Music

Mundo Livre S/A

Os 30 anos de criação do mangue beat ganham em Florianópolis uma noite de festa e homenagens por meio de uma de suas bandas mais icônicas

Texto por Frederico Di Lullo

Foto: Tiago Calazans/Divulgação

No próximo dia 10 de junho (sábado), todos os caminhos da música independente da capital catarinense irão se cruzar na Cervejaria Matura Floripa, no coração da Praia do Campeche. O espaço será o palco do Noites Saravá, que nesta edição traz a lendária banda recifense Mundo Livre S/A novamente a Florianópolis, agora rendendo sua homenagem à história do mangue beat. A promessa é de uma noite épica para os fãs e apreciadores do movimento criado há 30 anos em Recife e que se transformou em uma das principais peças criativas da música brasileira do final do século passado – clique aqui para ter mais informações sobre o evento.

Quem mora pela região já pode deixar reservada a data na agenda. E aqui estão oito motivos para não perder o espetáculo de Fred 04 (voz, guitarra e cavaquinho), Pedro Diniz (baixo), Xef Tony (bateria), Leo D (teclados) e Pedro Santana (percussão). Bora?

Experiência presencial

O Mundo Livre S/A é conhecido por suas performances intensas e cheias de energia, proporcionando uma experiência musical inesquecível. Deste modo, não podemos esperar outra coisa que uma apresentação épica como foi aquele show no Riozinho, em janeiro de 2013.

Fusões musicais

O quinteto pernambucano mescla diferentes estilos musicais, como rock, samba, mangue beatelectronica e influências regionais tradicionais. Esta fórmula criou um som único e autêntico para fazer os puritanos passarem longe.

Repertório variado

De carreira extensa, a banda tem um repertório repleto de sucessos e hinos da música brasileira, como “Meu Esquema”, “Bolo de Ameixa”, “A Bola do Jogo”, “O Mistério do Samba” e “Livre Iniciativa”. De quebra, outras músicas compostas por Fred 04 (mais algumas do colega Chico Science, o falecido líder da Nação Zumbi, por exemplo) farão parte da apresentação, aquecendo o coração de todos que estiverem ali na plateia.

Performance marcante

Fred 04, o carismático vocalista, é conhecido por sua presença de palco que sempre envolve o público. Prestes a completar 58 anos, o autor do manifesto Caranguejos com Cérebro, que deu origem ao mangue beat, é sinônimo de contracultura brasileira e sabe como agitar a galera desde o minuto zero (quack!).

Atmosfera de festa

Os shows organizados pelo Saravá Cultural são uma verdadeira festa, sempre com clima descontraído, alegre e com ótimas atrações. Por isso, essa noite especial com o Mundo Livre S/A rendendo homenagem ao mangue beat e misturando isso com composições próprias é um convite a se divertir para valer.

Mensagens de resistência

As letras do MLSA abordam temas sociais, políticos e culturais de forma inteligente e provocativa, levando o público a refletir sobre questões importantes da sociedade. Ou seja, nada mais atual… embora estejam na estrada fazendo isso há 30 anos.

Músicos talentosos

Todos os integrantes são instrumentistas excepcionais. Dotados de habilidades técnicas diferenciadas, honram o legado da “Veneza Brasileira”. Sim, este é o apelido de Recife, a cidade que pulsa música boa há décadas e desenvolve talentos como a trupe que vem se apresentar neste especial da Saravá Cultural.

Legado histórico

O Mundo Livre S/A é considerado uma das bandas de maior influência e importância do rock nacional a partir da cena recifense do mangue beat dos anos 1990. Com mais de três décadas de carreira e dez álbuns lançados, o MLSA construiu uma história sólida na música brasileira, inspirando novas gerações de artistas e deixando um legado mais presente do que nunca, ainda na ativa, rodando e provocando por aí. Portanto, está dada a morta: prepare-se para uma noite cheia de emoções e momentos memoráveis de arte em seu mais puro estado.

