Music

Coolio

Oito motivos para lembrar sempre o rapper californiano que estourou no mundo todo em 1995 com o hit “Gangsta’s Paradise”

Texto por Abonico Smith

Foto: Reprodução

Já era tarde da noite do dia 28 de setembro no Brasil quando chegou a notícia da morte do rapper Coolio. Postada por seu empresário em redes sociais, a nota não dizia a causa mortis mas contava que o artista fora achado desacordado em Los Angeles, no banheiro da casa de um amigo, que chamou, sem muito sucesso, os paramédicos.

Coolio tinha 59 anos de idade e deixa seis filhos. Ele continuava na ativa, fazendo shows e gravando esporadicamente. Sua discografia tem três álbuns, sendo o período de maior sucesso os meados dos anos 1990, quando estourou nas rádios e MTVs do planeta todo com o hit “Gangsta’s Paradise”. Contemporâneo de grandes e populares nomes do hip hop – como Dr Dre, Ice Cube, 2pac Shakur, Notorious BIG, MC Hammer e vanilla Ice – foi justamente com este com quem fizera sua última apresentação ao vivo, uma semana antes. Seu pseudônimo, segundo reza a lenda, veio de uma tentativa mal sucedida de cantar em um evento uma música gravada pelo cantor romântico espanhol Julio Iglesias. Daí veio o apelido, dado por amigos, de Coolio Iglesias.

O Mondo Bacana homenageia este grande rapper – que também foi ator bissexto – com oito bons motivos para lembrar-se sempre dele.

Cria de Compton

Quem conhece a história do grupo de hip hop NWA sabe muito bem a barra pesada que é viver nesse bairro negro de Los Angeles. Algumas das letras de suas canções e a história contada na cinebiografia mostram toda a dor e sofrimento do dia a dia na pobreza aliada a uma grande violência interna, muito disso alimentado por intervenções da polícia. Coolio também veio de lá. Nascido Artis Leon Ivey Jr, ele é contemporâneo do pessoal do NWA. Mas antes de se estabilizar na carreira artística trabalhou como segurança do aeroporto de LA e ainda alistou-se como bombeiro voluntário para combater as queimadas que assolam a região regularmente quando chegam as altas temperaturas. Ralou bastante para ganhar grana até ver a fama chegar por meio da música.

Tommy Boy

Uma das marcas de excelência no hip hop norte-americano dos anos 1980 e 1990 é da gravadora Tommy Boy Records. Selo fundado em 1981 por um judeu nova-iorquino de nome Tom Silverman, a iniciativa formou anos depois uma parceria com a major Warner e fez decolar a carreira de um monte de gente bacana e importante de seu elenco. Só para citar alguns nomes: Stetsasonic, Force MDs, Afrika Bambaataa, Queen Latifah, De La Soul, Digital Underground, Naughty By Nature, House Of Pain e Coolio. Este assinou contrato em 1994, dando início à carreira solo após alguns anos participando do grupo WC & The Maad Circle. Por lá gravou e lançou três álbuns, justamente sua fase de maior popularidade e sucesso comercial.

Stevie Wonder

Songs in the Key of Life, de 1976, é uma das obras mais aclamadas do cantor e compositor revelado pelo icônico selo Tamla-Motown. Décimo oitavo álbum de estúdio da carreira, esse disco representou uma fase bastante prolífica de Stevie. Ele jorrava tanta criatividade na época que não parava de compor para o disco. Tanto que gravou (e chegou a tocar quase todos os instrumentos no estúdio) 21 faixas, que foram todas lançadas de um modo nada usual: 17 entraram num vinil duplo e as restantes ficaram para um compacto de 7 polegadas que vinha acompanhando o álbum. A terceira faixa do lado B do primeiro disco, Pastime Paradise, é a grande responsável pelo estouro da carreira de Coolio. Uma das primeiras músicas a usar um sintetizador Yamaxa GX-1 soando como toda uma orquestra de cordas, a canção faz reflexões sobre materialismo e egocentrismo, falando em um tal de “paraíso de passatempo”. Sampleada com a voz e a letra reescrita por Coolio, virou “Gangsta’s Paradise”. Incialmente Wonder não havia visto a ideia dos novas versos com bons olhos, mas depois de pedir para reescrever alguns trechos mais pesados e tirar os palavrões, deu a liberação para o lançamento da faixa. E até cantou com Coolio e LV (que faz os vocais dos trechos mais melódicos da letra) numa apresentação ao vivo durante a cerimônia do Billboard Awards.

