Aaron Sorkin revive o famoso julgamento de grupo de ativistas que marcou a conturada política dos EUA no fim da década de 1960

Texto por Leonardo Andreiko
Foto: Netflix/Divulgação
Há filmes políticos cujo conteúdo não reproduz eventos históricos, mas gira ao redor de conceitos e discussões da sociedade. Também, há aqueles que reproduzem a história política como mera representação histórica, sem discursar de maneira politicamente efetiva, e, finalmente, os que utilizam os fatos históricos como chave interpretativa – e efetivamente política, portanto –– para a conjuntura atual, seja por contraste, aproximação ou quaisquer outras abordagens.
Os 7 de Chicago (The Trail Of The Chicago 7, Reino Unido/Estados Unidos, 2020 – Netflix) encaixa-se, felizmente, na terceira categoria. Escrito e dirigido por Aaron Sorkin, roteirista de projeção mundial por filmes como Questão de Honra e A Rede Social e que assina aqui seu terceiro trabalho de direção, o longa retrata o julgamento de oito ativistas estadunidenses pelos eventos da “batalha de Chicago”. Em suma, diversos manifestantes de esquerda, representados por diversas organizações, foram impedidos de protestar próximo à convenção democrata que definiria o candidato a presidente para as eleições de 1968. Então, eles se instalaram em um parque. Após uma passeata, a polícia tomou o parque e iniciou um processo de violenta repressão, que se repetiu mais tarde com auxílio da Guarda Nacional. As inúmeras demonstrações de violência duraram quatro dias e noites, segundo fontes. Após a posse de Richard Nixon como presidente dos Estados Unidos, oito manifestantes foram indiciados por conspiração e incitação de violência.
É neste processo legal em que Sorkin foca durante seu filme. Sua trama articula um clássico filme de tribunal entrecortado com relatos dos eventos ou exposições dialógicas mais dinâmicas que o mero testemunho em corte. A tradicional rapidez e agilidade dos roteiros de Sorkin está muito mais presente na estrutura de Os 7 de Chicago que em seus diálogos. Assim, este é um longa cujo ritmo é veloz e, caso não tratasse de um tema tão duro e desconfortável, seria uma experiência muito leve ao espectador.
As diversas contradições legais e a crueza com que Sorkin aborda os episódios de repressão policial garantem, entretanto, que o entretenimento da obra se mescle com o grotesco da realidade política americana. O diretor é muito sagaz em sua crítica à instituição americana, criando um discurso capaz de ecoar os eventos de racismo e violência policial dos anos 1960 e início dos 1970 e identificá-los com a conjuntura similar que vinha ocorrendo nos Estados Unidos nos últimos anos. O entrecorte de ficção e duras cenas gravadas nos atos manufaturam o mesmo choque que sentimos ao ver as imagens do assassinato de George Floyd ou, então, a repressão violenta de 29 de abril de 2015 a professoras e professores paranaenses.
No entanto, há nesse filme uma aspiração ao entretenimento. Tal é a razão da péssima inconsistência com que seu tom flutua entre o drama e a comédia tosca. A utilização dos personagens hippies Abbie Hoffman e Jerry Rubin (interpretados respectivamente por Sacha Baron Cohen e Jeremy Strong) como mero alívio cômico é tomada por grande parte da trama, o que achata personalidades que, no terceiro ato, tornam-se de suma importância. Justamente pela efusão de personagens e nomes a lembrar, nenhum acaba protagonizando um arco expressivo – todos são previsíveis e, muitos, desinteressantes. Quando ruim, Os 7 de Chicago é brega e plástico. Quando bom, é ótimo, terrivelmente forte e engajante. Vale a experiência e também as indicações ao Oscar, ao mesmo tempo que serve de exemplo de diversos erros comuns à filmografia de Sorkin. Que parecem longe de acabar, por sinal.
>> Os 7 de Chicago concorre no dia 25 de abril ao Oscar 2021 em seis categorias: filme, ator coadjuvante, roteiro original, montagem, fotografia e canção original