Movies

Guardiões da Galáxia Vol. 3

Encerramento da trilogia do grupo de anti-heróis da Marvel conta a história do carismático guaxinim Rocket Raccoon

Texto por Andrizy Bento

Foto: Marvel/Disney/Divulgação

“Esta história sempre foi sua, você só não sabia disso”. O filme que encerra a trilogia da equipe mais disfuncional do MCU dá protagonismo ao carismático Rocket Raccoon e é um gigante megalômano com qualidades, defeitos e muito coração. Em suma, um filme muito humano.

Mesmo dentre os marvetes, há quem torça o nariz para os longas dos Guardiões da Galáxia. Mas a característica principal que sempre admirei nos filmes do grupo é o quão autossuficientes e independentes eles conseguem seguir do restante dos exemplares do MCU. Diferentemente dos demais, com seu caráter episódico, as obras dos Guardiões caminham mais com as próprias pernas, obviamente fazendo referências a toda estrutura Marvel nos cinemas, com citações e alusões a personagens e eventos ocorridos nos outros filmes da casa. Mas não é tão descaradamente um tie-in como seus pares, concentrando-se em contar uma história com começo, meio e fim, desenvolver seus personagens e trabalhar a dinâmica entre eles. Desse modo, esses longas têm o mérito (e em termos de MCU, é um mérito de fato!) de poderem ser curtidos independentemente de se ter visto as outras produções do estúdio ou não. O maior responsável por isso é o cineasta James Gunn, que assina a trilogia e é, seguramente, um dos poucos diretores autorais a assumir uma empreitada cinematográfica com o selo Marvel.

O desfecho da trilogia, Guardiões da Galáxia Vol. 3 (Guardians Of The Galaxy Vol. 3, EUA/Nova Zelândia/Frnça/Canadá, 2023 – Marvel/Disney) narra a história do misterioso personagem Rocket Raccoon (Bradley Cooper), que sempre carregou consigo uma revolta pela sua condição mas nunca explicitou, de fato, os motivos que o levaram a ser como é. Ele sempre optou por omitir detalhes sobre a origem de sua natureza adulterada, embora deixasse evidente o rancor consequente das modificações genéticas sofridas. Enfim, temos acesso a esse background e nos deparamos com uma história trágica que envolve experimentos científicos cruéis e desumanos com animais e, posteriormente, crianças. O responsável por isso, denominado Alto Evolucionário (Chukwudi Iwuji), intenta criar uma raça superior em um mundo perfeito. Já cegado pela sua obsessão, tomado pela ganância e completamente desprovido de qualquer traço altruísta, ele sequer enxerga as falhas em seu plano que resultaram no fracasso e tende a repetir o mesmo trajeto e conclusão de modo sucessivo. Sem se aprofundar muito nas temáticas mais espinhosas, Guardiões da Galáxia Vol. 3 é uma metáfora das próprias falhas da humanidade e do mau uso da ciência e tecnologia, que ultrapassa os limites éticos e morais, e da utilização de animais como cobaias para experimentos genéticos vis em laboratórios. No entanto, essas discussões se restringem a um plano mais superficial, em ordem de privilegiar a diversão e os efeitos especiais – marca registrada de qualquer filme da Marvel.

O longa abre com a toada melancólica de “Creep”, do Radiohead, em versão acústica, que Raccoon ouve no MP3 player de Peter Quill (Chris Pratt) enquanto este se embriaga pelo sofrimento da ausência de Gamora (Zoë Saldaña). A música, acompanhada pela voz martirizada de Raccoon, reflete sua própria natureza, bem como a cena ilustra a essência dos Guardiões da Galáxia no cinema: emocional e bem-humorado. Até agora, todos os filmes da equipe se comprometeram a arrancar risadas e lágrimas dos espectadores, com igual intensidade. E não é diferente neste terceiro exemplar.