Gangsta’s Paradise

Single lançado no primeiro dia de agosto de 1995 para ser o chamariz do filme Mentes Perigosas, que chegou às telas dez dias depois. Os versos escritos por Coolio, LV e o produtor Doug Rasheed fazem menção ao duro cotidiano de um jovem na periferia negra de Los Angeles, sem muita perspectiva de longevidade na vida e cercado de violência por todos os lados. O que, certamente, quase vinte anos depois, traz uma evolução de sentidos e significados para o que Stevie Wonder cantava em “Pastime Paradise”. Mantendo a dramaticidade das cordas e mantendo a dinâmica crescente do coro gospel também registrado na faixa original, a gravação caiu como uma luva para ser a música-tema do filme. Não à toa foi o single mais vendido daquele ano nos EUA, conquistando depois muitos prêmios, inclusive o Grammy. Na Europa, liderou a parada de diversos países. No videoclipe, dirigido por Antoine Fuqua (que começou assinando clipes e depois passou para longas-metragens e episódios de seriados), Pfeiffer faz participação especial.

Mentes Perigosas

Drama protagonizado por Michelle Pfeiffer e produzido pela mesma dupla responsável por blockbusters como FlashdanceUm Tira da Pesada e Top Gun: Ases Indomáveis,  que mostra a difícil relação entre uma professora branca e seus alunos adolescentes em uma escola situada no subúrbio latino e afro-americano da Califórnia. Os garotos, todos de classe média baixa, envolvidos com gangues e o tráfico e consumo de drogas, aos poucos vão sendo conquistados pela doçura e habilidade da mestra em usar poesia, música, Bob Dylan e muito afeto, muito carinho. Assim ela vai trazendo-os para seu lado pouco a pouco. O principal problema é um aluno chamado Emilio Ramirez, cuja vida corre sérios riscos. Entretanto, é justamente em torno do que vai acontecendo com ele que vai se desenrolando boa parte da trama e das reviravoltas.

Fantastic Voyage

Um ano antes do estrelato obtido com “Gangsta’s Paradise”, Coolio lançou seu primeiro álbum, batizado It Takes a Thief. O single de maior sucesso deste disco foi o terceiro, “Fantastic Voyage”. O clipe – que traz uma ponta de B-Real, do Cypress Hill – traz uma história surreal: gira em torno de uma viagem do vocalista e sua trupe a bordo de um Impala conversível de 1965 que era uma bicicleta azul e depois volta a sê-la.

C U When U Get There

Último grande hit de Coolio durante seu tempo na Tommy Boy. A faixa, de 1997, foi construída em cima de uma melodia-base do alemão Johann Pachelbel, compositor barroco que viveu no século 17. Seu “Canon em Ré Maior” foi criado originalmente para três violinos, baixo contínuo e uma giga (dança barroca popular na Inglaterra e na França). Coolio, através de seu canto falado de versos emocionantes colocado em uma batida eletrônica lenta e entremeados por um refrão intenso com direito a coro gospel.

Kurt Cobain

Como muitos rappers norte-americanos, Coolio era louco pelo líder do Nirvana. Ao ver o clipe de “Heart-Shaped Box”, ele botou na cabeça de querer fazer, um dia, uma colaboração com Kurt. Contudo, não houve muito tempo para alimentar o sonho, com a morte do ídolo em abril de 1994. Para o site da revista Spin, em uma entrevista realizada em 2014, Coolio comentou sobre o peso que as drogas fazem na pessoa deprimida e o péssimo hábito de família e sociedade não dares a mínima para isso no momento que estas pessoas mais precisam de ajuda. E ainda se colocou no lugar do Kurt justamente por ter, em um passado não muito distante, mergulhado no uso de cocaína.

Movies

King Richard: Criando Campeãs

Como o pai que sonhou em transformar as filhas Venus e Serena Williams em supercampeãs do tênis, Will Smith brilha em outro “filme de Will Smith”

Texto por Taís Zago

Foto: Warner/Divulgação

Richard Williams (Will Smith) não é mundialmente famoso pelos seus feitos ou talentos. Ele é famoso por ser o pai de Venus (Saniyya Sidney) e Serena Williams (Demi Singleton), as duas tenistas mais famosas e entre as mais espetaculares da história do tênis feminino. E este filme é quase que totalmente sobre ele – como o título King Richard: Criando Campeãs (King Richard, EUA, 2021 – Warner) não deixa duvida.

