Encontro de divas com meio século de diferença na idade marca a sexta edição do Popload Festival

Blondie
Texto por Janaina Monteiro
Fotos: Fabricio Vianna/Popload Festival/Divulgação
Um autêntico encontro de divas marcou o Popload Festival, que em sua mais recente edição trouxe um monte atrações nacionais e estrangeiras para o palco montado no Memorial da América Latina, no bairro da Barra Funda, em São Paulo, em pleno feriado da Proclamação da República. Os nomes principais eram o Blondie, da loiríssima Debbie Harry, debutando no Brasil aos 73 anos, e Lorde, meio século mais nova que a musa da new wavee do punk rock (a neozelandesa tem apenas 22 anos), foram os destaques da escalação e mostraram o empoderamento feminino na música pop mundial para uma plateia de quase 14 mil pessoas.
Esculturas que antes estavam expostas a céu aberto no Memorial deram espaço aos fãs do rock e seus subgêneros, como o indie e o pós-hardcore. Além de Blondie e Lorde, outras duas mulheres integraram o line up: a carioca Letícia Novaes, vocalista do projeto Letrux, foi a primeira a pisar no palco. Em seguida, veio a parceria inédita de Mallu Magalhães e Tim Bernardes, integrante da banda o Terno e atualmente também desenvolvendo carreira solo. O duo concebeu o show especialmente para o Popload e destoou das demais bandas com seu indiemeio MPB, tocando debaixo de chuva grossa.
Tim Bernardes e Mallu Magalhães
A chuva, aliás, foi uma constante durante todo o dia, mas não suficiente para apagar o brilho do público LGBT que via ali uma de suas musas. Esta, inclusive, pode ter sido a primeira e a última vez que Debbie vem se apresentar no Brasil depois de 40 anos da formação de uma banda que vivenciou o punk nova-iorquino na segunda metade dos anos 70, numa metrópole então bastante barra-pesada e que testemunhava a violência urbana e o conflito de gerações. Portanto, assistir a um show da Blondie é reviver a história do rock.
A banda foi contemporânea de David Bowie, Iggy Pop e Lou Reed e se apresentava no clube CBGB (Country, Bluegrass and Blues and Other Music For Uplifting Gormandizers – estas duas palavras podem ser traduzidas como “colocar os gordos para suar”), na Bowery Street, ao lado de nomes como Ramones e Talking Heads, por exemplo. Debbie ainda foi imortalizada pela pop art de Andy Warhol.“Por que demorou tanto?”, perguntou a musa no palco da Barra Funda, que foi garçonete e até coelhinha da Playboy até se tornar vocalista da banda Angel And The Snakes. Mas os gritos de “hey blondie” durante as apresentações eram tantos que a banda foi rebatizada como “Blondie” e Debbie virou o maior ícone feminino da história do pop rock. Na sua idade, talvez apenas Patti Smith tenha o mesmo fôlego.
Poderosa, a loira entrou como uma rainha às 19h30, usando óculos escuros brilhantes e um traje fluorescente nas cores pink e laranja, uma saia de tule (que ela tirou no decorrer do show) e uma capa branca com uns mosquitos estampados. A tal capa, com frase “stop fucking the planet” (parem de ferrar com o planeta), foi um dos primeiros recados da ativista Debbie. E já de cara o hit “One Way Or Another” colocou o público para pular.
O que veio na sequência foi um show de vitalidade e elegância. Debbie cantou boa parte das músicas (um pouco “desaceleradas” pela banda) acompanhada pelo baterista Clem Burke (que vestia a camiseta do CBGB), o único remanescente, ao lado dela, da formação original. Completavam a formação o baixista Leigh Foxx, Tommy Kessler na guitarra e Matt Katz-Bohen nos teclados. A ausência sentida foi do guitarrista Chris Stein, também fundador da Blondie e ex-marido de Debbie (que dedicou “Heart of Glass” a ele, sem explicar o motivo). Sabe-se apenas que Chris sofre de uma doença autoimune.
“Doom Or Destiny” veio na sequência, acompanhada de mensagens políticas à extrema direita. O público ovacionou a frase “Punch a nazi” (“Soque um nazista”) no telão e em “Fun” quando um casal de homens aparece se beijando. “Maria”, lançada em 1999, dois anos após a bandar voltar à ativa reformulada, foi dedicada a todas as mulheres que ali estavam e “para todos que querem ser mulheres”.
A musa loira também falou sobre sua vontade em conhecer a Amazônia. Melhor correr, diziam alguns na plateia. E contou que havia comido “formigas” por aqui. “Foi muito gostoso. De verdade”. Ela só não disse onde. Então, o show histórico terminou com “Dreaming” e seu refrão “Dreaming is free” (“sonhar é de graça”). Ainda é!