Após o ataque súbito de um inimigo desconhecido – mais tarde identificado como Adam Warlock (Will Poulter) – a Luganenhum (QG, refúgio e cenário habitual das aventuras do grupo), Rocket acaba severamente atingido e, devido a um dispositivo letal presente em sua estrutura, não há meios de socorrê-lo. Na correria para salvar sua vida, os Guardiões devem unir a banda toda novamente, inclusive a Gamora da linha temporal ramificada e alternativa que emergiu em Vingadores: Ultimato – rebelde, impulsiva, egoísta, sem um traço da estoica que fora sacrificada por Thanos em Guerra Infinita e que não apresenta um resquício de sentimento por Peter Quill, rendendo sequências verborrágicas do autodenominado Senhor das Estrelas, que não hesita em expressar toda a sua mágoa e ressentimento. Obviamente, essa Gamora não possui qualquer interesse em salvar o guaxinim. Ela entra nessa para um objetivo específico dos Saqueadores, grupo espacial de criminosos chefiado por Stakar Ogord (Sylvester Stallone), ao qual se uniu após a morte de seu pai, Thanos (Josh Brolin).

Juntos novamente, os Guardiões precisam partir para o perigoso território do “criador” de Rocket e se infiltrarem na Orgocorp, uma empresa intergaláctica de bioengenharia fundada pelo Alto Evolucionário. Enquanto permanece desacordado e com a vida por um fio, toda a trajetória do guaxinim vai passando por sua mente e tomando a tela por meio de flashbacks. Há de se destacar o quão expressivos e tridimensionais são Raccoon e seus amigos do passado, também vítimas de modificações genéticas – mais do que muitos heróis que protagonizam as produções da casa, convém dizer.

Um dos pontos fracos dos filmes da Marvel Studios está em criar sólidos vilões, sempre apresentando nêmesis descartáveis para seus heróis (exceto por Thanos, que foi bem construído). Neste Guardiões não é muito diferente, mas pelo menos a performance do ator garante um inimigo deliciosamente histriônico pelo tempo em que acompanhamos a narrativa. Mais uma vez, uma produção do MCU exagera no CGI e na megalomania (maior e mais intensa a cada novo longa lançado). É realmente tão difícil assim criar uma boa história de super-herói sóbria e sem tantos excessos? Não. O último Batman nos provou isso, mas parece que Kevin Feige e sua turma não estão muito interessados nessa conversa. Outro ponto em que o filme peca é nos excessos musicais, nas tiradas cômicas e nas criaturas estranhas.

A trilha sonora dos longas dos Guardiões continua sendo a melhor da Marvel. Contudo, neste terceiro volume nem sempre as faixas surgem organicamente; ainda que pontuais e correspondentes a cada momento, é muito tempo desperdiçado com música embalando cenas que poderiam durar metade do tempo, enquanto diversos subplots são desfavorecidos. Nem todas as piadinhas funcionam, pois algumas soam por demais forçadas e com timing errado diante da necessidade de colorir o longa de humor. Quanto às criaturinhas que invadem a tela… Bem… A estética de sci-fi B dos anos 1970 e 1980 que os Guardiões da Galáxia evocam é sempre deliciosa de se apreciar e mostra que não há muito compromisso de se levar a sério demais, existindo com o propósito pleno de diversão. Nisso, este filme, bem como os demais, é honesto em suas intenções e carregado de despretensão. Mas o terceiro volume, em particular, exagera na concepção visual. De qualquer forma, tem um fundamento, afinal é de forma a alicerçar toda a estética de espaço exterior já introduzida nos episódios anteriores. E, como dito anteriormente, não é para se levar a sério.

Ainda no que se refere ao visual, a cinematografia por vezes vacila ao não valorizar a batalha das cenas com movimentos muito rápidos de câmera, embora no que concerne aos planos estáticos haja muito primor na composição dos frames, especialmente no que diz respeito ao jogo de luz e sombras (em perfeita alusão aos quadrinhos). Também há falhas visíveis e gritantes na montagem, com cortes muito secos e abruptos, que deixam os espectadores desnorteados em vários momentos. Mas o maior pecado do longa é o fato de transformarem Adam Warlock em um bobalhão… O personagem que, nas HQs, já conseguiu derrotar o poderoso Thanos, dá as caras pela primeira vez no MCU e se converte em uma enorme decepção, surgindo não apenas deslocado na narrativa, como estupidamente infantilizado.

