Série provoca riso e choro com protagonistas conflituosos que só pensam em um dar ao outro um “troco” cada vez mais mirabolante
Texto por Tais Zago
Foto: Netflix/Divulgação
Até onde um pequeno desentendimento no trânsito pode chegar quando as duas pessoas envolvidas estão profundamente infelizes e insatisfeitas? Essa é a questão central de Treta (Beef, EUA – Netflix). Não, apesar do nome original, a série – iniciada agora em 2023 – não tem nada a ver com culinária ou alguma paixão carnívora. Nos Estados Unidos, a palavra para a carne bovina também serve como gíria para um desentendimento, um ressentimento ou, mais precisamente, uma “treta” entre pessoas. E esse “bife”, aqui, não é para amadores.
Lee Sung Jin é o criador e o roteirista dessa tragicomédia entre dois personagens completamente diferentes. Amy (Ali Wong) é uma bem sucedida empreendedora. Ela tem dinheiro, um marido considerado “perfeito”, uma filha e todo o luxo californiano na classe artística aos seus pés. Já Danny (Steven Yeun) é um empreiteiro endividado e fracassado, lutando para sobreviver e sustentar o irmão mais novo, enquanto sonha em comprar uma casa para seus pais. Em um cenário comum, os dois nunca coexistiriam. Apesar de ambos terem origem asiática, nada mais parece conectá-los. Até que um desentendimento no estacionamento de um shopping center – Amy buzina incessantemente enquanto Danny se recusa a sair da vaga – culmina em uma absurda perseguição pelas ruas de Los Angeles, quando ambos infringem diversas leis de trânsito e colocam pessoas em risco. Logo o acontecido cai nas redes sociais e assim se inicia uma procura dos dois por “investigadores amadores” de bairro da localidade de Calabasas.
A comediante e stand up Ali Wong nos entrega uma Amy profundamente frustrada e em conflito com suas verdadeiras vontades e a realidade da vida que ela construiu para si mesma. Se tudo é tão perfeito, por que ela ainda se sente infeliz? Esta é a questão que já nos acompanha a partir do primeiro episódio e continua até o último. Já Steven Yeun, mais conhecido do grande público por sua atuação como o Glenn de The Walking Dead, interpreta um Danny repleto de medos e insatisfações, apesar da sempre aparente autoconfiança, ele é castigado pelos seus sentimentos de fracasso e uma depressão que esconde de todos. Em cima da base criada pelos dois, cada episódio se torna uma montanha-russa de paybacks, onde cada decepção diária dos personagens consigo mesmos os leva a montar planos cada vez mais maquiavélicos e mirabolantes um contra o outro. Na vida de Amy e Danny, o foco principal se torna o beef, a treta, a qual nenhum deles parece realmente querer resolver ou perdoar.
Apesar da sinopse nos levar a crer que Treta seria mais uma comédia de slapsticks e vinganças malsucedidas, Lee Sung Jin consegue incluir uma miríade de conflitos internos, traumas e experiências que enriquecem seus personagens de tal forma, que, lá pelo meio, já conseguimos nos compadecer com a imagem horrível, mas real e crua, que Amy e Danny tem deles mesmos. É a queda da máscara construída com muito esforço. Os sonhos despedaçados deixando apenas o desespero e o ódio como substitutos da tristeza. A série possui diálogos e situações hilárias, daquelas de rirmos até chorar. Mas também nos arrasta a um abismo onde choramos sem rir. O toque reflexivo chega até a nos lembrar um pouco as divagações filosóficas do vitorioso do último Oscar, Tudo Em Todo Lugar Ao Mesmo Tempo. Uma tendência que parece permear muitas das obras da produtora indie A24, assim como uma forte queda para representações de um psicodelismo surrealista.
Será que não existe um pouquinho de Danny e Amy dentro de todos nós? Eu acho que sim. Ao menos quando invariavelmente descontamos nossas frustrações em discussões acaloradas, porém absurdas e sem utilidade prática, em redes sociais ou em situações mundanas do dia a dia. Nesse quesito, Treta vai além das telas e nos traz questionamentos válidos que podem nos conduzir a uma jornada de autoconhecimento.