Lorde
Por ser a estreia do Blondie no Brasil, a banda merecia ser a headliner. Mas coube a Lorde fechar o Popload Festival desta vez. Houve então um grande revezamento na plateia. Os mais velhos deram espaço à garotada que curte a neozelandesa, que estava em sua segunda visita ao Brasil (a primeira fora em 2014, em outro festival de grandes proporções).
Assim como as cores quentes do figurino de Letícia e Debbie, Lorde vestia uma saia vermelha, como se fosse uma cigana, e uma blusa de tule por cima de um sutiã, também vermelhos. E tênis vermelho, claro. O público vibrou em todas as músicas, desde a fila do gargarejo até aqueles que assistiram ao show no fundão.
Com apenas dois álbuns no currículo, Lorde soma milhares de fãs mundo afora. Mais confiante do que sua primeira apresentação, a popstar mostrava uma presença de palco incrível, principalmente quando acompanhava os passos de seus dançarinos. No entanto, a sonoridade da banda deixa a desejar se comparada ao Blondie. Lorde tem uma grande potência vocal, mas há muito uso de bases pré-gravadas para facilitar.
Na metade do show, a plateia gritava “Lorde eu te amo” e a cantora discursou emocionada, elogiando os brasileiros, antes da balada ao piano “Liability”. “Muitos de vocês sentem que há pessoas tentando diminuir vocês, mas nós amamos vocês exatamente do jeito que vocês são”. Gritos de #EleNão vieram. O megahit “Royals” foi cantado em coro e no telão um isqueiro aceso. A neozelandesa ainda chegou a balançar bandeiras do Brasil e LGBT e pulou do palco para cair nos braços dos fãs, encerrando o show com o megahit “Green Light” com direito a chuva de papel.

At The Drive-In
O festival também trouxe outras estreias em terras brasileiras. O caso da banda Death Cab for Cutie e dos nervosos do At The Drive In, que comandaram o primeiro show internacional do festival.
O veterano Cedric Bixler-Zavala (também fundador do Mars Volta), surgiu com sua indefectível cabeleira preta por volta das 15h e levou uma performance alucinada aos fãs da banda de pós-hardcore. Também debutando no país, Cedric, guitarrista Omar Rodriguez-Lopez e o baterista Tony Hajjar levaram sua ira a palco. o vocalista foi logo jogando o microfone no chão na primeira música. O gran finale veio com a sequência “Pattern Against User” e “One Armed Scissor”, do disco Relationship Of Command, de 2000.
Durante o show, Cedric foi visto xingando fãs da Lorde o tempo todo na grade. Talvez por isso, no sábado, antes de embarcar no aeroporto de Congonhas, o vocalista estava sentado num cantinho, com sua malinha de mão da Adidas, provavelmente com medo de ser hostilizado subitamente por algum fã da garota…

Death Cab For Cutie
Do post-hardcore de El Paso ao emocore do quarteto de Seattle. O “Táxi mortal para a fofa”, numa tradução literal, estourou lá atrás, em 2006, contemporâneo de bandas como Yeah Yeah Yeahs e Clap Your Hands And Say Yeah. Desde essa época o DCFC era cotado para se apresentar no Brasil e nunca veio. Agora foi por um triz que o show não aconteceu. Pouco antes da apresentação, Ben Gibbard (que também tocava o projeto paralelo Postal Service) sofreu um acidente no hotel e machucou as costas, conforme a banda explicou em seu Instagram. Tomou injeções de analgésicos e entrou carregado, mancando, num momento raro e de muita comoção. Tudo para não perder o show.
Durante toda a apresentação Ben tocou sentado, alternando guitarra e violão com o piano. Depois do susto, explicou ao público que “muitas primeiras vezes estavam acontecendo”. A primeira vez no Brasil e “a primeira vez que tenho que abaixar as calças cinco minutos antes do show para levar duas injeções na bunda”. Pouco antes das 17h, o momento mais comovente foi quando a plateia cantou em coro a balada cutie “I Will Follow You Until The Dark”, na versão voz e violão. Ben sorriu e pareceu ter abstraído a dor naquele instante. “Até a próxima. Eu prometo que estarei de pé”, despediu-se o vocalista. No Insta, a banda agradeceu o público de São Paulo. “Nunca vamos esquecer a energia e o amor que vocês nos devolveram. Desculpe por ter demorado tanto tempo para estarmos aqui”.