Os méritos, ainda bem, se apresentam em muito maior número: além de focar sua narrativa no cativante Rocket Raccoon, preocupar-se em contar uma história com início, meio e fim, e proporcionar uma excelente, ainda que curta, batalha em plano-sequência (uma das mais divertidas e memoráveis do filme), Gunn se arrisca ao investir em mais violência e cenas de horror que tornam louvável o malabarismo do diretor em manter o longa no PG-13.

Guardiões da Galáxia Vol. 3 não é tão emocionante quanto Vingadores: Ultimato, como alguns exagerados afirmaram por aí. É um ótimo filme, superior a Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania, e que deve agradar especialmente aqueles que já curtiram os Guardiões nas obras anteriores. Destaca-se como uma das gratas surpresas de uma safra tão esquálida como foram a Fase 4 da Marvel e o início da Fase 5, com o último longa do Formiga. James Gunn é um cineasta vaidoso, excêntrico e, por vezes, caprichoso. Mas sabe como administrar bem um elenco numeroso e contar uma boa história com coração e humanidade nas telas. Sobretudo, nutre evidentes carinho e paixão pelo marginalizado grupo de anti-heróis que ficou incumbido de transportar para o cinema. E só isso já o torna uma das maiores aquisições e uma das mais sentidas perdas para o MCU, já que provavelmente, ele não retornará mais ao posto de diretor de um filme da franquia (não sei se vocês sabem, mas James virou um dos chefes da rival, DC Studios). Mas esperamos que seu exemplo seja seguido.

Music

Pitty – ao vivo

Em show de aniversário do álbum de estreia, cantora se emociona com lembranças, se vê madura e poderosa e “ressignifica” o passado

Texto por Marcos Bragatto (Rock em Geral)

Foto de Amanda Respício (Rock em Geral)

Um riff de guitarra bem distorcido quebra o silêncio no palco. Um átimo de segundo depois, o mesmo riff e a mesma distorção que, com as luzes agora acesas, vê-se que vem de uma guitarra atravessada no tronco de uma garota. Não uma qualquer, mas A garota, dona da festa toda e de mais um pouco. Garotas com guitarras costumam seduzir aos borbotões e é assim que dois varões, um de cada lado, juntam-se a ela no meio do palco, ao passo que outro, atrás, espanca os tambores sem dó e assim se faz a mágica do riff no rock’n’roll, condutor principal da tal música. É assim que Pitty, a tal garota com guitarra, comanda o singelo começo de “O Lobo”, a tal música, na noite de 29 de abril, um sábado, em uma Fundição Progresso com gente jorrando pelo ladrão, no Rio de Janeiro.

É o show que marca o aniversário de 20 anos – olhe só, vejam vocês – do álbum de estreia da cantora, Admirável Chip Novo, e o plano é tocar todas as músicas dele e otras cositas mas. É uma turnê revivalista, sim, mas Pitty, dada a rebeldias e não é de hoje, trata logo de desfazer o conceito e dizer que a apresentação é “uma ressignificação, o Chip Novo hoje”. Olhando para o palco, com o cenário criado para essa turnê, dá pra entender. Passarelas laterais com uma outra atrás da bateria, um telão low profile com cortinas sobrepostas ao fundo que recebem efeitos de luz simples, mas bastante eficientes. No começo, a imagem da “garrinchinha de botas e pernas tortas” no telão dá lugar ao mulherão em que ela se converteu que surge já de guitarra em punho, atrás da banda, no alto, detonando em “Teto de Vidro”.

