festival, Music

Saravá Festival 2024

Oito motivos para não perder a próxima edição do evento que vai muito além da música e ainda fará sua estreia em novo endereço 

Johnny Hooker

Texto por Frederico di Lullo

Fotos: Divulgação

Com atrações de peso nacional que não pisavam na Ilha da Magia há muitos anos, o Saravá Festival promete trazer muita cultura e diversidade musical para o verão de 2024 em Florianópolis. Em sua décima edição, marcada para 20 de janeiro, o festival já se afirmou como referência no sul do Brasil, agregando (e muito) na cena cultural não só da cidade, mas também de todo o estado de Santa Catarina.

Por isso, o Mondo Bacana elenca oito motivos para não perder o evento (mais informações voc6e tem clicando aqui). Bora saravar à vontade? 

Campeche

Só faltava o Saravá mesmo. A partir de agora, o festival muda seu endereço para o Campeche, mais precisamente para a Arena Império das Águas. O espaço, também utilizado por festivais como Arvo, Floripa Eco e TUM, encontra-se localizado no sul da Ilha. Conhecido por ser um redutor culturalmente rico e com uma ampla e efervescente comunidade de músicos e surfistas, o bairro ainda é o palco do melhor pôr-do-sol de Floripa. 

Acessibilidade e equidade de gênero

Como de costume, o Festival Saravá é um espaço inclusivo e acolhedor, com diversas ações que demonstram isso. Por exemplo, existe Lista Free para o público PCD e trans, além de intérprete em libras em todos os shows. Outro ponto interessante é que, recentemente, recebeu da WME (Women’s Music Event) o selo Igual, pela equidade de gênero presente na equipe e no line-up. Com este destaque, o Saravá se alinha aos principais eventos de música no país, como Primavera Sound, Balaclava e Bananada Festival. Toda a inciativa engrandece o tema do festival este ano: “Seja livre para ser quem quiser”, que incentiva ao público a abraçar a sua diversidade e suas diferenças e ser livre para habitar o evento. 

Sustentabilidade

Outro compromisso do Saravá é proporcionar arte, cultura, inclusão e diversidade trabalhando de forma sustentável, causando o mínimo de impacto na criação de resíduos. Os números de 2023, divulgados pela organização, dizem que 92,32% dos resíduos do festival tiveram sua destinação ecologicamente correta.  O festival é também carbono neutro e ganhou uma certificação da ONU por neutralizar a emissão de gases de efeito estufa, sendo equivalente a dez toneladas de CO2. Isso sim é música com propósito! 

Diversidade artística

Além das apresentações musicais, o Saravá é conhecido por abrir espaço para outras manifestações artísticas. Nesta edição haverá grafite, pintura e exposição visual, além de intervenções, danças urbanas e performance com fogo.

Alcione

Com mais de 50 anos de carreira, a Marrom promete tremer a ilha com seus muitos sucessos. Dotada de uma voz poderosa a inconfundível, Alcione é famosa por suas performances cheias de energia e paixão. Por isso, espera-se uma conexão com todos os presentes durante um dos shows mais aguardados na Ilha de Santa Catarina neste próximo ano.

Djonga

Considerado um dos nomes mais influentes do rap nacional, Gustavo Pereira Marques, mais conhecido como Djonga, promete uma apresentação explosiva nesta edição do Saravá. Extremamente criativo e atuante em cena, ele vem lançar em Floripa o seu sétimo álbum, o recém-lançado, Inocente “Demotape”.

Gilsons e Rachel Reis

Eles são quase como pratas da casa. Os Gilsons desta vez convidaram Rachel Reis para um show alto astral e que promete não deixar ninguém parado! Depois da parceria de sucesso na canção “Bateu”, a turma prepara uma apresentação histórica e certamente inesquecível para quem estiver no Campeche. 

Johnny Hooker

A espera de meia década acabou! Hooker, que não se apresenta na capital catarinense desde 2018, volta à cidade depois de despontar como um dos maiores nomes da atual música pop brasileira. Para isso, prepara um repertório que irá misturar seus principais sucessos dos seus três álbuns: Eu Vou Fazer Uma Macumba Pra Te Amarrar, Maldito! (2015), Coração (2017) e ØRGIA (2022).

Movies, Music

Me Chama Que Eu Vou

Documentário revive a trajetória do furacão “cigano” Sidney Magal, que varreu a música brasileira a partir do final dos anos 1970

Texto por Abonico Smith

Foto: Vitrine Filme/Divulgação

No final dos anos 1970 um furacão varreu a música verdadeiramente popular brasileira. Não houve como passar incólume. Muita gente gostava, adorava, não tirava os olhos da televisão quando ele aparecia nos programas de auditório. O mais importante: sabia cantar a letra todinha, assoviava a melodia. Todo dia, o tempo inteiro. E não eram só mulheres. Muitos homens também. E claro, muitas crianças. Afinal, não tinha como não se apaixonar por aquela figura esguia de fartos cabelos negros encaracolados dançando e rebolando sem paridade em nosso país e cantando letras imageticamente fortes, extrapolativamente sensuais.