MGMT
Saiu um Ben do palco e logo entrou outro. O duo de indie-electro-pop MGMT foi outra atração internacional. Ben Goldwasser e Andrew VanWyngarden trouxeram pela quarta vez ao Brasil seus sintetizadores. São quatro discos lançados até então, mas ainda os hitsdo primeiro álbum Oracular Spetacular(2007) que mais empolgam a plateia como “Time To Pretend” (a segunda do set) “Kids” e “Electric Feel”, mais para o final do show.
No palco, os integrantes da banda circulavam despojados entre vasos com palmeiras e colunas gregas, principalmente o guitarrista, James Richardson, trajando chapéu pontudo de mago e uma cueca boxer preta. A banda não é de vibrar e se apresenta num tom sereno, fazendo poucas intervenções com a plateia que curte “viajando” no som. Andrew foi o que mais movimentou no palco e chegou a pedir para que o público batesse palmas. Do trabalho lançado neste ano, Little Dark Age, tocaram a faixa que dá nome ao álbum mais “When You Die”, “James” e “Me and Michael”.
E no intervalo dos shows principais, atrações nacionais se apresentavam no Palco Jukebox. O Terno, Liniker, Tropkillaz mais Céu e Superbanda tocavam as músicas escolhidas pelo público. Sem dúvida, a mais interpretada foi “The Less I Know the Better” da “banda-sensação” do público do festival, o Tame Impala.

Liniker
Set list Letrux: “Vai Render”, “Ninguém Perguntou Por Você”, “Puro Disfarce”, “Coisa Banho de Mar”, “Amoruim”, “Ex-Factor”, “5 Years Old”, “Hypnotized”, “Que Estrago”, “Além de Cavalos”, “Flerte Revival” e “Noite Estranha, Geral Sentiu”.
Set list Mallu Magalhães e Tim Bernardes: “Cais”, “A História Mais Velha do Mundo”, “Recomeçar”, “Navegador”, “Quis Mudar”, “It’s All Over Now, Baby Blue/Negro Amor”, “Volta”, “Olha Só, Moreno”, “Nó”, “Ela”, “Não”, “Por Que Você Faz Assim Comigo?”, “Melhor do Que Parece”, “Velha e Louca”, “Culpa”, “Mais Ninguém” e “Será Que Um Dia”.
Set list At the Drive-In: “Arcarsenal”, “Governed By Contagious”, “Sleepwalk Capsules”, “Hostage Stamps”, “Invalid Litter Dept”, “Enfilade”, “No Wolf Like Present”, “Pattern Against User” e “One Armed Scissor”.
Set list Death Cab For Cutie: “I Dreamt We Spoke Again”, “Summer Years”, “The Ghosts Of Beverly Drive”, “Photobooth”, “Title And Registration”, “Gold Rush”, “Crooked Teeth”, “I Will Follow You Into The Dark”, “Black Sun”, “Northern Lights”, “Cath…”, “Soul Meets Body” e “Transatlanticism”.
Set List MGMT: “When You Die”, “Time To Pretend”, “Alien Days”, “Little Dark Age”, “James”, “Flash Delirium”, “Me And Michael”, “Kids”, “Electric Feel” e “The Youth”.
Set list Blondie: “”One Way Or Another”, “Doom Or Destiny”, “Fun”, “Call Me”, “Rapture”, “Maria”, “The Tide Is High”, “Long Time”, “Atomic”, “Heart Of Glass” e “Dreaming”.
Set list Lorde: “Sober”, “Homemade Dynamite”, “Tennis Court”, “Magnets”, “Buzzcut Season”, “Hard Feelings”, “Ribs”, “The Louvre”, “Writer In The Dark”, “Liability”, “Sober II (Melodrama)”, “Supercut”, “Royals”, “Perfect Places”, “Team” e “Green Light”.

Letrux