É a abertura do álbum com a tríade matadora que tem ainda “Admirável Chip Novo” e a entrada de bateria, agora conduzida por Jean Dolabella (do Ego Kill Talent e com o Sepultura no currículo), e “Máscara”, coisa de arrasar quarteirão. E é isso que acontece com o povaréu que não se incomoda nem um pouco em participar, em frenético pula-pula e cantando tudo a plenos pulmões. As músicas são intervaladas por trechos de conversas da pequena Pitty (em ligação a cobrar de Salvador para o Rio) para tratar do envio do material que se tornaria esse disco e ainda se impondo ante a interesses da gravadora, que não curtiu, à época, a vontade da cantora de que “Máscara” fosse o primeiro single do disco. O resto é história e é muita história que se passa na cabeça de quase todo mundo ali – há jovens e muitos jovens há 20 anos ou mais, quando Chip Novo saiu.

Assim Pitty se esforça para segurar o choro e suplantar e emoção em várias passagens. Honra seja feita, embora tenha saído dos cafundós de Salvador, foi no Rio, por força da sede da gravadora, que ela deu os primeiros passos na carreira, tocando em tudo o que é canto underground da cidade, muitas vezes para alguns gatos pingados e em condições bem acanhadas, para dizer o mínimo. Diferentemente do trio que a acompanha – além de Jean, tem o ótimo guitarrista Matin Mendonça e o baixista Paulo Kishimoto – ela viveu tudo isso, o que carrega o espetáculo com mais emoção ainda. Pena que, nesse show, não tenha entrado nenhuma citação aos guerreiros da época: o guitarrista Peu, falecido em 2013; o baixista Joe, desafeto depois de questões levadas à justiça trabalhista; e o batera Duda.

show de íntegra do disco segue o desafio de tocar músicas que podem não ser tão conhecidas assim e que não eram executadas com frequência ao vivo nem na época em que foram lançadas. E também de tocar ou não todas elas na ordem em que foram gravadas – porque uma coisa é bolar uma sequência de disco, outra é de como apresentá-las no palco. É claro que Pitty foi na decisão corajosa de manter a ordem do CD, respaldada pelo fato de nada menos que cinco singles terem sido lançados na época, todos com boas execuções radiofônicas, em um tempo em que isso fazia a diferença. E, no fundo, no fundo, ela sabe que fã da Pitty – fã de rock – é quase sempre do tipo que conhece tudo. É o que acontece com a cantoria comendo solta em praticamente todas as músicas, em umas mais, noutras menos. E ainda tinha aqueles esperando justamente as menos tocadas ao longo da carreira.

Como por exemplo “Do Mesmo Lado”, rock enguitarrado dos bons, no qual Pitty canta “escondida” atrás de uma cortina branca e recebe focos de luzes coloridas, de modo que sua silhueta aparece distorcida e borrada, de acordo com os movimentos, em excelente efeito visual. Dá pra lembrar que “Só de Passagem” é uma pedrada nu metal das boas, e aí brilha Dolabella detonando na bateria; e a já citada “O Lobo” vira um rockão daqueles de obediência ao riff. Dentre os hits, vale destacar a lentinha “Equalize”, não pela música em si, mas por evidenciar uma Pitty bem resolvida com a sensualidade que parecia lhe incomodar. Se antes tinha dificuldade até para cantar uma letra mais de relacionamento/romântica, hoje desfila o corpo de modo soberano pelo palco e não só nessa música. E ainda recomenda ao público que “solte a pélvis”. É a tal da – repita-se – menininha convertida em mulherão.

O show é todo fechadinho em 1h40 e bolado para ser mesmo especial. É repartido em três blocos. Se o primeiro tem as 11 músicas do álbum Admirável Chip Novo, o segundo traz um complemento da época, com “Seu Mestre Mandou”, espécie de sobra, que se converte em nervoso hardcore dos tempos do Inkoma, e três covers, com destaque absoluto para “Love Buzz”, da banda holandesa Shocking Blue, eternizada na voz de Kurt Cobain, do Nirvana. No bis, é a hora da representatividade dos outros álbuns da cantora. Aí realçam “Memórias”, esticada com uma jam session em que cada músico é apresentado e sola em seu instrumento e tem Pitty refestelada no solo, e o arremate com “Me Adora”, a canção mais pop/colante dela e talvez a de maior sucesso, para terminar a altíssimo astral.

