Music

Smiths

Andy Rourke, baixista da icônica banda que consolidou o termo indie rock em terras britânicas, morre aos 59 anos de idade

Da esq. à dir.: Morrissey, Johnny Marr, Mike Joyce e Andy Rourke

Texto por Abonico Smith

Foto: Divulgação/Rough Trade

Na manhã desta sexta-feira 19 de maio foi anunciado o falecimento do músico e DJ inglês Andy Rourke, mais conhecido pelo trabalho como baixista do grupo Smiths nos anos 1980. Ele tinha 59 anos e enfrentou uma longa batalha contra um câncer no pâncreas.

Quem divulgou a notícia foi o ex-companheiro de banda, o guitarrista Johnny Marr. Ele o definiu como uma alma boa e gentil, além de instrumentista talentoso. Ao lado de Johnny, o vocalista Morrissey e o baterista Mike Joyce, Rouke integrou o quarteto que revolucionou o rock britânico entre 1982 e 1987. Em 1996, também já enfrentando o vício em heroína, Andy, em conjunto com Mike, processou a dupla de compositores Morrissey e Marr, em busca de ganhos a mais nos direitos autorais sobre a obra composta e gravada pela banda. Um acordo judicial foi feito para ação ser encerrada. A amizade com Marr foi refeita. Entretanto, o frontman nunca mais o desculpou pela atitude.

A obra-prima dos Smiths é o álbum The Queen Is Dead, de 1986. Entre os hits deixados pela banda estão as faixas “The Boy With The Thorn In His Side”, “Bigmouth Strikes Again”, “Ask”, “Panic”, “There Is a Light That Never Goes Out”, “Shoplifters Of The World Unite”, “Hand In Glove” e “How Soon Is Now”. A marca registrada impressa por Rourke nos arranjos da banda eram as linhas de baixo extremamente dançantes, que junto com as batidas de Joyce, formavam uma textura rítmica irresístivel para as combinações da literatura rebuscada em forma de versos dramáticos desenhada por Morrissey e os dedilhados com um pezinho no floreio psicodélico nas seis cordas de Marr.

Após o término da banda, Andy participou da gravação de algumas canções da carreira solo inicial de Morrissey. Também tocou com Pretenders, Badly Drawn Boy, Ian Brown e Moondog One (que incluía músicos que passaram por Smiths e Oasis). Em 2007 formou o supergrupo de baixistas Freebass, ao lado de Peter Hook (New Order) e Gary Mounfield (Stone Roses). Logo depois mudou-se para Nova York, onde passou a trabalhar como DJ de rádio e pistas de nightclubs. Foi, inclusive como DJ, que veio ao Brasil em novembro de 2008, que veio ao Brasil (mais especificamente a cidade de Curitiba), onde lançou a coletânea Hang The DJ (refrão da letra de “Panic” que batizou uma tradicional festa que era realizada no histórico e hoje extinto clube noturno Vox). Seis anos depois, retornou à capital paranaense para estrelar outra noite na pista de dança do Vox. E também foi em Nova York, ao lado de Ole Koretsky (com quem discotecava em dupla nas noites, sob a alcunha de Jetlag) e Dolores O´Riorden (vocalista dos Cranberries, também já falecida), que ele criou a banda D.A.R.K., que lançou um álbum chamado em 2016.

Music

Kiss – ao vivo

Lenda do rock comandada por Paul Stanley e Gene Simmons se despede do Brasil com show épico na Grande Florianópolis

Texto por Frederico Di Lullo

Foto: Sofia Mayer/G1 SC/Reprodução

No último dia 25 de abril, uma terça-feira, a região da Grande Florianópolis recebeu uma das maiores lendas do rock mundial. O Kiss apresentou-se pela última vez no Brasil, depois de trazer para cá (pela terceira vez) sua turnê de despedida (batizada End Of The Road) e passar (desta vez) por outros quatro pontos do país (Manaus, Brasília, Belo Horizonte e São Paulo).

Alocado estrategicamente do lado direito do palco montado no Hard Rock Live (na cidade catarinense de São José), cheguei diretamente do trabalho para poder cobrir este que deve ser o último concerto do quarteto pelas terras de Machado de Assis ou, melhor falando, do poeta Cruz e Sousa. Incrivelmente dez minutos antes do horário previsto (21h), os quatro cavaleiros do apocalipse já desciam por enormes plataformas para chegar próximo de nós, meros mortais, entoando a seminal “Detroit Rock City”. A essa altura, meu amigo, a audiência era um verdadeiro delírio musical, com homens e mulheres de todas as idades cantando a plenos pulmões toda a música. E todas as que estariam por vir. A plateia era composta, em maioria, por muitas famílias, onde era nítido o amor geracional pelo rock e pela banda destes quatro senhores. Algo lindo e épico demais.

