Fãs se despedem do grande monstro do thrash metal em celebração devastadora em São Paulo
Texto e fotos por Fábio Soares
Trinta e oito anos de carreira, fãs espalhados pelos quatro cantos do planeta e clássicos que marcaram a vida de quase três gerações. Um gigante exponencial que possui um estilo musical para chamar de seu, influenciando 3/4 da cena do metal desde então. O anúncio da última turnê do Slayer pode ter pego meio mundo de surpresa mas não a mim. Sabia-se muito bem que os bastidores deste tiranossauro é (há tempos!) impulsionado por um rancor e quase ódio entre seus fundadores. Tom Araya e Kerry King movem a máquina desde o início mas escreva aí: um não compraria uma bicicleta usada do outro. Tamanha tensão tornou o ambiente insuportável culminando, inclusive, no par de saídas do lendário Dave Lombardo da formação. Pessimismo este impulsionado de maneira voraz com a morte do guitarrista Jeff Hanneman, em 2012.
Isto posto, o dia 2 de outubro último já começou por muita expectativa aos fãs. Já que a banda é uma religião, 8 mil fiéis superpovoaram o Espaço das Américas, na Zona Oeste para a última celebração à “banda da vida” em terras paulistanas. Coube aos veteranos do Claustrofobia abrirem os trabalhos às 20h45. O trio formado por Marcus e Caio D’Angelo (guitarra e bateria, respectivamente) mais Rafael Yamada (baixo) trouxe peso, competência e ainda uma dose de ironia quando o vocalista incentivou a plateia a formar rodas de pogo, tendo em vista que a produtora do evento havia “proibido” tal prática num comunicado na véspera.
Após a competente abertura do trio brasileiro, um clima de comoção tornou conta da casa quando vieram os primeiros acordes de “Repentless”. O Slayer decolava pela última vez na capital paulista e um verdadeiro pandemônio tomou conta da plateia, evidenciando algo logo de cara: por mais que Gary Holt (guitarra) e Paul Bostaph (bateria) façam a máquina girar, é a unidade antagônica da dupla Araya-King que atraía todos os olhares. A celebração teve em “Evil Has No Boundaries” (do seminal Show No Mercy, álbum de 1983) um estopim para uma explosão que viria a seguir. Em “World Painted Blood”, o mundo proposto pelos vocais de Araya era catártico, caótico, anárquico, enésimo e outros adjetivos proparoxítonos não cabíveis aqui. A plateia, já entregue, deixava-se levar num transe coletivo e definitivo. Era a última vez e nada poderia se perder. Ponto altíssimo da apresentação, a trinca de ases “War Ensemble, “Gemini” e “Disciple” despejou devastadores decibéis aos quatro cantos do recinto, tendo o refrão da terceira (o verso “God hates us all”) literalmente URRADO em uníssono.
A parte final da apresentação teve no álbum Seasons In The Abyss seu carro-chefe. Bolacha predileta de nove entre dez fãs da banda, o disco de 1990 foi o turíbulo essencial nesta derradeira missa campal. “Temptation”, “Born of Fire” e a faixa-título não perderam seu peso passadas quase três décadas após seu lançamento. No palco, os vocais de Tom Araya (mesmo aos 58 anos de idade) permanecem impecáveis, assim como a habilidade de Kerry King ao domar sua Flying V após tanto tempo. A trilha sonora de uma vida inteira estava próxima e coube a “Dead Skin Mask” materializar o fanatismo dos presentes numa densa onda de celebração. Uma das maiores faixas da história do metal permanece sublime e mais perturbadora que nunca.
O epílogo já tradicional e conhecido infelizmente chegaria a seguir. “Angel Of Death”, a maratona sonora de cinco minutos, acelerava, desacelerava, cadenciava, disparava e retorna a seu compasso inicial como uma agoniante sinfonia da morte. Inimaginável hecatombe para um final digno, sagaz e emocionante ao extremo. Já com as luzes acesas, um solitário Tom Araya permanecia no palco por mais de cinco minutos, observando a multidão à sua frente. Sabendo que nunca mais voltará à maior cidade da América Latina com o monstro sonoro que ajudou a criar, cruzou os braços sobre o peito e timidamente disse ao microfone: “Sentirei saudades”.
Após quase quatro décadas de carreira, o Slayer saiu de cena no auge, tendo garantido seu lugar na História. Um triste fim, porém necessário. Uma bela maneira de morrer.
Set List: “Repentless”, “Evil Has No Boundaries”, “World Painted Blood”, “Postmortem”, “Hate Worldwide”, “War Ensemble”, “Gemini”, “Disciple”, “Mandatory Suicide”, “Chemical Warfare”, “Payback”, “Temptation”, “Born Of Fire”, “Seasons In The Abyss”, “Hell Awaits”, “South Of Heaven”, “Raining Blood”, “Black Magic”, “Dead Skin Mask” e “Angel Of Death”.