Live action de clássica animação da Disney traz 52 minutos adicionais, novas canções e Halle Bailey impressionando como Ariel
Texto por Carolina Genez
Foto: Disney/Divulgação
Ariel é a filha caçula do Rei Tritão, governante dos sete mares. Por ser a mais nova, a pequena sereia vive sob regras extremamente restritas que em principal a proíbem de ir até a superfície e interagir com os humanos. Curiosa, magoada pelo pai e determinada a conhecer o mundo acima da água, ela é seduzida pelas promessas da bruxa Úrsula, que oferece pernas em troca da voz da garota.
A primeira adaptação do conto de Hans Christian Andersen produzida pela Disney em 1989 teve um grande peso dentro da empresa, sendo responsável por salvar o departamento de animações do Mickey Mouse, que estava passando por um período difícil depois de fracassos comerciais entre os anos 1970 e 1980. Com uma princesa muito carismática e músicas animadas, o longa abriu portas para outras produções como A Bela e a Fera e O Rei Leão e chegou inclusive a ser indicado a três estatuetas do Oscar, levando duas para casa. Por causa da relevância e da qualidade do seu antecessor, as expectativas em cima do live action anunciado para chegar aos cinemas em 2023 estavam altas.
Eis que estreia nesta semana a nova versão de A Pequena Sereia (EUA, 2023 – Disney), agora com atores. O roteiro de ambos os filmes são bem similares, contando inclusive com alguns mesmos diálogos. Porém, com 52 minutos adicionais, o live action consegue acrescentar momentos e músicas, alem de desenvolver melhor cada um dos personagens de uma maneira que melhora e complementa a história mas ainda mantém a essência que o desenho trouxe para a narrativa. Essas mudanças foram aprovadas não só pelos fãs da animação como também pela atriz Jodi Benson, que deu a voz à princesa Ariel no longa de 1989.
O filme de 2023 abre com uma citação do próprio Hans Christian Andersen (“Uma sereia não tem lágrimas, assim ela sofre muito mais”), que fica com o espectador do começo até o final, principalmente nas cenas mais dramáticas. As novas músicas também se destacam ao longo da história, sendo acrescentadas de maneira orgânica e trazendo muito para dentro da narrativa. A trilha sonora original foi escrita por Alan Menken. Já para o live action, o compositor recebeu a ajuda do talentosíssimo Lin Manuel-Miranda.
Outra das mudanças positivas foi o melhor desenvolvimento da personalidade de Eric. Aquele de 1989, comparado com os príncipes encantados das outras princesas da Disney, tinha bastante personalidade mas não o suficiente para os dias de hoje. Agora Eric não só ganha uma música para chamar de sua, como também somos apresentados aos seus sonhos e vontades, similares às de Ariel (louco para explorar o mundo embora sua mãe queira que ele fique na proteção de seu palácio). Esse acréscimo, apesar de simples, permite com que os espectadores também se conectem com o personagem e faz com que o amor entre os dois personagens seja mágico porém mais natural.
O romance dentro do filme também foi bem desenvolvido com esses minutos adicionais. Na animação isso já fora bem executado – apesar da intensidade de amor à primeira vista, por ter cedido sua voz, Eric não reconhece Ariel e assim acaba se apaixonando “novamente” pela garota de maneira gradual ao longo da história. No live action o foco na relação é grande, com diversas cenas em que os personagens percebem o quanto têm em comum e aproveitam a companhia um do outro – o que torna a narrativa ainda mais envolvente, também pela química dos atores.
Por falar em romance, durante o longa em diversos momentos é colocada de maneira clara a independência de Ariel, algo muito questionado ao longo dos anos. A princesa sempre quis conhecer a superfície e Eric e sua paixão foi apenas mais um motivo a mais. Dentro do filme, além de “Part Of Your World”, que já expressa as vontades da garota, a nova canção “For The First Time” mostra com perfeição a personalidade da sereia curiosa, determinada, querendo conhecer o novo mundo mas ainda assim assustada com as novidades. E tudo isso na voz potente de Halle Bailey.