Diferente da última passagem da banda por este sul do sul do mundo, no ano de 2015, desta vez sim tivemos o espetáculo completo, recheado de trajes extravagantes, maquiagens marcantes, plataformas levadiças, efeitos visuais, pirotecnia, fogo, sangue, luz e demais elementos que tornam o show do grupo algo único, simplesmente o maior espetáculo da terra. Também foi nítido que, desde o início da perfoirmance, o Kiss demonstrou toda a sua energia e paixão pelo rock, coisa pouco vista em vários shows de pessoas que possuem a metade de idade de Paul Stanley, Gene Simmons, Eric Singer e Tommy Thayer.

Sobre as músicas, nenhuma surpresa. O set list cravou só clássicos da banda, que há meio século percorre o mundo tocando “I Was Made For Lovin’ You”, “Calling Dr Love”, “I Love It Loud”, “Deuce”, “Psycho Circus”, “Love Gun”,  “God Of Thunder”, “Black Diamond”, “Do You Love Me” e “Rock And Roll All Nite”, entre outras. Esta última, inclusive, foi a que fechou a noite histórica, com aquela tradicional chuva de confetes, fogo e loucuras que precedem a saída de cena da banda – e, neste caso, o fim da passagem física do Kiss pelo Brasil, iniciada já exatos 40 anos, lá em 1983, no Maracanã. 

Em resumo: se de fato foi a última vez, será épico ter vivenciado ao vivo e em cores um verdadeiro espetáculo de rock’n roll. Deixará saudades em todos os fãs brasileiros e marcará a história catarinense para sempre.

Set List: “Detroit Rock City”, “Shout It Out Loud”, “Deuce”, “War Machine”, “Heaven’s On Fire”, “I Love It Loud”, “Say Yeah”, “Cold Gin”, “Lick It Up”, “Makin’ Love”, “Calling Dr Love”, “Psycho Circus”, “God Of Thunder”, “Love Gun”, “I Was Made For Lovin’ You” e “Black Diamond”. Bis: “Beth”, “Do You Love Me” e “Rock And Roll All Nite”. 

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Dungeons & Dragons: Honra Entre Rebeldes

Live action derivado do clássico RPG diverte e introduz um novo universo para o cinema baseado em jogos

Texto por Carolina Genez

Foto: Paramount/Divulgação 

Acaba de chegar aos cinemas Dungeons & Dragons: Honra Entre Rebeldes (Dungeons & Dragons: Honor Among Thieves, EUA/Canadá/Reino Unido/Islândia/Austrália, 2023 – Paramount), trama que acompanha Edgin (Chris Pine) que, após a morte de sua esposa, decide roubar itens mágicos e preciosos juntamente com sua filha Kira (Chloe Coleman), a bárbara Holga (Michelle Rodriguez), o mago Simon (Justice Smith) e o também ladrão Forge FitzWilliam (Hugh Grant). No meio do caminho, porém, ao tentar ajudar a feiticeira Sofina (Daisy Head), Edgin e Holga são presos e precisam achar um meio de escapar e recuperar a confiança de Kira.

O filme é baseado no clássico jogo de RPG Dungeons & Dragons, que ficou muito popular durante os anos 1970 e 1980 e recentemente ressurgiu com força por conta da série Stranger Things, em que os personagens principais não só se divertem no tabuleiro mas também fazem referência ao game durante toda a série. Por trazer um universo tão cheio e completo para as telas do cinema, o longa funciona bastante como um introdutório para o que pode vir a ser mais uma franquia.

Adaptações de games são sempre algo complicado de se traduzir para a linguagem cinematográfica: ao mesmo tempo esses filmes precisam agradar os fãs ardorosos e não deixar aqueles que não sabem de nada sobre o universo de fora. Dungeons & Dragons, então, faz um trabalho maravilhoso neste sentido. Este Honra Entre Rebeldes é recheado de citações do jogo e, ao mesmo tempo, uma própria partida de RPG, com falas de personagens que relembram regras e, principalmente, nos ângulos e movimentos de câmera utilizados pelos diretores para garantir grande imersão na trama.

O roteiro traz uma história repleta de aventura, que consegue com facilidade instigar e prender a atenção dos espectadores. Parte disso acontece também porque conseguimos nos conectar com os personagens por suas histórias do passado, que são apresentadas de maneira breve mas também cumprindo seu propósito. A trama também traz bem cenas de comédia, funcionando muito bem ao utilizar diversos estereótipos e clichês de histórias de fantasia como piadas. A narrativa, apesar de simples, tem seus objetivos muito bem definidos, permitindo aproveitar a jornada, que é contada por diversos episódios, junto com os personagens passando e explorando diversos cenários muito diferentes entre si.