Em suma: o show é verdadeiro espetáculo planejado para uma ocasião especial e que tem vida própria. O que lhe dá, e antemão, o status de imperdível.

Set list: “Teto de Vidro”, “Admirável Chip Novo”, “Máscara”, “Equalize”, “O Lobo”, “Emboscada”, “Do Mesmo Lado”, “Temporal”, “Só de Passagem”, “I Wanna Be”, “Semana Que Vem”, “Seu Mestre Mandou”, “Sailin’ On”, “Love Buzz” e “Femme Fatale”. Bis: “Setevidas”, “Memórias”, “Na Sua Estante” e “Me Adora”.

Music

Lulu Santos – ao vivo

Show realizado no dia do aniversário de 70 anos do artista mostra erros e acertos e dá início à nova turnê Barítono

Texto por Carlos Eduardo Lima (Célula Pop)

Foto: Reprodução

Lulu Santos nunca foi um cantor na acepção da palavra. Tem afinação, noção e inteligência vocais mas ele sempre foi mais notável por conta de sua impressionante capacidade de compor canções de sucesso do que por cantá-las. Tudo bem, vários artistas são assim. A gente entende, compreende e aceita. Porém, à medida que o tempo passa, determinadas questões tendem a ganhar mais importância e, no caso de Lulu, passam a atrapalhar. A estreia de seu novo showBarítono, via especial no Multishow e Globoplay, exibida no dia 4 de maio, quando ele completou 70 anos de idade, mostrou que Lulu, infelizmente, tem uma capacidade vocal bastante reduzida hoje em dia. Mesmo mudando o tom de algumas canções, mesmo usando backing vocals, a impressão que se tinha era que ele explodiria as veias do pescoço.

Tudo bem, novamente. A gente sabe, a gente entende. Como disseram nas redes sociais, “Lulu tem 70 anos, isso deve ser levado em conta”. Ora, então o que fazemos com outros artistas que, mesmo depois desta idade: seguem nos palcos com capacidade pra lá de razoável?  Nem precisa ir muito longe: o que dizer de Maria Bethânia ou do próprio Caetano Veloso, que, como Lulu, também nunca teve grande capacidade vocal? Ou Guilherme Arantes, o finado Erasmo Carlos… Enfim, o fato é que o próprio Lulu percebeu e admitiu o fato, como revelou à apresentadora Fátima Bernardes em entrevista prévia: “Algumas canções dos meus primeiros dez anos de carreira ficaram muito complicadas para cantar”.

Lulu se saiu bem em momentos como “Aviso Aos Navegantes” e “Um Pro Outro”, cujos arranjos comportaram melhor seu registro atual, gravíssimo. Aliás, as escolhas no set list comprovaram outro dado crucial sobre sua carreira: sua capacidade de escrever sucessos se esgotou no início dos anos 2000. Nos 20 anos seguintes, sua fonte parece ter secado. Tudo bem que o álbum mais recente, Pra Sempre (2019), tem sonoridade respeitável e, pelo menos, duas belas canções: “Orgulho e Preconceito” (que entrou no set list) e a faixa-título, mas nunca poderiam ser comparadas a sucessos de outros tempos. Sendo assim, a mais recente que surge no roteiro deste show é “Já É”, de 2003, que, para compensar o fato, é uma das mais inspiradas criações da carreira do homem e foi hit enorme.