A atriz e cantora aqui entrega uma performance digna de longos aplausos, encarnando perfeitamente como Ariel e sendo o verdadeiro destaque dentro do filme. Bailey dá vida a uma protagonista muito corajosa e apaixonante, com muito da essência daquela de 1989, mas construindo a personagem à sua maneira. Desta maneira, impressiona e cativa desde o primeiro momento. E a voz potente da atriz engrandece todas as músicas do filme, desde aquelas que canta solo até as que acompanha em segundo plano. Halle também impressiona pela expressão corporal e performance nas cenas em que Ariel fica sem voz.
Assim como no primeiro filme, os coadjuvantes também não ficam para trás. Aqui a temida Úrsula é vivida pela carismática Melissa McCarthy, que traz uma performance exagerada (num bom sentido) e extremamente debochada. Sua atuação bem teatral fica perfeita para a personagem. Já os amigos de Ariel estão muito afiados, apesar de realistas demais. Linguado (Jacob Tremblay) é extremamente fiel a Ariel e traz divertidos momentos principalmente no começo do filme. Já Sebastião (o talentoso Daveed Diggs) é o braço-direito do rei Tritão e ajuda a princesa a sair de sua enrascada trazendo uma maravilhosa performance da música “Under The Sea”. Por fim, a dublagem de Sabichão acaba incomodando um pouco pela voz da atriz Awkwafina ser extremamente reconhecível. Ainda assim, traz engraçados momentos e recebe uma música só sua, “The Scuttlebutt”, com traços reconhecíveis das obras de Lin Manuel-Miranda.
A Pequena Sereia também ganha muito com os avanços tecnológicos e transporta os espectadores para um mundo mágico, tanto embaixo da água quanto na superfície. Sob o mar tudo é muito colorido e quase viciante de se olhar por causa de diversas criaturas e cenários maravilhosos. O CGI e a maneira natural como Ariel se movimenta também impressionam. Já em terra temos a chance de explorar mais do castelo e da cidade de Eric, ambos também recheados de cores e objetos interessantes. Isso faz entender ainda mais a curiosidade de Ariel.
Apaixonante, satisfatório e divertido, o novo filme consegue emplacar como uma das melhores adaptações feitas pela Disney nessa leva de live actions. Prende os espectadores do começo até o fim, melhorando a narrativa de 1989 e apresentando uma ótima performance de Halle Bailey.
Inimaginável dobradinha eletrônica proporcionada pelo C6 Fest entra para a memória dos shows internacionais no Rio de Janeiro
Kraftwerk
Texto e fotos por Fabio Soares
Vez por outra, novos festivais de música vêm à tona no Brasil com diferentes nomenclaturas. Nada, porém, apaga o fato de que poucas majors do entretenimento detém o controle de grandes eventos, monopolizando a contratação de nomes consagrados, elevando seus cachês à enésima potência e dificultando ao máximo a vida de produtores independentes de shows.
Sendo assim, quando o C6 Fest foi anunciado imaginou-se que seria mais um tentáculo de uma grande corporação do entretenimento. Entretanto, a divulgação de que membros de sua curadoria também montaram line-ups dos extintos Free Jazz e Tim Festival trouxe um alento para entusiastas. Com datas praticamente simultâneas entre São Paulo e Rio de Janeiro, foi justamente o 18 de maio da capital fluminense que chamou a atenção.
Juntos, dois mastodontes da música eletrônica tocariam na mesma noite em solo carioca: Kraftwerk e Underworld. Porém, nem o apelo da presença de ambos na mesma noite pareceu balançar os corações do público carioca. Encalharam os ingressos, o que forçou a direção do festival a oferecê-los pela metade do preço.
