Movies, Music

A-ha

Documentário antecipa a vinda do trio para sete shows no Brasil e o lançamento de um disco gravado ao vivo no extremo norte da Noruega

Texto por Abonico Smith

Foto: Divulgação

Seria o A-ha a banda mais subestimada do mundo? Esta é uma das suposições levantadas pelo cineasta Thomas Robsahm em seu mais recente trabalho. O documentário de longa-metragem A-ha: The Movie acaba de ser lançado no continente europeu e, aqui no país, exibido neste mês de junho em uma disputada sessão presencial pelo In-Edit Brasil (festival dedicado a filme não ficcionais voltados à temática musical). Por quase duas horas, o norueguês dá uma geral na trajetória de quase quarenta anos de Morten Harket (vocais), Pal Waaktaar-Savoy (guitarra, violões e vocais) e Magne Furuholmen (teclados, violões e vocais) por meio de muitos depoimentos dos três e de pessoas próximas a eles (como produtores e esposas) mais imagens de bastidores colhidas por alguns anos acompanhando os músicos nos bastidores da última turnê. De quebra, ainda reúne uma invejável coleção ide footages da época do auge do sucesso – imagens gravadas pela própria banda no intervalo de tempo dos quatro primeiros álbuns, lançados entre 1985 e 1990, que ainda permaneciam inéditas ao público.

Robsahm, que antes de partir para a carreira no audiovisual fez parte de uma banda pós-punk tal qual o A-ha (só que com sonoridade mais sombria e próxima da turma gótica britânica), acha que Morten, Mags e Pal são injustamente tidos por muita gente como one-hit wonder justamente por causa do estrondoso sucesso de “Take On Me” e seu inesquecível videoclipe. Para o diretor, mesmo não tendo o alcance estrondoso do primeiro single da carreira, outras músicas são tão importantes quanto na trajetória – não só no álbum de estreia, Hunting High and Low, como também nos seguintes. E esta percepção também pode ser compartilhada entre o público brasileiro, que faz justamente esses escandinavos serem adorados por estas bandas. Volta e meia rádios pop executam suas músicas até hoje. Na discografia do trio, o ano de 1989 marca o lançamento de duas compilações feitas com exclusividade pela Warner local para o nosso mercado. On Tour In Brazil, que junta material gravado ao vivo durante a primeira passagem do trio pelo país, alcançou vendagem de platina (na época, mais de 250 mil cópias). Já Best In Brazil, que chegou ao disco de ouro (100 mil), reúne os grandes hits das rádios tupiniquins antes mesmo do lançamento da primeira coletânea oficial feita em sincronia para o resto do mundo (Headlines and Deadlines: The Hits Of A-ha, de 1991). Não bastasse, a mesma Warner local soltou depois um EP de cinco faixas batizado A-ha Tour Brazil 2002, com quatro faixas extraídas de discos oficiais da carreira (“Take On Me”, “You Are The One”, “Crying In The Rain” e “Forever Not Yours”) mais um raro take ao vivo de “Hunting High and Low”, gravado em Oslo e durando sete minutos. Detalhe: o encarte traz a grafia errada do guitarrista, como seu nome fosse na língua inglesa (“Paul”).

São ao todo sete passagens de Morten, Pal e Mags pelo Brasil. A mais marcante foi em 1991, quando o trio tocou diante 200 mil pessoas no Rock In Rio – o festival daquele ano também trouxe headliners como Guns N’Roses (na primeira de muitas vindas para cá), Prince e George Michael (ambos em únicas e marcantes apresentações em nosso país). Este concerto pode ser achado na íntegra no YouTube e aparece brevemente citado em imagens no documentário de Robsahm. Em 2015, os escandinavos voltariam à Cidade do Rock, em concerto debaixo de forte chuva feito antes de Katy Perry fechar a última noite, e aproveitariam para estender a turnê a outras cinco localidades (Brasília, Recife, Fortaleza, São Paulo e Curitiba). Para o calendário de 2020 estava previsto um retorno ao país, que acabou adiado duas vezes por causa da pandemia da covid-19. Agora, em julho, serão enfim realizados estes sete shows em seis cidades (Olinda, dia 13; Salvador, 15; São Paulo, 18 e 19; Rio de Janeiro, 21; Belo Horizonte, 22; e Curitiba, 25) – mais informações sobre os locais, preços, horários e como comprá-los, clique aqui para ir ao site da Livepass). Para quatro deles (PE, SP, RJ), não há mais ingressos disponíveis. Portanto, como se conclui, já são quase quarenta anos de adoração em verde e amarelo pelo A-ha.

