasbro, empresa de brinquedos concorrente da Mattel (que fazia bastante sucesso com as animações de He-Man e She-Ra para vender produtos dos personagens para as crianças), produziu por três temporadas a série Jem e as Hologramas, que serviu mesmo para vender bonecos às meninas na pré-adolescência. Só que aí veio a última década do século 20 e a televisão deixou de ser a mídia preferida de crianças e teenagers…

Dupla dinâmica
… Até vir o Gorillaz, quarteto que começou a ser criado em 1998 pelo músico Damon Albarn e o ilustrador Jamie Hewlett, que, desde o ano anterior, passaram a dividir um apartamento em Londres. Eles já se conheciam desde 1990, quando, ainda antes de lançar seu primeiro álbum, o Blur foi entrevistado por Hewlett para o fanzine Deadline. O encontro entre os dois foi proporcionado pelo guitarrista Graham Coxon, um grande fã de quadrinhos e admirador do trabalho que Jamie fazia na série de HQ Tank Girl, que vinha como um dos grandes atrativos da publicação, editada pelo cartunista. Inicialmente um não ia lá muito com a cara do outro, sobretudo porque a disputa entre eles envolvia a mesma garota. Quando apararam as arestas, chegaram à conclusão de que a melhor maneira de se acertarem definitivamente seria somar o que ambos sabiam fazer de melhor e fazer com que as duas mídias se comunicassem e se complementassem. Claro que o fato de se tratar do mundo da animação permitiu fazer com que a criatividade de ambos voasse longe e não tivesse limites.
Vida louca vida
Que bandas de rock sempre apresentaram as mais loucas histórias nas biografias de seus integrantes isso não é novidade. Só que Hewlett e Albarn capricharam na diversidade que forma o segredo do sucesso do Gorillaz. O fundador e líder do quarteto é o baixista Murdoc Niccals, satanista de carteirinha (atente para a data de seu nascimento: 6.6.66), que fez um contrato com o demo para conseguir fama por meio da música, tendo sido obrigado a colocar Faust como seu nome do meio e ganho um contrabaixo de presente batizado como El Diablo. Fora dos palcos e estúdios, só se mete em confusão com drogas, prisões, acidentes e incidentes provocados por ele mesmo, chegando até a curtir um período de afastamento da banda, sendo temporariamente substituído por Ace, personagem do desenho animado das Meninas Superpoderosas. Foi Murdoc, inclusive, o responsável pelo acidente de carro que colocou o vocalista Stuart 2-D Pot em coma, fazendo-o perder seu olho esquerdo. Logo depois, o mesmo Murdoc fez um cavalo-de-pau de 360 graus que fez o passageiro 2-D enfiar a cabeça no vidro frontal e perder a visão direita. O garoto, por sua vez, era acostumado a bater a cabeça desde criança. Seu cabelo azul é resultado disso, uma queda de uma árvore durante a infância (?!?!). Já o visual do rapaz, inspirado meio que no próprio Albarn, meio que em dois amigos em comum dos criadores (um deles, o vocalista do Menswear, outro grupo de destaque durante o levante britpop em meados dos anos 1990), reproduz aquele estereótipo do “vocalista bonitinho e aparentemente não muito inteligente de uma banda popular de rock”. A guitarrista Noodle não veio sob encomenda mas chegou literalmente pelo correio. Com onze anos de idade no início da banda, ela foi despachada pelo serviço secreto japonês como forma de se livrar de uma experiência mal sucedida com crianças criadas para dominar igualmente armas, idiomas e instrumentos. No caso de Noodle (o apelido veio da única palavra em inglês que ela soube dizer à banda ao sair da caixa), as tentativas não deram muito certo, a não ser pela guitarra. Completa a formação o baterista Russell Hobbs, bolado para ser uma representação da faceta hip hop do Gorillaz, uma simbologia da parte rítmica casada à poesia. Criado no Brooklyn e mandado a Londres pelos pais para não se meter mais em encrenca pelas ruas de Nova York, o jovem incorpora o espírito de um grande amigo de adolescência, também rapper, morto a tiros. O melhor desta diversidade toda é que os personagens vão tendo suas narrativas e histórias desenvolvidas a cada álbum, tendo como suporte as faixas e os videoclipes. Portanto, ao contrário de todas as bandas de cartoon antecessoras, o tempo passa para os integrantes do Gorillaz e eles vão sendo transformados aos poucos.