De resto, as canções com Gabriel O Pensador (“Astronauta” e “Cachimbo da Paz”, cantadas pela dupla nessa noite) e “Janela Indiscreta” (num bom resgate de repertório), todas do Acústico MTV, lançado em 2000, são as mais recentes se não for levada em conta também a inédita “Presente”. O forte se concentrou nos anos dourados da década de 1980, quando Lulu, de fato, foi absoluto. Porém, mesmo com canções do calibre de “Casa”, “Condição”, “Satisfação”, “Tempos Modernos”, “Um Certo Alguém”, “A Cura” e várias outras no bolso do colete, a questão do registro vocal puxou a coisa para baixo. Pelo menos para ouvidos mais exigentes. A banda que o acompanha é competente e enxuta, com destaque para o baixista Jorge Ailton – que também ajuda nos backing vocals – e o baterista Sergio Melo, que segura a onda com firmeza e joga para o time, mas não consegue driblar a limitação vocal. Em tempo: se há algo realmente notável na banda, é o próprio Lulu, que segue como um dos grandes guitarristas da história do pop rock nacional em todos os tempos.

No Teatro Multiplan (RJ) com a plateia com vários globais – que iam de integrantes da Central Globo de Jornalismo a pessoas como o chef Felipe Bronze, o cantor Leo Jaime, o genial comentarista carnavalesco Milton Cunha e uma procissão de rostos novos que me pareceram absolutamente desconhecidos –, o clima do show era de uma grande festa da firma, com um convidado especial, que também é da firma (lembrem-se, desde 2012, Lulu Santos é jurado do The Voice – ironia define).

Lulu é artista competente e dono de uma carreira com muito mais acertos do que erros. Torço para que sua turnê Barítono o leve para palcos mais diversos e interessantes.

Set list: “Toda Forma de Amor”, “Um Certo Alguém”, “O Último Româmtico”,  “Janela Indiscreta”, “Adivinha o Quê?”, “Tudo Azul”, “Assaltaram a Gramática”, “Cachimbo da Paz”, “Astronauta”, “De Repente”, “Tempos Modernos”, “Tudo Com Você”, “Esse Brilho em Teu Olhar”, “A Cura”, “Apenas Mais Uma de Amor”, “Um Pro Outro”, “Presente”, “Orgulho e Preconceito”, “Satisfação”,  “Condição”, “Aviso Aos Navegantes”, “Já É”,  “Assim Caminha a Humanidade”, “Lua de Mel”, “Sereia”, “De Repente Califórnia” e “Como Uma Onda”. Bis: “Tudo Bem”, “Certas Coisas”, “Tão Bem”, “Lei da Selva” e “Casa”.

Music

Hoodoo Gurus – ao vivo

Apesar do repertório irregular, australianos se garantem no Rio de Janeiro com músicas novas, boas lembranças e performance bem ajustada

Dave Faulkner (Hoodoo Gurus)

Texto por Marcos Bragatto (Rock em Geral)

Fotos de Daniel Croce (Rock em Geral)

A noite é a do tipo “fadada a recordações”, diria o velho homem da imprensa, e o momento especial não poderia ser outro, mesmo porque é único. Sim, só aconteceria mesmo no Brasil (só no Rio?), onde a dobradinha de canções, que passaria batida em todo o mundo aqui tem um significado realmente especial e precisa ser tocada. Tem que por no contrato que tem que ser assim. Por isso, quando os primeiros acordes da primeira música aparecem, o público vem abaixo, piração total. E quando a segunda vem quase emendada, aí a loucura é generalizada. É assim que o excelente público que encheu o Metropolitan (ops, Qualistage), reage no auge do show do Hoodoo Gurus, na sexta 14 de março, no Rio de Janeiro.

Explica-se que tanto “Out That Door” – a primeira – quanto “What’s My Scene” – a segunda – cederam trechos para vinhetas para a programação da Rádio Fluminense FM, que marcou fortemente a derradeira passagem da emissora de Niterói pelo dial na primeira metade da década de 1990. Ou seja, motivo de emoção e saudades de um tempo marcante de verdade. Era a época em que a rádio cobria competições de surfe e as músicas que os surfistas brasileiros ouviam quando iam competir na Austrália rodavam forte na programação, ganhando a pecha de surf music, sem ter nada a ver com o subgênero criado por Dick Dale, Beach Boys e afins. A coisa cresceu tanto que todas essas bandas (parte da new wave/pós-punk/rock australiano oitentista) fizeram turnês concorridas nos anos subsequentes por aqui. A do Hoodoo Gurus, em 1997, por exemplo, lotou duas noites seguidas deste mesmo Metropolitan.