O que os apaixonados brasileiros não veem, entretanto, é que existe uma constante tensão nos bastidores entre os três integrantes. Tensão esta descortinada por Robsahm em seu documentário e cada vez mais crescente com a longevidade da banda. Mags, Pal e Morten estão bem longe de serem os melhores amigos da face de Terra. No filme, os três raramente são flagrados na mesma cena se não estiverem no palco. Nos bastidores de turnê, frequentam camarins separados. Mesmo com o acordo de que tudo o que o grupo fizer precisa ser aprovado pelos três vértices, os músicos deixam mais do que claro em seus depoimentos de que há sempre um deles em estado de descontentamento muitas vezes tácito. Harket se queixa de ser visto até hoje como o “cara à frente da banda”. Ele também revela insatisfação nas longas passagens de som e após os concertos, já que, segundo ele, as performances sempre ficam aquém de reconhecido poder de extensão de seu gogó. Sobre a divisão de direitos autorais das músicas do início de carreira, há queixas constantes do tecladista, criador de vários riffs e não creditado como autor final da obra. O mesmo Mags é explicitamente contrário à decisão de se reunir em estúdio para gravar um novo álbum – aliás, o intervalo entre os trabalhos fica justamente espaçado pela dificuldade de se chegar de modo fácil a acordos no decorrer do processo criativo. Furuholmen e Waaktaar-Savoy, inclusive, já estão bem longe daquela amizade adolescente que fez com que a dupla fundasse o A-ha e se mudasse de Oslo para Londres em 1981, vislumbrando a continuidade da carreira artística.

Por duas ocasiões, inclusive a banda chegou a separar, com o fim das atividades oficialmente anunciado em apenas uma. Decisões tomadas, aliás, para que os três pudessem ser mais feliz em projetos pessoais. Morten gravou um disco solo. Pal montou com a esposa uma banda batizada com o sobrenome da família. Mags dedicou-se algum tempo às pinturas. Só que, assim como a concordância entre o tripé é condição sine qua non para a existência do grupo, também fica claro na obra assinada por Robsahm de que o A-ha só existe exatamente quando a magia musical acontece durante a reunião dos três. O sucesso pleno não seria atingido com um deles longe dos outros dois, como conclui o cineasta. Por isso, os divórcios não duraram muito.

Tudo bem que o visual adotado por eles nunca ajudou muito desde a segunda metade dos anos 1980. O início pareceu promissor, com dois videoclipes estilosos e criativos assinados pelo badalado diretor britânico Steve Barron (“Take On Me” e “Hunting High and Low”, ambos marcados por efeitos especiais inovadores para a época). Contudo, nos anos iniciais da carreira, apareciam sempre em fotos e entrevistas como aqueles garotos “colírio” da revista Capricho após um banho de loja de roupas de grife mauricinha e belo trato poser nos cabelos curtos. O videoclipe de “Touchy!”, então, chega a ser o cúmulo do que se fazer de errado para trabalhar a imagem de uma banda que sempre quis ser levada a sério (e isso é mostrado com ironia durante o documentário!). Nos dias de hoje, com os músicos já sessentões, o desleixo com o estilo também não chega a ser muito diferente. Morten – com aquela cara eterna de professor de matemática – pode ser um excelente vocalista, mas sua performance de palco chega a ser quase zero, preocupando-se mais em brigar com o ponto eletrônico que todas as bandas profissionais do exterior usam nos palcos para poder se ouvir. Só que a música do A-ha sempre acabou falando mais alto do que isso tudo, como pode provar uma lista de sucessos que inclui títulos como “Take On Me”, “Hunting High and Low”, “The Sun Always Shines On TV”, “Train Of Thought”, “I’ve Been Losing You”, “Cry Wolf”, “The Living Daylights” (criada sob encomenda para ser música-tema do filme homônimo de James Bond), “The Blood That Moves The Body”, “Stay On These Roads”, “Touchy!”, “You Are The One”, “Sycamore Leaves” e a releitura de “Crying In The Rain” (clássico dos Everly Brothers no começo dos anos 1960).

Para completar a temporada, está previsto para ser lançado em outubro um novo disco da banda, o primeiro em sete anos. True North, entretanto, não é uma novidade tradicionalmente concebida em estúdio. Foi gravado durante uma apresentação feita em novembro de 2021 pelo trio (que ao vivo conta com mais três instrumentistas de apoio, sendo dois deles pinçados de projetos locais de jazz e black metal) no extremo norte do país da banda, na cidade de Bodø, com a participação da Arctic Philarmonic norueguesa. O repertório, que reflete na sonoridade a atmosfera megagelada do ártico, traz um punhado de novas composições. A faixa “I’m In”, criada ao piano e violão, já foi lançada como o primeiro single do trabalho, inclusive ganhando um dramático videoclipe. Outras duas, as não menos belas “Forest For The Trees” e “You Have What It Takes”, já vinham figurando no set list dos concertos mais recentes e serão executadas nesta vinda ao Brasil.

Muito mais do que três seres que apenas se suportam e se toleram em nome da mera manutenção de uma marca musical que gera um bom dinheiro até hoje, Morten, Mags e Pal mostram que, apesar das turras e pequenas desavenças constantes, ainda mantêm a chama criativa que fez, lá atrás, o mundo se apaixonar por uma expressãozinha universal de três letras que denota surpresa positiva diante de uma descoberta. O mote da atual turnê, inclusive, pode ser os 35 anos de lançamento do primeiro álbum (que, graças aos atrasos pandêmicos que estão sendo devidamente cumpridos, hoje já chegou nos 37). Mas a expressão hunting high and low (que pode ser livremente traduzida para o português como “procurando por todos os lugares”) ainda cai como uma luva para a trinca. Do calor tropical às geleiras do Polo Norte, todos ainda querem o A-ha. E o A-ha ainda tem muita coisa boa a oferecer. Mesmo sem se livrar da pecha de banda de um hit só.

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