Richard também nunca foi atleta, ele trabalhava de guarda-noturno em um mall. Apesar do seu anunciado amor pelo tênis, segundo consta em sua própria biografia, ele decidiu treinar suas filhas no esporte após ver uma reportagem na TV sobre atletas femininas que ganhavam prêmios de até 40 mil dólares por torneios de “apenas” quatro dias. A decisão havia sido tomada e antes mesmo delas nascerem ele já tinha elaborado um plano de 78 páginas de como faria isso se tornar realidade. Oracene “Brandy” (Aunjanue Ellis), sua segunda esposa e mãe de Venus e Serena, acompanhou-o em seus sonhos e, apesar de ter outra profissão e muitas vezes ter que trabalhar sozinha para sustentar a família de sete pessoas, aprendeu a jogar tênis somente para ajudar no treino das meninas.

O casal, principalmente Richard, vislumbrou para as jovens tenistas um futuro de sucesso e dinheiro. E o peso dessa decisão nós sentimos na pressão enorme dele sobre as filhas, algo que fica claro em cada minuto filmado. Richard é turrão, teimoso e exige que elas treinem sem parar, faça sol ou chuva, frio ou calor. Ainda sobra tempo para ele adicionar ao pacote lições sobre humildade (as quais nem sempre segue em seu próprio comportamento). Já Brandy acalentava as meninas e fazia o que podia para garantir que elas tivessem uma vida normal de adolescentes apesar da rigidez do pai.

Para nós, que assistimos aos devaneios megalomaníacos de Richard, eles acabam por fazer sentido pois já conhecemos o desfecho dessa história. Sabemos tudo o que Venus e Serena fizeram pelo tênis norte-americano, pela visibilidade das mulheres pretas nos esportes antes somente guardados para as brancas. Sabemos da importância e do significado de suas vitórias, como esportistas e como exemplos de emancipação e independência feminina. Vimos o racismo que suportaram em episódios não muito bem encobertos pela mídia. Acompanhamos as barreiras e os recordes que quebraram. Mas, infelizmente, esses fatos não fazem parte do filme dirigido por Reinaldo Marcus Green. O foco aqui são os primeiros anos das duas atletas no esporte mais a figura central (e polarizante) de seu pai.

Will Smith interpreta em King Richard uma espécie de versão madura dos papéis que lhe deram prêmios e indicações – como Ali e Em Busca da Felicidade. Mesmo assim não consigo evitar a sensação de que, em papéis dramáticos, o ator é um one trick pony, tem um talento restrito a poucas nuances. Mas ainda é o Will Smith, o Fresh Prince Of Bel-Air, o Man In Black, um comediante nato. Portanto, com uma expressão aqui, um trejeito ali, discretamente, ele empresta um certa simpatia para o senhor ranzinza do título. 

O filme foi feito baseado nas biografias do próprio Richard (Black & White – The Way I See It) e de Serena (My Life – Queen Of The Court), Venus e Serena foram consultadas, acompanharam as filmagens e autorizaram a versão que foi editada. Zach Baylin assina o roteiro que passou pelo crivo da irmã Isha Price (que é citada nos créditos como produtora executiva) e por Oracene.

Ficam bastante claros os esforços que foram feitos para Richard navegar entre mocinho e vilão, mas sem nunca adentrar algum dos extremos, o que torna o filme uma homenagem que em alguns momentos costeia a hagiografia. A intenção das irmãs Price e Williams foi uma correção da imagem do pai, que não raramente, era representado como superprotetor, e exagerado. Elas queriam dar a ele o reconhecimento pelo amor, engajamento e determinação que investiu em suas carreiras. Porém, nem toda a doçura e cuidado tira o gosto amargo de King Richard ser mais um one man show do Will Smith. A câmera está sempre nele, sendo que as reais queens aqui deveriam ser Serena e Venus. Por mais que Richard mereça reconhecimento, o seu papel não renderia um filme sem o brilho das estrelas das filhas.

As atrizes Saniyya Sidney (Venus), Demi Singleton (Serena) e Aunjanue Ellis (Brandy) fazem maravilhas com o pouco de material que tiveram em mãos. Mesmo sem poderem aprofundar seus conflitos e sentimentos, elas impressionam. As meninas que tiveram de aprender a jogar tênis para seus papéis, e foram além: elas aprenderam as técnicas das irmãs Williams. O grande amor e a amizade entre as irmãs, que são cinco no total, também fica bastante evidente. O laço entre elas é bonito e comovente.