Argentino que havia sido artista de rock nos anos 1960, Roberto Livi estava no Brasil na condição de empresário de artistas e produtor fonográfico. Sua missão mais importante era descobrir novos artistas para projetar suas carreiras e fazê-los vender muitos discos e shows. Foi assim com nomes como Alcione e Peninha, por exemplo . Com Sidney Magalhães também. Aliás, Magal, rebatizado sem a metade do sobrenome oficial desde que voltara de uma viagem pela Europa para tentar a carreira artística cantando e dançando nos seus vinte e poucos anos. O shape de Sidney Magal já existia antes mesmo de Livi descobri-lo. Fazia sucesso na noite, soltando o vozeirão no palco de uma churrascaria na Barra da Tijuca, já com o mesmo figurino exótico (couro, correntes grossas, cabelão, peito nu, preto como cor dominante) utilizado quando passou a gravar discos. Aliás, Magal desde sempre foi um artista não apenas para ser ouvido, mas principalmente para ser visto. 

Recém-estreado em circuito nacional, Me Chama Que Eu Vou (Brasil, 2022 – Vitrine Filmes) disseca o personagem Sidney Magal através da ótica e dos comentários de seu criador Magalhães. É aquele documentário básico e clássico, cronologicamente linear, que vai da gestação da carreira em seus momentos prévios aos tempos de hoje, passando, claro, pelo apogeu, decadência, redescoberta e renascimento artístico. Bom para quem não conhece direito a sua história, mas também curioso para quem acompanhou tudo isso em tempo real no decorrer das décadas. Prato cheio aliás, é o tratamento dado pela mídia durante os três primeiros álbuns. Além de algumas imagens da época, o crème de la crème são as entrevistas para TV e sobretudo as revistas de fofoca e semanários jornalísticos. Mesmo que aparecendo de maneira fugaz na tela, as páginas diagramadas com textos, fotos e manchetes são uma delicia de serem lidas. Nestas cenas são reveladas todo o fascínio com o qual a imprensa tratava aquela persona rebolativa que pervertia a MPB. A elite o tachava de brega. Os mais preconceituosos não conseguiam compreender que aquela figura já havia sido criada antes mesmo do lançamento do primeiro disco. Muita gente o considerava uma estrela fabricada pela indústria fonográfica, um “cigano de araque, fabricado até o pescoço” (como cantava Rita Lee, de pura pirraça, na segunda versão da letra da não menos debochada canção “Arrombou a Festa”, no qual espinafrava os nomes mais importantes da música nacional da época). Uma das reportagens até dava a receita para se “fabricar” um ídolo.

O que poderia jogar contra o documentário dirigido por Joana Mariani acaba, entretanto, sendo o maior trunfo dele. O filho do cantor, um dos entrevistados, também assina a obra como coprodutor-executivo. Mas também não se pode dizer que Me Chama que Eu Vou seja um filme chapa-branca. Mesmo porque, fora a polêmica sociológica do início de carreira, Sidney Magalhães nunca foi uma figura de fato polêmica. Nunca precisou esconder na de sua vida, nem mesmo protagonizou escândalos pessoais de qualquer tipo. Por isso mesmo nunca foi necessário Mariani sequer pensar em qualquer outra narrativa para o doc. Magal ainda ajuda por ser uma pessoa extremamente organizada, sobretudo no que tange ao arquivo de itens sobre a sua trajetória artística. Ele, sempre que pode, guarda até hoje recortes, cartazes, fotos. Se todo este material enriqueceu muito o material apresentado na edição final (inclusive coisas pré-estouro nacional nas rádios e TVs) dá para ficar imaginando todo o resto que ficou de fora da montagem.

O trabalho de Mariani é bastante elucidativo ao jogar luz para os espectadores compreender algo que talvez muitos deles não saibam: a diferença tamanha entre o que são os dois Sidneys. Enquanto o Magal é espalhafatoso, sensual e ousado, o Magalhães é quieto, família e até certo ponto conservador nos costumes (inclusive os musicais). Aliás, o gosto pelas canções mais tradicionais (bossa nova, sobretudo) veio de casa. Tia tocando piano, mãe apaixonada por canto (a ponto de se lançar na carreira depois da fama do filho, aproveitando inclusive para usar o pseudônimo dele), primo dos mais festejados pelas artes brasileiras. Para quem não sabe: o tal primo era ninguém menos que o poetinha Vinicius de Moraes, letrista de algumas das principais canções em língua portuguesa.