Mesmo com a promoção, o Vivo Rio (casa de shows localizada no Parque do Flamengo) não lotou. Quinze minutos antes do início da apresentação do Kraftwerk, notáveis eram os “clarões” na plateia. E com apenas cinco minutos de atraso, o fundador e único membro original do grupo de Dūsseldorf, Ralf Hūtter, e seus atuais escudeiros Fritz Hilpert, Henning Schmitz e Falk Grieffenhagen iniciaram a viagem audiovisual que é a marca registrada de toda gig do conglomerado alemão.
O medley de “Numbers” e “Computer World” deu início aos trabalhos e. como já era esperado, as projeções nos três telões (um no palco e dois laterais) deixavam bem claro a intenção do grupo em ressaltar que TUDO começou com eles. Que é deles a transição analógico/digital na música pop. Que partiu deles a ignição do primeiro transistor em um sintetizador.
Em “Spacelab”, um afago na Cidade Maravilhosa: imagens do Google Earth mostravam o Rio de Janeiro a partir do espaço para, a seguir, um disco voador sobrevoar o Pão de Açúcar e literalmente pousar na porta do Vivo Rio.
Historicamente, a iluminação em led nas vestimentas dos “homens-robô” sempre foram uma espécie de elemento vivo das apresentações. Destaque para “The Man Machine”, com uma iluminação vermelha que totalmente preencheu o ambiente.
Em “Autobahn”, a eterna autoestrada germânica convidou o público a uma viagem no tempo. Sozinho nos vocais, Ralf Hūtter (do alto de seus 76 anos de idade) permanecia econômico em sua performance, com gestuais curtos a comandar os quase invisíveis sintetizadores do bólido alemão sonoro, cuja imagem e funcionamento exerce um histórico segredo tal qual a fórmula da Coca-Cola.
Misteriosamente posicionado no meio do set list, o hino mundial “The Model” pôs a casa inteira para dançar. A satisfação no semblante de Hūtter era evidente. Mais de quarenta anos depois, a inconfundível “cama” de teclados ainda faz um estrago dos grandes. Estrago este, aliás, que foi seguido por uma versão de quase dez minutos de “Trans-Europe Express”, a saga ferroviária e sonora que não perde sua beleza mesmo também após quase meio século de seu lançamento.
Na sequência, um verdadeiro PANDEMÔNIO foi instalado no recinto com a execução de “The Robots”. A imagem de “homens-robô” com camisas vermelhas e gravatas negras segue sendo um atemporal ícone pop capaz de ditar moda, ditar ritmo, ditar tudo.
Um grande momento que anestesiou a plateia para o tão esperado epílogo com a dobradinha arrasa-quarteirão “Boing Boom Tschak” e “Musique Non Stop”. Este foi um daqueles momentos inesquecíveis com o grave dos sintetizadores refletindo nas paredes do ambiente e voltando no peito dos presentes com um peso inacreditável. No fim, ver Ralf Hūtter ser ovacionado pela plateia foi o momento mais emocionante da noite, fechando com chave de ouro uma noite de celebração à pedra fundamental da música eletrônica no terreno pop.
Underworld
De forma não surpreendente, muita gente foi embora após o término da apresentação do Kraftwerk, deixando (literalmente) a pista livre para o Underworld. Na estrada há 44 anos, o duo galês já começou a apresentação com a arrasa-quarteirão “Juanita 2022”, lançada no ano homônimo. A iluminação ora etérea ora caótica reforçada por muita fumaça cenográfica deu ao Vivo Rio o tom de balada já esperado. E a dupla Rick Smith/Karl Hyde mostrou um entrosamento digno de amigos do tempo do colégio: o primeiro, envolto a um arsenal tecnológico, poderia muito bem deitar eternamente no berço esplêndido de suas programações prévias mas, ao contrário, acelerou, diminuiu, acelerou e diminuiu novamente o ritmo para a performance arrasadora de Hyde. Aos 66 anos, o frontman dançou e pulou muito. Só faltou plantar bananeira no palco.