Filme na Netflix
O que nos leva àquele que talvez seja, há anos, o mais aguardado produto com a marca Gorillaz: um longa-metragem. Sabe-se que o projeto está em desenvolvimento e que o filme será lançado diretamente por streaming, via Netflix. Entretanto, apenas este detalhe foi confirmado pela dupla criadora da banda. Nada mais foi dito ainda a respeito da história, como ela será e quem mais estará envolvido no projeto.
Braços dados com o hip hop
Uma das propostas de Damon Albarn ao montar o projeto paralelo foi se aproximar de suas paixões na adolescência (como o Clash ou as bandas two-tone, por exemplo) distanciar o máximo possível da sonoridade traçada pelo Blur naquele auge da banda nos meados dos anos 1990. Faz sentido, afinal, nos anos anteriores ele foi catapultado ao estrelato como um dos cânones do britpop, que resgatou a sonoridade clássica sixtie do rock britânico e a levou de volta às paradas mundiais. Portanto, sobrou para o Gorillaz um terreno fértil apontando para outros caminhos da música pop. Mais groove. Menos destaque para guitarras e violões. Mais diálogo com outros gêneros, como a world music e o hip hop. Aliás, a fusão com o hip hop foi o principal acerto da nova sonoridade. Era um começo de anos 2000 e o rock ainda flertava timidamente com programações eletrônicas, sintetizadores e sobretudo o canto falado e ritmado criado pelos pretos nova-iorquinos. Então, mesmo enfrentando uma forte concorrência com o potente novo rock retrô e regressivo daquele início de década (Strokes, White Stripes, Franz Ferdinand, Killers, Libertines, Interpol, Yeah Yeah Yeahs), foi justamente a adição do rap como um forte elemento que fez o Gorillaz apontar para o futuro e dialogar com uma geração mais nova de fãs por todo esse tempo. Não só isso: provou que o rock poderia abraçar o hip hop justamente quando o gênero passou a ter extrema importância mercadológica, vendendo cada vez mais milhões e milhões no novo século, chegando a encabeçar escalações diárias dos mais tradicionais festivais de rock e música pop.
Clint Eastwood
Já em seu álbum de estreia, epônimo, de 2001, o maior cartão de visitas do projeto era um casamento perfeito com o hip hop. No som e no discurso. “Clint Eastwood” não foi o primeiro single do disco, mas foi aquela faixa responsável pelo breakthrough da banda nas rádios e programações da MTV ao redor do mundo. Em cima de uma harmonia por demais simplória, Albarn e o rapper norte-americano Del The Funky Homosapien (e primo de Ice Cube, também ator e ex-NWA), comanda a história do finado amigo de Russell cujo espírito volta à terra para se apossar do corpo do baterista e promover uma grande ode ao mundo dos mortos-vivos. Aliás, a temática zumbi sempre foi uma das grandes paixões da dupla criadora. E é justamente ela que domina a história do videoclipe, que já começa com uma citação do filme Despertar dos Mortos, um dos vários clássicos assinados pelo cultuado diretor George Romero. Na trama, um monte de gorila desperta das catacumbas para perseguir os vivos, sobretudo Murdoc, 2-D e Noodle (já que Russell dá início ao levante protagonizando a atividade paranormal). Duas décadas depois, a faixa ainda é poderosa demais para não deixar ninguém parado, sem dançar, nem calado, sem cantarolar ao menos o refrão. E o que o famoso ator e diretor hollywoodiano – mais ligado a produções de dramas e faroestes – tem a ver com a história para dar título à música? Com a história nada. Entretanto, no início do arranjo, um fraseado instrumental criado inadvertidamente por Damon no estúdio durante os rascunhos para a canção lembra vagamente o principal tema musical do western spaghetti O Bom, O Mau e O Feio (1966), dirigido pelo italiano Sergio Leone e com Eastwod como um dos protagonistas.