A direção de arte, nesse sentido, faz um trabalho impecável ao transportar os espectadores àquela terra de fantasia com criaturas, magos, elfos e humanos convivendo uns com os outros. Cada uma das terras exploradas pelos personagens tem algum fator que a diferencia da outra e torna a aventura ainda mais interessante. Aqui também existe uma breve pincelada de cada uma dessas “nações”, contando um pouco sobre as lendas, costumes e habitantes. Tal artimanha engaja muito a curiosidade para os próximos projetos.

Os personagens também ajudam a prender a atenção do público. Cada um deles tem objetivos, humores,  personalidades e poderes distintos, o que torna as interações entre eles extremamente divertida. A variação de forças e habilidades é um trunfo nas cenas de ação, muito criativas e bem conduzidas e coreografadas. Na galeria de personagens mais interessantes está Doric, druidesa que luta pelo seu povo e tem o poder de se transformar em qualquer animal e até mesmo fazer mesclas deles. Ela, entretanto, não é tão aproveitada quanto poderia, muito por conta do filme ter a função de ser introdutório. 

No terreno das atuações, todos os atores cumprem bem seus papéis, até por serem personagens que lembram muito trabalhos anteriores deles. Destacam-se Chris Pine e Michelle Rodriguez, já que acompanhamos ambos os personagens desde o início. Ambos são divertidos e rendem cenas engraçadas – e os dois atores têm muita química, o que ganha a empatia dos espectadores. Edgin, além de protagonista, acaba sendo outra peça fundamental para remeter ao jogo de tabuleiro já que ele é quem elabora os planos e consequentemente “cria” as histórias. Outro destaque fica com a Sofina de Daisy Head, que traz uma presença ameaçadora e performance bem sombria, contrastando com o elenco. Por fim, há Regé-Jean Page como Xenk. Apesar da pequena participação, acaba sendo outra ótima surpresa com uma criatura misteriosa e interessante.

Claro que há alguns erros ao longo das de duas horas de duração. Só que Dungeons & Dragons: Honra Entre Rebeldes cunmpre o que promete: ser uma aventura muito imersiva e divertida, que ainda termina com um gostinho de quero mais. Em tempo: se você gosta de Caverna do Dragão – desenho animado dos anos 1980 também oriundo de D&D – não deixe de ir às salas do cinema.

Movies

A Baleia

Darren Aronofosky volta a incomodar com um espetacular Brendan Fraser como um professor em desenfreada busca pela não existência

Texto por Taís Zago

Foto: Califórnia Filmes/Divulgação

Samuel D. Hunter escreveu A Baleia tendo sua própria vida e trajetória como inspiração. Nascido em Moscow, Idaho, ele foi compelido a se assumir gay já na adolescência, sofreu com a homofobia provinciana e suas mazelas emocionais refletiram em um ganho rápido de peso durante os anos de universidade. Então, Samuel cria em A Baleia um “e se…” caso ele tivesse continuado o caminho que estava posto diante de si. Darren Aronofsky assistiu à peça em uma de suas muitas apresentações e rapidamente vislumbrou no roteiro material rico para um longa-metragem.

Para os que estão familiarizados com a obra cinematográfica de Aronofsky não é segredo algum que o diretor, roteirista e produtor se expressa, não raramente, usando os extremos dos comportamentos humanos. Ora aborda o vício em drogas em obras como A Vida Não É Um Sonho (2000), ora as profundezas da alma humana como em Cisne Negro (2010). Também não é raro em seu oeuvre uma jornada de modificação corporal baseada na busca de aceitação e fama que acaba por deteriorar lentamente seus personagens, como em O Lutador (2008). O ponto convergente de sua obra é uma visão desiludida do humano, o que não raramente nos arrasta a lugares incômodos e quase insuportáveis dentro de nossas cabeças.

