Novo álbum solo do vocalista do Radiohead ganha ainda mais beleza quando transformado em curta dirigido por Paul Thomas Anderson
Textos por Leonardo Andreiko
Foto: Netflix/Divulgação
Já se pode encarar Thom Yorke como uma figura marcante do cenário musical das últimas décadas. À frente do Radiohead, ele marcou o rock alternativo, sempre inovando em estilo, sonoridade e atitude. Com o Atoms For Peace, mesclou sua musicalidade melancólica com o caos eletrônico. Em seu projeto solo, intensificou o sentimento a um nível muito mais cru e denso. Depois de The Eraser (2006) e Tomorrow’s Modern Boxes (2014), Yorke lança Anima, com direito a um curta-metragem assinado por Paul Thomas Anderson.
Em todos seus projetos, há uma similaridade: o produtor Nigel Godrich. Com ele, Thom constrói o ambiente distópico de seu novo álbum com maestria, soando de maneira semelhante ao álbum AMOK (2013), do grupo Atoms For Peace, em que ambos trabalharam com o baixo de Flea, dos Red Hot Chili Peppers. Envolventes batidas fortemente eletrônicas se iniciam desde “Traffic”, sua primeira faixa. No entanto, parece haver um intenso flerte com a estética da música pop permeando as primeiras faixas de Anima, mas dura pouco. Lentamente, o ambiente volta a soar como os últimos trabalhos de Yorke, seja com o AFP ou no Radiohead.
Num vai-e-volta entre fortes sintetizadores e sua mescla com instrumentação orgânica baseada em cordas, o estilo de Anima não se distingue muito da identidade já consagrada por seu autor. A quarta faixa, “Dawn Chorus”, prova, no entanto, que esta identidade esta longe de transmutar-se em repetição incessante da mesma ideia. Sua simples conjunção de um poema com uma base de sintetizadores em loop é parte vital do curta-metragem de Anderson – que, por si só, receberá atenção exclusiva mais abaixo.
A partir de “I Am A Very Rude Person” (que sucede “Dawn Chorus”), Yorke e Godrich parecem voltar-se ao ritmo de seus antigos discos com o Radiohead. O baixo assume um papel importante, enquanto os sintetizadores e desesperadores instrumentos de percussão se apequenam, tomando protagonismo aqui e ali. Assim, os artistas parecem mesclar aquilo que fariam em seu projeto solo com sons que se coadunam com a identidade musical de Radiohead.
“Impossible Knots”, a penúltima música, traz à tona um groove surpreendente, ainda que esperado, em paralelo à ambiência de fortes sintetizadores. A melhor trabalhada conjunção da vertente eletrônica do compositor com sua raiz no rock. O álbum se encerra com “Runwayaway”, faixa que, por sua vez, se destaca pelo protagonismo da guitarra de Thom, acompanhada das suprimidas batidas comuns à obra do artista.
A melancolia anteriormente ressaltada se mescla, em Anima, à vibração caótica da timbragem eletrônica característica de seu autor. Suas melhores faixas, “Dawn Chorus” e “Impossible Knots”, trabalham, dicotomicamente, a monotonia sintética e o groove incorporado ao eletrônico, produzindo um bom panorama da intensidade de experimentação à qual Yorke e Godrich se propõem. Se possível, Anima é um álbum que deve ser apreciado antes de sua contraparte fílmica.
***
Grandes artistas, quando em conjunto, superam as expectativas. Ao passo que a rotina de cabines de imprensa obriga a supressão de quaisquer sentimentos similares direcionados aos filmes, o anúncio relâmpago do curta-metragem de Paul Thomas Anderson, inspirado no novo álbum de Thom Yorke, acendeu um forte hype em minha rotina. Com apenas quinze minutos, o filme é um one-reeler sem diálogo algum (one-reeler foi um estilo recorrente de curta-metragens na época dos filmes silenciosos; o nome provém do fato destes, geralmente comédias ou cartuns, estarem contidos em um único rolo de filme e cada um destes suportava aproximadamente onze minutos de duração). Ainda assim, é muito mais emocionante que a maioria dos lançamentos deste ano nos cinemas brasileiros.
Em Anima, o vocalista do Radiohead assume o protagonismo de uma narrativa distópica e subjetiva. Nela, Yorke parece ser o único personagem a não agir conforme o esperado. Embalados por três músicas de seu álbum, os dançarinos figurantes mimetizam uma sociedade apagada e presa no piloto automático.
Com um roteiro nada convencional, Anima atiça seu espectador a buscar interpretações para sua trama, de forma a tornar injusta a exposição de minha leitura da semântica do filme, a fim de não viciar o olho do leitor. Esta não é uma obra difícil de se entender, mas é fortemente subjetiva e carregada de argumentação sociopolítica.
Em seus dois primeiros atos, cada um movimentado por uma música diferente, Anima introduz a ambientação e seu protagonista ao som de fortes faixas de glitch pop: “Not The News” e “Traffic”. Sua arte e direção homenageiam os primórdios do cinema, com tratamento a la Buster Keaton do protagonista e cenários inspirados naqueles consagrados pelo impressionismo alemão. Thom percorre longos corredores monótonos que parecem ter fugido das narrativas de Nosferatu ou de O Gabinete do Doutor Caligari.
Sua grande transição vem em sua conclusão ao som de “Dawn Chorus”. Tal como a faixa, é uma parte aterrada, focada no exterior e não tão distópica. Thom e sua acompanhante, interpretada pela italiana Dajana Roncione, dançam uma coreografia íntima assinada por Damien Jalet, belga que trabalhou com o cantor na mais recente versão do longa Suspiria.
A fotografia em filme do franco-iraniano Darius Khondji alia-se ao pensamento de Anderson, abusando do granulado para ressaltar Yorke numa estética que beira as escalas de cinza. Ainda é mérito do diretor a mescla incrivelmente bem sucedida de seu estilo com a música de Thom e, principalmente, a homenagem aos clássicos do cinema.
Anima é um filme incrivelmente poético, tanto em linguagem quanto em sua trilha sonora. Por seu tamanho e magnitude inversamente proporcionais, é um curta-metragem que deve ser estudado por amantes da sétima arte. Espero que surjam mais obras-primas como esta da união entre o músico e o cineasta.