E aqui, se me permitem a sinceridade, era esse o filme que eu realmente gostaria de ver. Bem feito, com todo o esmero de produção, com Richard direitinho no seu papel, mas com o foco em Serena e Venus. Como essas duas mulheres espetaculares enxergam seu começo de carreira? Quais foram suas dificuldades? Quais suas pequenas/grandes vitórias pessoais? Os troféus nós conhecemos. Quais seus medos? Suas inseguranças? Elas, sim, somente elas são a razão dessa caminhada existir. Independentemente da dureza com que foram treinadas, do que foram privadas e do que abdicaram, essas duas mulheres são um grande exemplo de talento e perseverança. Criar um filme em torno do pai delas me parece ignorar seus protagonismos na história. Nos deixa a sensação de talentos moldados pelas mãos dos homens, quer seja Richard ou os treinadores Paul Cohen e Rick Macci.

Do ponto de vista da execução se trata de uma sport bio feita com todo o esmero. Aliás, acima da média, tanto que está merecidamente concorrendo em cinco categorias ao Oscar – filme, edição, ator, atriz coadjuvante, roteiro original. Então, vale bastante a pena assistir a ela.

Movies

Spencer

Kristen Stewart comove interpretando a princesa Diana nos dias em que ela decidiu se libertar da “prisão” da realeza britânica

Texto por Taís Zago

Foto: Diamond Films/Divulgação 

Não faltam no mercado cinematográfico obras sobre a trágica história de Diana. Fora os numerosos documentários – alguns com a baixa qualidade de matérias de tabloides – a ficção também não perdeu tempo ao fazer uma verdadeira devassa na vida da princesa de Gales. Um dos mais atuais e famosos flops sobre a princesa foi Diana, de 2013, que trazia Naomi Watts no papel principal. O escrutínio ao tom novelesco da obra, tanto da critica como do público, foi arrasador. Desde então ninguém mais parecia querer se aventurar no tema em um longa-metragem. Já a série The Crown (Netflix, 2016-) tomou para si a árdua tarefa no universo dos stream channels. E foi muito bem recebida, inclusive pelo biógrafo de Diana, Andrew Morton.

Isso nos deixa com uma pergunta: seria necessário mais um filme sobre uma das personalidades mais amadas, famosas e perseguidas pela imprensa marrom? À primeira vista, a resposta mais lógica seria um categórico não. Porém, munido de um roteiro do britânico Steven Knight, que, entre outros sucessos, tem Peaky Blinders no seu portfólio, o diretor e produtor Pablo Larraín resolveu topar a parada.

Larraín já nos provou sua destreza ao trazer para a grande (ou pequena) tela as biopics de Neruda (2016) e Jackie (2016). Ambos aclamados entre críticos pelas suas sensibilidade e sobriedade, mas com comedida reação do público. Em Jackie, Natalie Portman (como Jackie Kennedy) vive quase minuto a minuto os acontecimentos e o trauma que envolveram a morte violenta do marido JFK. E no meio do luto ela retrabalha seu passado por meio de flashbacks. Agora, em Spencer (Reino Unido/Alemanha/EUA/Chile, 2021 – Diamond Films), Larraín utiliza a mesma fórmula, optando por explorar um curto período de crise na vida de outra mulher extraordinária.

Para executar essa tarefa, o chileno escolheu Kristen Stewart – que agora em março irá concorrer ao Oscar de melhor atriz por este trabalho. Não sabemos se era a sua primeira opção, mas certamente esta foi uma decisão um tanto interessante. A tarefa mais difícil para ela seria abandonar de vez os maneirismos que, não raramente, ainda a colam de certa forma no papel de Bella, a namoradinha do vampiro da saga Crepúsculo. Realmente, em alguns momentos a performance parece um pouco dura e forçada. Mas em outros consegue brilhar de maneira comovente. Kristen busca a doçura e a fragilidade de Diana – no geral o faz com bastante sucesso. Principalmente quando conta com o apoio de Maggie, sua camareira predileta, interpretada pela maravilhosa Sally Hawkins.