O set list? MA-TA-DOR! “Two Months Off”, “Push Upstairs”, “Jumbo”. O Vivo Rio ia à loucura a cada explosão sonora que era acionada pelo DJ do duo. A cada faixa, Hyde dançava em lados distintos do stage, convidando os presentes a fazer o mesmo. Em “King of Snake”, soltou: “estar no Brasil é um sonho e no Rio, ainda mais!”.
O recém-lançado single “And The Colour Red” talvez tenha sido o momento menos incensado de uma apresentação impecável. No fim, o clássico secular “Born Slippy”, imortalizado na primeira versão da película Trainspotting deu números finais a um repertório de uma hora e dez minutos hipnotizantes e imortalizados na memória de quem os viu.
Por fim, o saldo foi inesquecível. Por ser patrocinado por um banco, o C6 Fest pouco se abalará pelo prejuízo causado pelos ingressos encalhados em sua edição carioca. Por outro lado, a ficha só caiu depois: em qual outra cidade do mundo seria possível assistir (na mesma noite) uma apresentação com Kraftwerk e Underworld na sequência? Obrigado, Rio! Nos lembraremos deste 18 de maio por muito tempo.
Set list: “Numbers/Compuetr World”, “Spacelab”, “The Man Machine”, “Autobahn”, “Computer Love”, “The Model”, “Tour de France 1983/Prologue/Tour de France Étape 1/Chronos/Tour de France Étape 2”, “Trans-Europe Express/Metal On Metal/Abzug”, “The Robots”, “Planet Of Visions” e “Boing Boom Tschak/Musique Non Stop”.
Set list Underworld: “Juanita 2022”, “Two Months Off”, “Push Upstairs”, “Jumbo”, “Dark & Long (Dark Train)”, “King Of Snake”, “Rez/Cowgirl”, “And The Colour Red” e “Born Slippy .NUXX”
Encerramento da trilogia do grupo de anti-heróis da Marvel conta a história do carismático guaxinim Rocket Raccoon
Texto por Andrizy Bento
Foto: Marvel/Disney/Divulgação
“Esta história sempre foi sua, você só não sabia disso”. O filme que encerra a trilogia da equipe mais disfuncional do MCU dá protagonismo ao carismático Rocket Raccoon e é um gigante megalômano com qualidades, defeitos e muito coração. Em suma, um filme muito humano.
Mesmo dentre os marvetes, há quem torça o nariz para os longas dos Guardiões da Galáxia. Mas a característica principal que sempre admirei nos filmes do grupo é o quão autossuficientes e independentes eles conseguem seguir do restante dos exemplares do MCU. Diferentemente dos demais, com seu caráter episódico, as obras dos Guardiões caminham mais com as próprias pernas, obviamente fazendo referências a toda estrutura Marvel nos cinemas, com citações e alusões a personagens e eventos ocorridos nos outros filmes da casa. Mas não é tão descaradamente um tie-in como seus pares, concentrando-se em contar uma história com começo, meio e fim, desenvolver seus personagens e trabalhar a dinâmica entre eles. Desse modo, esses longas têm o mérito (e em termos de MCU, é um mérito de fato!) de poderem ser curtidos independentemente de se ter visto as outras produções do estúdio ou não. O maior responsável por isso é o cineasta James Gunn, que assina a trilogia e é, seguramente, um dos poucos diretores autorais a assumir uma empreitada cinematográfica com o selo Marvel.