Dito isso – saudosismo uma ova! – o fato é que nesse meio tempão a banda acabou, voltou com discos pouco ouvidos e agora está na turnê do novo álbum, o bom Chariot Of The Gods, que saiu no ano passado. Dele são apresentadas quatro faixas: as boas “World Of Pain”, que abre a noite, e “Equinox”, “uma canção sobre boa sorte”, cantada pelo guitarrista Brad Shepherd; e as nem tão legais assim “Chariot Of The Gods”, a faixa-título, e “Answered Prayers”, que emula Echo & The Bunnymen e não esconde as origens 1980s da banda. Uma pena terem ficado de fora, desse disco novo, três das melhores músicas: “Get Out Of Dodge”, “My Imaginary Friend” e “Carry On”, dotada de um refrãozaço daqueles (procure saber!).

Montar set list, veremos, não chega a ser uma virtude desses aussies. Mas compor música boa, sim, e, vamos e venhamos, em mais de 40 anos de estrada, há um bocado delas pro público cantar do início ao fim. Caso de, por exemplo, “If Only…”, da época em que a banda circulou por aqui, com Dave Faulkner (vocal e guitarra) colocando a massa pra cantar; “Come Any Time”, na abertura do bis; e da deliciosamente pop colante “I Want You Back”. Além de Faulkner e Shepherd, estão na formação o baixista Richard Grossman, completando a trinca remanescente dos shows noventistas por aqui, e o batera Nik Rieth, novo na turma, mas cascudaço. É evidente em todo o show a performance bem ajustada do quarteto e os fabulosos backing vocals de Grossman e Brad Shepherd, inclusive nas músicas do disco novo, que se completam com a voz de Dave Faulkner – este, a propósito, com o falsete em dia.

show só engrena da metade para o final, o que se explica, de certo modo, pela escolha do repertório. Músicas como “Tojo” e “Poison Pen”, por exemplo, poderiam tranquilamente ser limadas, e não é porque “Leilani” é a primeira música composta pela banda que tem que ser tocada em todos os shows. De outro lado, que falta fazem temas como “A Place In The Sun”, “Down On Me” e “In The Middle Of The Land”, só para citar três das grandes ausências. O que não invalida momentos lindos com em “Castles In The Air” e “1000 Miles Away”, no bis, além da piração total da dobradinha “Out That Door” e “What’s My Scene”, citada lá em cima. O que, no fim das contas, faz dessa passagem do Hoodoo Gurus pelo Rio uma noite e tanto. Que voltem sempre que tiverem um novo álbum pra mostrar!

Na abertura, a banda cover VAAR Surf Band comandou um bailão daqueles. O grupo parece especializado em tocar as músicas das bandas oitentistas australianas – a tal da surf music australiana, vá lá. E aí é um Gang Gajang aqui, um Midnight Oil acolá e outro Spy Vs Spy, tudo hit que todo mundo conhece e curte o tempo todo. O bom é que o quarteto se garante no palco e se esforça para tocar tudo igualzinho às versões originais, a ponto de o vocalista se dividir entre violão, harmônica e até um trompete. O ruim é a execução no final de um inacreditável medley que incluiu Red Hot Chili Peppers e REM juntos! Mas que animou a turma, isso animou.

Set list: “World Of Pain”, “Another World”, “The Right Time”, “The Other Side Of Paradise”, “I Was The One”, “Leilani”, “Answered Prayers”, “Night Must Fall”, “Tojo”, “If Only…”, “Chariot Of The Gods”, “I Want You Back”, “Poison Pen”, “Equinox”, “Castles In The Air”, “Out That Door”, “What’s My Scene”, “Bittersweet” e “I Was a Kamikaze Pilot”. Bis: “Come Anytime”, “1000 Miles Away” e “Like Wow – Wipeout”