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Muribeca

Documentário registra a luta dos moradores um conjunto habitacional contra a condenação ao descaso e a demolição de suas memórias de vida

Texto por Frederico Di Lullo

Foto: Descoloniza Filmes/Divulgação

Já nos primeiros minutos de Muribeca (Brasil, 2023 – Descoloniza Filmes), documentário dirigido por Alcione Ferreira e Camilo Soares, entendemos a intensidade e o descaso com a população mais vulnerável. Seja pela citação ao poeta norte-americano T.S. Eliot (“Com tais fragmentos foi que escorei minhas ruínas”) ou pelas filmagens carnavalescas no final dos anos 1990 (que apresenta a felicidade do bloco de moradores), o filme se desenvolve em ritmo acima de tudo melancólico.

E ele carrega afeto, memórias e tristeza. Tudo isso contado pelos moradores da “cidade fantasma” do complexo habitacional Muribeca, na cidade de Jaboatão dos Guararapes, região metropolitana de Recife. Com depoimentos dados por vários moradores do complexo, Muribeca permeia seu roteiro apresentando a histórias dos mesmos, intercalando com filmagens antigas que mostram o total declínio do local, propiciado pelo descaso público. 

O Conjunto Habitacional Muribeca foi construído em 1982 e contava com 69 blocos de apartamentos, totalizando 2240 unidades. No ano de 1995 foram verificados os primeiros problemas estruturais de diversos blocos e a deterioração foi rápida. Depois anos de disputas jurídicas, a Caixa Econômica Federal foi condenada em última instância a reconstruir os imóveis no mesmo local. Mas isto nunca aconteceu. Em 2019, a 5ª Vara de Justiça Federal autorizou a demolição completa do conjunto e o despejo de todos moradores que ainda moravam no local. Até hoje as organizações de moradores e de comerciantes locais continuam lutando para que a comunidade não desapareça para sempre. 

Entre os moradores que dão depoimentos estão o poeta Miró e o quadrinista Flavão, que também trabalhou como produtor local do documentário. Quando começaram o projeto, os diretores também assistiram a algumas audiências que a comunidade teve com o Ministério Público e conheceram outras personagens que estavam ali, lutando e tentando viver em meio a tanta confusão e insegurança jurídica – além das próprias pessoas que se aproximaram espontaneamente deles interessadas em participar do filme. As entrevistas foram feitas em 2018, e os diretores filmaram a comunidade algumas outras vezes – inclusive logo após o resultado da ordem judicial que autorizou a demolição de todos os blocos do conjunto habitacional.

Por tudo isso, assistir a Muribeca é imprescindível. Necessário se faz para não apenas manter ainda viva as memórias das pessoas que ali instalaram a sua vida. Mas também para sentir na alma aquilo que elas sentem: a dor e a agonia que rapidamente substituíram toda a felicidade do local.

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