Em A Baleia (The Whale, Estados Unidos, 2022 – Califórnia FIlmes), Aronofsky e Hunter trabalharam juntos para transpor dos palcos para o cinema toda a gama de sentimentos de Charlie, interpretado brilhantemente por Brendan Fraser, um homem solitário que vem seguindo um caminho sem volta de deterioração física, emocional e psicológica desde a perda de seu grande amor e companheiro de vida. Charlie é um excelente professor universitário de ensaios literários, ministra suas aulas via EAD, mas nunca permitiu a seus alunos que o vissem pela câmera. Há muito tempo Charlie não sai de casa, não cuida da saúde, não vê muitas pessoas. Uma de suas grandes dores foi o seu afastamento compulsório da filha, na época com 8 anos de idade, por ele ter assumido uma relação homoafetiva com um de seus estudantes. Tudo em Charlie é machucado. Apesar do foco em sua aparência como alegoria para a ruína, a parte mais evidente da tremenda dor que carrega é revelada pelos olhos e pela voz. Ao seu lado, tem a fiel amiga Liz (Hong Chau), uma enfermeira que o acompanha e tenta fazer os seus dias o mais confortável possível sem criticar com clichês e sem esmiuçar os motivos. Liz os conhece bem, mesmo que no fundo ela não queira aceitar o caminho escolhido por ele.

O filme, mesmo antes de ser lançado, gerou uma onda de críticas em relação à patologização da obesidade e do uso das chamadas fat suits (trajes de gordura) que os atores vestem para interpretar pessoas gordas e que muitas vezes já contribuiu para o estigma do grupo com representações em filmes de gosto duvidoso – como O Professor Aloprado (1996), com Eddie Murphy interpretando diversos personagens usando fat suits como uma característica depreciativa, ou em comédias românticas como O Amor É Cego (2001) com Gwyneth Paltrow, onde, bem, o titulo em português é autoexplicativo. Não foram raras as alegações de crueldade e de voyeurismo da obesidade. Aronofsky não é famoso pela sobriedade de suas representações. Ele procura sempre o limite, o que, às vezes, pode beirar uma caricatura de mau gosto. Tanto que A Baleia foi classificada como uma espécie de fat horror por uma ala da crítica. 

Sabendo isso de antemão, apelei para um artifício ao assistir A Baleia – reduzi a luminosidade da minha tela, diminuindo assim a importância e o impacto da apelação visual e concentrando apenas nas vozes, e, algumas vezes, nos olhares. E só pude chegar a uma única conclusão: Brendan Fraser é espetacular. Desconectando a caracterização, o que nos resta é uma alma partida de alguém que perdeu completamente o interesse de continuar vivendo. O que sentimos é um ser humano em rota de colisão irremediável e desesperançada. E nesse caminho pouco importa o figurino, a maquiagem ou o método escolhido para se alcançar o objetivo, quer seja ele por meio de drogas, comida, ausência de comida, sexo ou qualquer outra forma de se obter o resultado desejado – a não existência.

A dor de Charlie é profunda demais para ser remediada. O luto diário que mantém pelo seu amor perdido de forma violenta é insuperável, a ausência da filha e a culpa que o ronda de forma repetitiva o oprimem. Charlie tanto ruminou suas dores que se entregou a elas. O ponto de retorno já foi há muito abandonado. A depressão retirou a luz quase que completamente de sua rotina. E é exatamente nessa reta final de sua jornada que ele faz um último esforço desesperado para reatar o contato com sua filha Ellie (Sadie Sink), uma adolescente, que segundo as palavras da própria mãe (Samantha Morton, em aparição relâmpago) é simplesmente uma menina má. Charlie se nega a acreditar nisso. Mesmo em toda a escuridão em que vive, ele ainda nutre a esperança na luz de Ellie. Da mesma forma acolhe Thomas (Ty Simpkins), jovem que escolheu pregar a palavra de Deus como sendo a forma irrefutável da salvação humana.

A Baleia, em parte por ser uma dramaturgia adaptada do teatro, é encenada com poucos personagens, tendo como única locação a casa de Charlie e, na maioria das cenas, apenas sua sala de estar. A fotografia é escura em quase sua totalidade, em parte para cooperar com os esforços de tornar a caracterização física mais verídica, mas também como alegoria da profunda depressão do protagonista. A música segue o mesmo caminho, assim como a edição. Tudo nos conduz para a melancolia e para a desesperança. Aronofsky sendo Aronofsky, portanto.

A Baleia é uma tragédia humana real sendo arrastada para o macabro, uma câmara de vácuo e ausência de luminosidade, um palco trágico, uma jornada de redenção e purificação por meio do sofrimento e do sacrifício. Poderia não ser assim, como aponta Samuel ao falar de seu roteiro, mas foi. Brendan Fraser recebeu o merecidíssimo Oscar de melhor ator, preenchendo todos os requisitos que Hollywood busca: um protagonista que retorna das cinzas após ser massacrado e abandonado pela indústria cinematográfica; um roteiro tenso, teatral e dramático; e um personagem que requer modificações físicas complexas da parte do ator para ser interpretado.