O desfecho da trilogia, Guardiões da Galáxia Vol. 3 (Guardians Of The Galaxy Vol. 3, EUA/Nova Zelândia/Frnça/Canadá, 2023 – Marvel/Disney) narra a história do misterioso personagem Rocket Raccoon (Bradley Cooper), que sempre carregou consigo uma revolta pela sua condição mas nunca explicitou, de fato, os motivos que o levaram a ser como é. Ele sempre optou por omitir detalhes sobre a origem de sua natureza adulterada, embora deixasse evidente o rancor consequente das modificações genéticas sofridas. Enfim, temos acesso a esse background e nos deparamos com uma história trágica que envolve experimentos científicos cruéis e desumanos com animais e, posteriormente, crianças. O responsável por isso, denominado Alto Evolucionário (Chukwudi Iwuji), intenta criar uma raça superior em um mundo perfeito. Já cegado pela sua obsessão, tomado pela ganância e completamente desprovido de qualquer traço altruísta, ele sequer enxerga as falhas em seu plano que resultaram no fracasso e tende a repetir o mesmo trajeto e conclusão de modo sucessivo. Sem se aprofundar muito nas temáticas mais espinhosas, Guardiões da Galáxia Vol. 3 é uma metáfora das próprias falhas da humanidade e do mau uso da ciência e tecnologia, que ultrapassa os limites éticos e morais, e da utilização de animais como cobaias para experimentos genéticos vis em laboratórios. No entanto, essas discussões se restringem a um plano mais superficial, em ordem de privilegiar a diversão e os efeitos especiais – marca registrada de qualquer filme da Marvel.
O longa abre com a toada melancólica de “Creep”, do Radiohead, em versão acústica, que Raccoon ouve no MP3 player de Peter Quill (Chris Pratt) enquanto este se embriaga pelo sofrimento da ausência de Gamora (Zoë Saldaña). A música, acompanhada pela voz martirizada de Raccoon, reflete sua própria natureza, bem como a cena ilustra a essência dos Guardiões da Galáxia no cinema: emocional e bem-humorado. Até agora, todos os filmes da equipe se comprometeram a arrancar risadas e lágrimas dos espectadores, com igual intensidade. E não é diferente neste terceiro exemplar.
Após o ataque súbito de um inimigo desconhecido – mais tarde identificado como Adam Warlock (Will Poulter) – a Luganenhum (QG, refúgio e cenário habitual das aventuras do grupo), Rocket acaba severamente atingido e, devido a um dispositivo letal presente em sua estrutura, não há meios de socorrê-lo. Na correria para salvar sua vida, os Guardiões devem unir a banda toda novamente, inclusive a Gamora da linha temporal ramificada e alternativa que emergiu em Vingadores: Ultimato – rebelde, impulsiva, egoísta, sem um traço da estoica que fora sacrificada por Thanos em Guerra Infinita e que não apresenta um resquício de sentimento por Peter Quill, rendendo sequências verborrágicas do autodenominado Senhor das Estrelas, que não hesita em expressar toda a sua mágoa e ressentimento. Obviamente, essa Gamora não possui qualquer interesse em salvar o guaxinim. Ela entra nessa para um objetivo específico dos Saqueadores, grupo espacial de criminosos chefiado por Stakar Ogord (Sylvester Stallone), ao qual se uniu após a morte de seu pai, Thanos (Josh Brolin).
Juntos novamente, os Guardiões precisam partir para o perigoso território do “criador” de Rocket e se infiltrarem na Orgocorp, uma empresa intergaláctica de bioengenharia fundada pelo Alto Evolucionário. Enquanto permanece desacordado e com a vida por um fio, toda a trajetória do guaxinim vai passando por sua mente e tomando a tela por meio de flashbacks. Há de se destacar o quão expressivos e tridimensionais são Raccoon e seus amigos do passado, também vítimas de modificações genéticas – mais do que muitos heróis que protagonizam as produções da casa, convém dizer.
Um dos pontos fracos dos filmes da Marvel Studios está em criar sólidos vilões, sempre apresentando nêmesis descartáveis para seus heróis (exceto por Thanos, que foi bem construído). Neste Guardiões não é muito diferente, mas pelo menos a performance do ator garante um inimigo deliciosamente histriônico pelo tempo em que acompanhamos a narrativa. Mais uma vez, uma produção do MCU exagera no CGI e na megalomania (maior e mais intensa a cada novo longa lançado). É realmente tão difícil assim criar uma boa história de super-herói sóbria e sem tantos excessos? Não. O último Batman nos provou isso, mas parece que Kevin Feige e sua turma não estão muito interessados nessa conversa. Outro ponto em que o filme peca é nos excessos musicais, nas tiradas cômicas e nas criaturas estranhas.
