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Pistol

Minissérie dirigida por Danny Boyle aborda o universo ao redor dos jovens músicos que fizeram história no punk rock sob o nome de Sex Pistols

Texto por Taís Zago

Foto: Hulu/FX/Star+/Divulgação 

Quem entre nós, da geração X, não leu Please Kill Me (de Legs McNeil e Gillian McCain, 1996) ou assistiu a Sid & Nancy (1986), filme britânico com Gary Oldman e Chloe Webb? Durante a década de 1990, ambas as obras faziam parte do pacote da educação fundamental sobre o punk rock para nossos olhos e ouvidos adolescentes tão sedentos por rebeldia. Nos tempos do punk de poucos acordes e muita atitude, os Sex Pistols e os Ramones faziam parte do currículo obrigatório de qualquer músico iniciante, groupie ou fã da anarquia como “ideologia”. Nenhum outro movimento cultural representou melhor o teenage angst e a necessidade de romper com a cultura capitalista de nossos pais através do puro caos. Uma furtiva declaração de amor ao live fast and die young nos anos em que nos sentíamos imortais. 

Também não foram poucos os documentários que prestaram homenagem à época e seus personagens como o excelente The Filth And The Fury (2000) ou End Of The Century (2003) – ficando aqui apenas nas duas bandas centrais do movimento, Ramones e Sex Pistols, e a eterna batalha entre EUA e Reino Unido pelo titulo de criadores do movimento que em pouco tempo virou a febre mundial mesmo sem a promoção da imprensa mainstream ou das grandes empresas da indústria fonográfica. O punk se criou sozinho, nas ruas, nas atitudes, na insatisfação, na perda de perspectiva de uma geração anti-hippie e contestadora. As flores nos cabelos foram deixadas de lado na metade dos anos 1970. No seu lugar entraram o látex, o pogo, a distorção e os alfinetes. Onde antes os hippies promoviam o amor livre, os punks passaram a defender a autonomia sobre o próprio corpo, mesmo que pela autodestruição. O direito de derrubar muros com socos em vez de mensagens de paz e amor.

Pistol (EUA/Reino Unido, 2022 – Hulu/FX/Star+) é uma minissérie de seis capítulos dirigida por Danny Boyle (Trainspotting, Cova Rosa) baseada na autobiografia Lonely Boy: Tales From a Sex Pistol (2016) de Steve Jones (Jonesy), guitarrista e membro fundador dos Sex Pistols. Cada um dos episódios possui um título peculiar inspirado no livro de Jones – como, por exemplo, o primeiro, Track 1: The Cloak of Invisibility,onde Jones conta um pouco de sua origem e sua criação no subúrbio londrino de Hammersmith. O “manto da invisibilidade” era o que supostamente protegia o tímido e traumatizado Jonesy em suas peripécias e delitos, assim como lhe dava a autoconfiança necessária para subir num palco onde os músicos eram alvejados por latas e garrafas de cerveja ou cuspes, entre outras demonstrações escatológicas da rebeldia juvenil, que, claro, eram estimuladas e incitadas pelos próprios músicos. 

Boyle, famoso pelo seu estilo que estimula uma suposta glamourização de drogas e de violência, sempre um excelente pano de fundo musical, encontra-se em seu elemento. Não acho que outro diretor pudesse ter feito um trabalho melhor para passar toda a energia, raiva, tristeza e ingenuidade de uma geração que queria mudar o mundo rompendo com os modelos empoeirados e inflexíveis dos britânicos, como a adoração pela monarquia e rituais sociais superficiais enquanto o povo sofria com a falta de emprego em meio a uma severa crise econômica. Craig Pearce (um dos prediletos de Baz Luhrmann) assumiu o roteiro e investiu bastante em um suposto romance entre Jones e Chrissie Hynde (vocalista dos Pretenders). Segundo conta Chrissie em seu livro Reckless, de 2015, ambos sempre tiveram uma boa amizade, que, eventualmente, era salpicada com doses de sexo. Jones também deixa isso bem claro em Lonely Boy. A atuação espetacular de Sydney Chandler como Chrissie e Toby Wallace como Steve salva o roteiro do tom novelesco que um romantismo exagerado poderia criar. Para muitos (eu, inclusive), Sydney roubou o holofote de todos os outros personagens e nos deixou com vontade de ver Reckless também transformado em série.

Visualmente, Pistol não deixa nada a desejar: a fotografia e as passagens com imagens vintage reforçam o clima de efervescência cultural da época. Há um grande desfile de celebridades e figuras peculiares que foram ícones do punk orbitando em torno dos clubes noturnos londrinos e da butique Sex, como a modelo Jordan (Maisie Williams), a estilista Vivienne Westwood (Talulah Riley) e o estilista e empresário wannabe da banda Malcolm McLaren (Thomas Brodie-Sangster), que até hoje alega ter “inventado” os Sex Pistols, o que deixou um gosto amargo de boy band na boca dos fãs e passou para a banda a pecha de posers. Para contrariar Malcolm, Steve mostra o engajamento dos músicos na criação e nas composições, a vontade de inovar e o prazer de estar no palco, o talento natural de Johnny Rotten (Anson Boon) para traduzir em palavras (e urros) os sentimentos viscerais e urgentes de toda uma geração. Falando nele, o hoje conhecido como John Lydon se declarou determinantemente contra a produção da serie, inclusive entrando na justiça para tentar impedir que a música original dos Sex Pistols fosse utilizada. Para nosso alivio, os outros três sobreviventes e o espólio de Sid Vicious se posicionaram a favor, o que nos presenteou com um incrível passeio pelo processo criativo e pela energia crua de superhits da banda (“Pretty Vacant”, “Anarchy In The UK”, “Submission”, “God Save The Queen”, “Problems, “Bodies”, entre outros).

Por outro lado, a curta duração (apenas seis episódios) deixou muita coisa em aberto num assunto tão rico apesar de não apresentar qualquer fato novo sobre a banda que nos fosse desconhecido. Como uma tentativa de evitar mais daquilo que já sabemos de cor e também como uma fórmula de fugir das platitudes, Danny e Craig, através do olhar de Steve, optaram por dar mais espaço para os personagens em torno da loja Sex e dos Pistols, inclusive cedendo praticamente todo um episódio para abordar a história de Pauline, que inspirou a letra de “Bodies”.

Pistol polariza opiniões, traz pouco material para quem não conhece a banda ou não leu Lonely Boy, não apela demais para o óbvio, não redime mas também não demoniza as drogas. Não é o trabalho mais recomendado para principiantes, mas é um deleite para os fãs. Boyle tem o dom precioso de nos puxar para dentro de uma história como se estivéssemos sentindo a energia da primeira fileira na beira do palco. É impossível assistir sem sentir aquele adolescente adormecido, escondido atrás de cabelos grisalhos e boletos para pagar, acordando dentro de nós.

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