Music

Depeche Mode – ao vivo (parte 2)

Apagão faz a banda transformar o caos em luz e promover uma comunhão quase religiosa com os fãs na Argentina

depeche2018argentina

Texto por Fábio Soares

Foto: LMNéuquen/Reprodução

Chegar ao Estádio Único de La Plata traz duas certezas: demorou muito para a Argentina seguir uma tendência mundial e finalmente ter sua arena multiuso e, de agora por diante, dificilmente grandes nomes internacionais farão shows em Buenos Aires por uma questão de economia. O único local na capital portenha a abrigar concertos com 50 mil espectadores é o Monumental de Nunez, casa do River Plate que, por sua vez, cobra um aluguel altíssimo por sua utilização. O U2 já se apresentou na arena de La Plata em outubro do ano passado e, no último sábado, foi a vez do Depeche Mode.

Coberto em quase toda a sua extensão, o Estádio Único deu uma expectativa de melhor acústica para o show, comparando-se com o de Santiago, um local aberto. Tinha tudo para ser uma grande noite. Os argentinos prepararam-se como nunca para este 24 de março de 2018. Há um ano já era grande a ansiedade nas páginas portenhas dedicadas à banda. O publico, que aos poucos lotava a arena, era quase uniforme: faixa etária entre 35 e 45 anos, sendo que muitos levaram seus filhos pequenos ao show. Indícios de uma noite perfeita que viria.

Às 19h15, Juliana Molina – artista local escalada para a abertura – pisou no palco. Sua influência é escancarada demais: Cocteau Twins do início de carreira, com experimentações eletrônicas a dar com o pau e uma batida marcial de bateria. Mistura que me agradou mas que teve recepção fria por parte dos fãs depecheiros. Ela deixou o palco cinquenta minutos depois, aumentando ainda mais a expectativa pelo grande nome da noite. A atmosfera de ansiedade no ar estava a mil. Nove anos de espera próximos do fim. Um sonho para os portenhos.

Assim como em Santiago, a introdução de “Revolution”, dos Beatles, começou a ser executada pontualmente às 21h, seguida dos primeiros acordes de “Going Backwards”. Quando a figura de Dave Gahan surgiu no palco, o êxtase foi total. Voz poderosa, expressão corporal idem e evidenciada ainda mais no início de “It’s No Good”, segunda canção do imutável set list que a banda oferece à América Latina. Dave Gahan, a cada ano que passa, reafirma sua posição como um dos maiores frontmen da história: preparo físico invejável, gestual longo e elegante, vocal visceral e marcante. Com a plateia em êxtase, tudo caminhava para mais uma apresentação coesa e sólida do Depeche Mode. Entretanto, foi aí que tudo começou a desandar.

No início de “Barrel Of A Gun”, terceira canção da noite, uma pane generalizada fez com que os três telões do palco (dois laterais e o maior, localizado no centro) se apagassem completamente. Situação semelhante em “A Pain That I’m Used To” e “Useless”. O que parecia ser apenas passageiro tornou-se permanente. O desconforto foi geral. A banda, porém, continuou com a apresentação e o que se viu dali por diante foi algo raro: o estádio todo às escuras, excetuando-se a escassa iluminação de palco. Dave continuava com sua performance acrobática, dando tudo de si. Martin Gore, por sua vez, destilava toda sua genialidade a cada canção que se seguia. Diante do apagão, o público (sobretudo nas arquibancadas) viu-se obrigado a se adaptar. O show deixava de ser visual para tornar-se puramente auditivo.

Somente em “Home” (oito canções após o apagão) o telão central foi restabelecido causando comoção no estádio. Comoção esta que foi ampliada pela sempre emocionada interpretação de Martin Gore à uma de suas mais brilhantes composições. Em “Where’s The Revolution” (décima segunda canção de um set list de vinte) os dois telões laterais foram restabelecidos embora o central tivesse sido desligado. Tudo estava longe do ideal mas, àquela altura do campeonato, qualquer imagem transmitida aos fãs – sobretudo os que se encontravam na pista comum – era válida.

Mas… santa ilusão temporária, Batman! Dois minutos depois, os telões voltaram a se apagar para nunca mais voltarem. O que se viu dali por diante foi algo comovente. Percebendo que a vaca já havia ido de vez para o brejo, a banda concentrou-se em dar ao público presente no estádio o melhor show possível apesar das precárias condições. O refrão de “Everything Counts”, cantado a capella pela plateia completamente às escuras, foi algo que não sairá de minha memória tão cedo. Em “Never Let Me Down Again”, o “mar de braços” tomou diferentes contornos no completo breu instalado.

Como num teatro grego, o Depeche Mode usou a melhor e mais potente arma que possuía para combater o caos: seu próprio repertório. Um mundo de possibilidades sonoras capaz de hipnotizar qualquer platéia. Uma dominação sensorial que durou até o fim da primeira parte e que se estendeu pelo bis, com Martin Gore mais uma vez emocionando a audiência em sua interpretação de “Strangelove” somente com voz e piano. Na penúltima canção, “A Question Of Time”, a platéia pulou como nunca desde os primeiros acordes. Já a derradeira, “Personal Jesus”, trouxe o que todos já esperavam: um final apoteótico para uma noite desastrosa em que toda a experiência de uma banda com 37 anos de estrada fez toda a diferença.

Sabotado, caótico e dramático, como todo tango argentino deve ser. Querendo ou não, o concerto do Depeche Mode em La Plata já marcará a história da banda como um dos maiores, em se tratando de carga emocional. Já marcou a minha também. Demorarei ainda muito tempo para definir o que vi em La Plata neste 24 de Março. Uma das bandas de minha vida em uma comunhão quase que religiosa com seu público. Uma troca sensorial emocionante que somente a arte pode oferecer.

Set List: “Going Backwards”, “It’s No Good”, “Barrel Of A Gun”, “A Pain That I’m Used To”, “Useless”, “Precious”, “World In My Eyes”, “Cover Me”, “Insight”, “Home”, “In Your Room”, “Where’s The Revolution”, “Everything Counts”, “Stripped”, “Enjoy The Silence”, “Never Let Me Down Again”. Bis: “Strangelove”, “Walking In My Shoes”, “A Question Of Time” e “Personal Jesus”.

5 comentários em “Depeche Mode – ao vivo (parte 2)”

  1. Depeche Mode…ah David Grahan… incrível como uma voz permeia nossa mente por décadas e você sabe que nunca mais alguém vai cantar como ele…

    Não consigo nunca deixar de sempre visualizar a pretensiosa capa de “Music for the Masses” e dar um sorriso acanhado lembrando o quanto as bandas da década de 80 reivindicavam a novo descoberta da música para elas…

    Sorrio novamente lembrando da delicadeza sutil da capa de “Violator”… mas la dentro não temos delicadeza alguma… temos é música boa… por mais que o tipo de som deles bata de frente com toda a nossa essência roqueira punkeira metaleira…

    Essa elegância pungente sempre me atraiu no Depeche… sei lá… até hoje acho elegantérrimo o som desses caras…

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