Só que Vinícius nunca compôs uma letra para Sidney gravar, mesmo porque o garoto mais novo nunca ficou insistindo nisso. Nem precisaria mesmo. Com versos afiados (e quentes, muito quentes!) como os da polca “Sandra Rosa Madalena, a Cigana” e a meio rumba meio disco “Meu Sangue Ferve Por Você” , não há como não cantar junto com Magal e suas reboladas. Outras versões em nosso idioma também são poderosas. O rock “Tenho” veio importada do repertório do famoso cantor argentino Sandro Anderle (1968), também com estilo visual cigano e principal referência de Livi ao trabalhar com Magal. De outro portenho, o cantor de boleros Cacho Castaña, o produtor trouxe outra disco music, “Se Te Agarro Com Outro Te Mato”, seu primeiro compacto, lançado em 1977, com direito até a guitarra turbinada por um discreto porém não menos poderoso e psicodélico pedal fuzz.

O que o documentário não fala (infelizmente, porque seria uma informação mais completa e não desmereceria de maneira nenhuma a carreira do carioca) é que o grosso dos hits dos anos dourados de Magal são compostos por versões. “Meu Sangue Ferve Por Você”, no caso, é versão de uma versão. A original é francesa e teve duas letras e gravações em 1973: uma em inglês, pelo artista Sunshine, sob o nome de “Melody Lady”; a outra, em francês, por Sheila (que anos depois viria a apostar na disco music como Sheila B Devotion), chamada “Mélancolie”. O argentino Sabú pegou a mesma base sonora e levou a canção para o espanhol, agora como “Oh Cuanto Te Amo”. Deste sucesso veio a ideia para a letra “quente” de Magal. Também de Buenos Aires veio mais um rock, “Amante Latino”, gravada com o andamento um pouco mais desacelerado por Rabito em 1974.

A segunda parte do trabalho de Joana foca na ruptura da parceira entre Magal e Livi e a espiral descendente na qual seu trabalho caiu logo no começo dos anos 1980. Curiosamente, tudo surgiu do esgotamento da fórmula da imagem forjada de cigano. A letra “Sandra Rosa Madalena”, idealizada por Livi, pode ter forjado a imagem de Magal, que tinha apenas um fiapo de ascendência cigana lá pelo lado de uma tataravó, e catapultado o artista ao estrelato, mas também fora a maldição da qual ele tentou se livrar. Por diferenças pessoais e profissionais rompeu os laços com seu produtor e lançou-se na música romântica, incentivado pela gravadora, com outro look, de gomalina e cabelos presos com rabo de cavalo. Lançou vários discos mas nenhuma música nova fez sucesso. Na época em que Magal mais tentou sair do personagem e passar a ser ele mesmo – inclusive se casando e tendo filhos, contra a vontade de seu até então mentor de bastidores, que considerava ser o suicídio de um ídolo abrir o jogo da vida pessoal para seus fãs. Aí que entra uma fase interessante do filme, com Magalhães refletindo sobre os efeitos colaterais da mudança e os atos para a sua reinvenção, mudando-se para a Bahia e atuando como ator de novelas e cantor de teatro musical, inclusive sendo convidado e dirigido por Bibi Ferreira. Até a reviravolta provocada pela chegada da febre da lambada, o sucesso de “Me Chama Que Eu Vou” com tema de abertura da novela da Globo (em um período em que isso ainda representava um bilhete premiado de loteria para um artista da música) e a consequente redescoberta do cantor pelas geração MTV Brasil. Todo este período de ostracismo e redenção, sob a análise do próprio Sidney (mais uma boa dose de sentimentalismo familiar) funciona contra a tentadora queda para uma possível glorificação do astro de um documentário.

Me Chama Que Eu Vou, o doc, não só informa aquele que não conhece direito a trajetória do ídolo. Gráfica e ritmicamente dinâmico, sobretudo na fase inicial da fama, diverte todo mundo. Como uma apresentação do “falso” cigano, seja em um show completo ou apenas em um número em antigos programas de auditório na TV. Aliás mais do que produto da mera mente comercial de Livi ou resultado do puro instinto daquele jovem que cresceu banhado em arte e só queria fazer da vida o ato de cantar e dançar, Sidney Magal é fruto daqueles tempos de recente formação de redes nacionais de televisão, proporcionadas pela possibilidade cada vez mais barata de transmissões via satélite (leia-se anos 1970 em diante). Sorte de quem faz audiovisual e de quem gosta de ver documentários.