Feel Good Inc.
Grande destaque do segundo álbum, Demon Days (2005), tendo inclusive recebido um Grammy (melhor colaboração pop com vocais) e outras duas indicações (gravação do ano, melhor videoclipe) ao prêmio máximo do mercado fonográfico mundial. Aqui, Albarn se junta ao trio de rap De La Soul para detonar uma grande dinamite sonora capaz de explodir qualquer pista de dança ou multidões em gigantes arenas. A letra, a começar pelo nome jocoso e sarcástico, faz uma critica severa à obrigação de demonstrar bem-estar e felicidade extremada (sobretudo nas redes sociais) que tem tomado de assalto a população mundial desde a internet virou vício diário. O clipe, com fortemente inspirado pelo trabalho do japonês Hayao Miyazaki e seu estúdio Ghibli, trata da imbecilização promovida pela cultura de massa e questiona a falta de liberdade intelectual vinda a partir dela. Aliás, a risada malévola do DJ Maseo arrepia a cada audição – ainda mais quando o De La Soul é convocado por Albarn para participar ao vivo da música, em turnês e apresentações especiais.
Um milhão de amigos
Desde o início a proposta do Gorillaz foi ter um monte de convidados especiais em suas faixas. A cada disco, na ficha técnica, fazendo participações ou assinando remixes, desfila um panteão de grandes representantes da música em todas as vertentes. Olha a lista de “alguns” destes nomes: Dan The Automator, Kid Coala, Miho Hatori (Cibo Matto), Del The Funky Homosapien, Ibrahim Ferrer (Buena Vista Social Club), Dave Rowntree e Graham Coxon (Blur), Tina Weymouth e Chris Frantz (Talking Heads e Tom Tom Club), Soulchild, Phi Life Cypher, Danger Mouse, Simon Tong (Verve), Demon Strings, Neneh Cherry, De La Soul, U Brown, Ike Turner, MF Doom, Roots Manuva, Martina Topley-Bird (Tricky), Shaun Ryder (Happy Mondays e Black Grape), Dennis Hopper (ator e diretor de Easy Rider – Sem Destino), Spacemonkeyz, Snoop Dogg, Mos Def, Bobby Womack, Gruff Rhys (Super Furry Animals), Little Dragon, Mark E. Smith (Fall), Lou Reed (Velvet Underground), Paul Simonon (Clash), Mick Jones (Clash, Big Audio Dynamite), Jean-Michel Jarre, Grace Jones, Pauline Black (Selecter), Terry Hall (Specials), Bees, Einar Orn (Sugarcubes), Hot Chip, Metronomy, Soulwax, Danny Brown, Mavis Staples (Staples Singers), Pusha T, Little Simz, Kali Uchis, Benjamin Clementine, Jehnny Beth (Savages), Noel Gallagher (Oasis), Rag’n’Bone Man, Kilo Kish, Carly Simon, George Benson, James Ford (Simian Mobile Disco, Last Shadow Puppets), Beck, Robert Smith (Cure), Schoolboy Q, Prince Paul, St Vincent, Peter Hook (New Order, Joy Division), Slowthai, Slaves, Unknwon Mortal Orchestra, Joan As Police Woman, Tony Allen (Fela Kuti), Leee John, Earl Sixteen, Skepta, Stuart Zender e Simon Katz (Jamiroquai) e Elton John. É pouco?