A trilha sonora dos longas dos Guardiões continua sendo a melhor da Marvel. Contudo, neste terceiro volume nem sempre as faixas surgem organicamente; ainda que pontuais e correspondentes a cada momento, é muito tempo desperdiçado com música embalando cenas que poderiam durar metade do tempo, enquanto diversos subplots são desfavorecidos. Nem todas as piadinhas funcionam, pois algumas soam por demais forçadas e com timing errado diante da necessidade de colorir o longa de humor. Quanto às criaturinhas que invadem a tela… Bem… A estética de sci-fi B dos anos 1970 e 1980 que os Guardiões da Galáxia evocam é sempre deliciosa de se apreciar e mostra que não há muito compromisso de se levar a sério demais, existindo com o propósito pleno de diversão. Nisso, este filme, bem como os demais, é honesto em suas intenções e carregado de despretensão. Mas o terceiro volume, em particular, exagera na concepção visual. De qualquer forma, tem um fundamento, afinal é de forma a alicerçar toda a estética de espaço exterior já introduzida nos episódios anteriores. E, como dito anteriormente, não é para se levar a sério.
Ainda no que se refere ao visual, a cinematografia por vezes vacila ao não valorizar a batalha das cenas com movimentos muito rápidos de câmera, embora no que concerne aos planos estáticos haja muito primor na composição dos frames, especialmente no que diz respeito ao jogo de luz e sombras (em perfeita alusão aos quadrinhos). Também há falhas visíveis e gritantes na montagem, com cortes muito secos e abruptos, que deixam os espectadores desnorteados em vários momentos. Mas o maior pecado do longa é o fato de transformarem Adam Warlock em um bobalhão… O personagem que, nas HQs, já conseguiu derrotar o poderoso Thanos, dá as caras pela primeira vez no MCU e se converte em uma enorme decepção, surgindo não apenas deslocado na narrativa, como estupidamente infantilizado.
Os méritos, ainda bem, se apresentam em muito maior número: além de focar sua narrativa no cativante Rocket Raccoon, preocupar-se em contar uma história com início, meio e fim, e proporcionar uma excelente, ainda que curta, batalha em plano-sequência (uma das mais divertidas e memoráveis do filme), Gunn se arrisca ao investir em mais violência e cenas de horror que tornam louvável o malabarismo do diretor em manter o longa no PG-13.
Guardiões da Galáxia Vol. 3 não é tão emocionante quanto Vingadores: Ultimato, como alguns exagerados afirmaram por aí. É um ótimo filme, superior a Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania, e que deve agradar especialmente aqueles que já curtiram os Guardiões nas obras anteriores. Destaca-se como uma das gratas surpresas de uma safra tão esquálida como foram a Fase 4 da Marvel e o início da Fase 5, com o último longa do Formiga. James Gunn é um cineasta vaidoso, excêntrico e, por vezes, caprichoso. Mas sabe como administrar bem um elenco numeroso e contar uma boa história com coração e humanidade nas telas. Sobretudo, nutre evidentes carinho e paixão pelo marginalizado grupo de anti-heróis que ficou incumbido de transportar para o cinema. E só isso já o torna uma das maiores aquisições e uma das mais sentidas perdas para o MCU, já que provavelmente, ele não retornará mais ao posto de diretor de um filme da franquia (não sei se vocês sabem, mas James virou um dos chefes da rival, DC Studios). Mas esperamos que seu exemplo seja seguido.
Rock brasileiro perde sua principal figura feminina na noite de ontem, aos 75 anos de idade
Texto por Abonico R. Smith
Fotos: Reprodução
Morreu em São Paulo, na noite de 8 de maio, a cantora e compositora Rita Lee. Ela tinha 75 anos de idade e tratava de um câncer no pulmão, diagnosticado em 2021. A informação sobre o seu falecimento foi postada nas redes sociais pelo marido e parceiro musical Roberto de Carvalho.
Mais textos e informações sobre a vida, a morte, a trajetória e a suma importância de Rita Lee para a arte e a cultura brasileira serão postados no Mondo Bacana nos próximos dias.