Banda de suma importância na história do rock latu sensu acerta sua dívida de 35 anos de atraso com os cariocas com apresentação impecável

Texto por Carlos Eduardo Lima (Célula Pop)
Foto: Instagram Pixies
Terça-feira, 11 de outubro de 2022: é a primeira vez que os Pixies sobem em um palco na cidade do Rio de Janeiro. São 35 anos de atraso, se levarmos em conta o lançamento do primeiro disco oficial do grupo, o EP Come On Pilgrim. Mesmo que não nos prendamos apenas aos números, é tempo demais. E esta espera criou sensações interessantes na gente, que está aí há muito tempo, escrevendo e pensando sobre música pop.
O Vivo Rio é uma casa de médio porte, situada no Centro do Rio de Janeiro. Estava lotada às 21h30, quando Frank Black/Black Francis deu o sinal para o começo da apresentação. A partir dali, seriam duas horas ininterruptas de demonstrações inequívocas de quanto o Pixies é uma banda decisiva para a história do rock latu sensu.
Antes, porém, uma digressãozinha. Dá um certo orgulho inexplicável em ver o Vivo Rio lotado para os Pixies. Por mais que seja uma banda conhecida e veterana, não é exagero pensar que a imprensa alternativa brasileira (e carioca) tem um enorme quinhão nisso. Desde o início dos anos 1990, com Rio Fanzine e Rock Press à frente, a gente vem falando maravilhas sobre o quarteto de Boston e do quanto ele influenciou o último suspiro de criatividade do rock no mundo, a saber, o rock alternativo americano dos anos 1990. Junto com Sonic Youth e REM (ambas já aposentadas), Pixies foi quem definiu padrões, provou ser possível aliar peso e loucura sonora com letras surreais e, ainda assim, induzir as pessoas à dança. Porque a grande invenção dos caras oscila entre a oposição súbita entre esporro e silêncio e as maravilhosas linhas de baixo se unindo à bateria num movimento contínuo de pavimentação para que as guitarras – de Francis e do impressionante Joey Santiago – possam flanar.
Ontem ficou muito claro o valor dessas invenções musicais. Ao vivo, com um bom som, a alquimia entre o ótimo e subestimado baterista David Lovering e a baixista-simpatia Paz Lenchantin (substituindo a mãe da criança, Kim Deal) fica ainda mais evidente e forte. Lovering não para, Paz toca a maior parte do tempo voltada para ele, numa apresentação dentro da apresentação da banda. Os dois se entendem por telepatia e fazem milagres sônicos sem qualquer preocupação em rebuscamentos, peripécias e presepadas desta natureza. Aliás, o show dos Pixies é zero fanfarronice. Não tem “Boa noite, Rio!” em português, não tem cover de “Garota de Ipanema”, não tem nem “thank you” entre as músicas, que a banda enfileira sem intervalos e sem sair do palco em qualquer momento. É uma porradaria ininterrupta de duas horas. E isso lava a alma da gente.
O show de ontem não teve o bis protocolar, mas teve o maior número de músicas dentre as apresentações regulares que a banda vem fazendo para divulgar o bom novo álbum, o recém-lançado Doggerel: 38 canções. O novo trabalho fornece quatro números, tocados em sequência, numa espécie de meiuca do show (“Vault Of Heaven”, “Who’s More Sorry Now?”, “The Lord Come Back Today” e “There’s a Moon On”, o single). Em seguida, o ritmo é retomado com uma catártica versão de “Gigantic”, um dos maiores clássicos do grupo, minha preferida pessoal. Aliás, é comovente ver uma apresentação em que uma banda já inicia os trabalhos sacando duas canções monstruosas de seu catálogo: “Gouge Away” e “Wave Of Mutilation”, que já dão a noção exata para o público de onde está, o que está vendo e o que ainda está por vir.
E o que veio foi um massacre. Teve “Crackity Jones”, a cover de “Head On” (do Jesus And Mary Chain), a lindeza de “Monkey Gone To Heaven”, “Cecilia Ann” (dos Undertones), “Tame”, “Debaser”, “Hey”, “Here Comes Your Man”, “River Euphrates”, “Velouria” (outra lindeza querida), a versão UK Surf de “Wave Of Mutilation” e o fecho surreal com a hipnótica “Where’s My Mind?” mais a cover abençoada para “Winterlong”, de Neil Young, que o grupo registrou no longínquo e definitivo tributo ao canadense, The Bridge. Enquanto as canções eram executadas em versões muito próximas aos originais, deu pra entender de forma inequívoca de onde vieram o brilho de bandas subsequentes na história daquele rock guitarreiro americano, de Weezer a Nirvana, todo mundo bebendo avidamente desta mesma fonte.
Ao fim do show, ouvidos zumbindo como se um airbus estivesse taxiando dentro do cérebro, pensei em como a apresentação do Vivo Rio foi quase um ajuste de contas com a cidade e com a gente, da imprensa alternativa, que ainda insiste em achar que um show assim, de uma banda dessas, pode fazer a diferença na vida das pessoas. A felicidade nos rostos grisalhos do público que lotou o espaço ontem dava conta exatamente disso. Parabéns pra nós todos, banda e plateia, se encontrando depois dessa paixão acompanhada e vivida de longe. A gente mereceu.
Set List: “Gouge Away”, “Wave Of Mutilation”, “Broken Face”, “Crackity Jones”, “Head On”, “Isla de Encanta”, “Monkey Gone To Heaven”, “Something Against You”, “Human Crime”, “Cecilia Ann”, “Planet Of Sound”, “St. Nazaire”, “Vault Of Heaven”, “Who’s More Sorry Now?”, “The Lord Has Come Back Today”, “There’s a Moon On”, “Gigantic”, “Bone Machine”, “Cactus”, “I’ve Been Tired”, “Tame”, “Debaser”, “Hey”, “Caribou”, “All The Saints”, “Death Horizon”, “Here Comes Your Man”, “Vamos”, “Nimrod’s Son”, “The Holiday Song”, “Motorway To Roswell”, “I Bleed”, “River Euphrates”, “Rock Music”, “Velouria”, “Wave Of Mutilation (UK Surf)”, “Where Is My Mind?” e “Winterlong”.
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