O filme inteiro se passa no espaço de apenas três dias em dezembro de 1991 durante o feriado de Natal, quando Diana, já cansada das traições de Charles com Camilla e de viver em uma gaiola dourada (com algemas e amordaçada), toma a decisão de abandonar a vida real e se separar de príncipe de Gales. Dado esse cenário, não é de se admirar a tensão crescente que se condensa com o passar de apenas horas da princesa na residência de Sandringham. Mas como tudo que se condensa também se precipita, Diana sucumbe à frieza, indiferença e controle aos quais precisa se submeter. Essa precipitação vem em forma de devaneios, sonhos, lembranças de sua infância, lágrimas, bulimia e automutilação.

Spencer é um filme intimista mas não minimalista. É lindo de se ver quando nos relembra a ostentação da vida da realeza britânica e os inúmeros e célebres modelitos de alta costura usados por Diana. Já na primeira tela somos avisados que o roteiro é uma dramatização de fatos e personagens reais – e em alguns momentos, claramente desliza perigosamente no exagero. Por outro lado, somos recompensados com momentos lindos e comoventes entre Diana e os filhos Harry e William, trocas íntimas entre a princesa e Maggie ou ainda conversas com o cozinheiro real Darren (Sean Harris).

Series, TV

Pam & Tommy

Série sobre casal explosivo da primeira sex tape de famosos viralizada na internet promove um intenso revival de meados dos anos 1990

Texto por Taís Zago

Foto: Hulu/Star+/Divulgação

Série em nove capítulos, Pam & Tommy (EUA, 2022 – Hulu/Star+) remonta, com riqueza de detalhes, o curto e intenso relacionamento entre duas das mais conhecidas – e amadas pelos paparazzi – celebridades dos tabloides norte-americanos dos anos 1990. Porém para Pamela Anderson e Tommy Lee, o verdadeiro ápice da fama só seria atingido ao protagonizarem a primeira sex tape de famosos a vazar e viralizar mundialmente com a ajuda da internet.

Qualquer um que já tenha mais de 40 anos ouviu falar nos escândalos envolvendo, entre 1995 e 1998, o curto casamento de Pamela Anderson, modelo e atriz, e Tommy Lee, o infame baterista. Ambos se conheceram em uma festa, apaixonaram-se à primeira vista e quase que imediatamente casaram. Mas o pouco tempo que ficaram juntos foi uma montanha-russa de emoções, escândalos, traições e abuso doméstico. Os frutos que surgiram dessa mistura explosiva – os filhos Brendan e Dylan – são até hoje testemunha deste relacionamento complicado, que sempre lembrou um puxa e empurra – ou, melhor, um sobe-e-desce. Por mais que repudiassem a perseguição da mídia, ambos claramente curtiam lavar uma roupa bem encardida com a presença de plateia. Em 2008, por um breve período, curiosamente, houve uma reunião dos pombinhos. Mas, claro, com a mesma rapidez que a chama reacendeu, também logo causou uma explosão. A mistura Pam+Tommy era volátil.

Acho interessante falar um pouco dos protagonistas para quem não era nascido e não acompanhou o drama in loco na época. Pamela Anderson construiu no começo dos anos 1990 uma carreira, digamos, “sólida” de sex symbol, tendo como base um número recorde de capas da Playboy e várias temporadas da série Baywatch (no Brasil, S.O.S. Malibu), na qual passava a maior parte do tempo correndo na praia, molhada e com um maiô vermelho. Lee, por sua vez, alcançou a fama ainda nos anos 1980 com sua banda de hair (spraymetal, o Mötley Crüe. Vendeu uma quantidade obscena de álbuns e enriqueceu. Assim como ganhava, também gastava generosamente seus dólares com sexo, luxo, festas e drogas, e um pouco menos com rock’n’roll. Sua fama de “viciado em sexo” e rumores sobre seus atributos íntimos “avantajados” eram amplamente conhecidos pelo público do época. Tommy curtia muito um biscoito e um confete e fazia questão de se comportar da forma mais extravagante possível para não sair da mira das câmeras e das revistas de fofoca. Pra quem se interessar mais pelas “peripécias” de Tommy e sua turminha tudo que o Mötley Crüe aprontou está no livro The Dirt: Confissões da Banda de Rock Mais Infame do Mundo, de 2001, ou de forma condensada no ótimo filme The Dirt (Netflix, 2019). Ambos valem bastante a pena.

Dada a introdução necessária, vamos ao que interessa. O roteiro da série foi criado com base em um artigo escrito pela jornalista Amanda Chicago Lewis para a revista Rolling Stone em 2014, chamado Pam and Tommy: The Untold Story of the World’s Most Infamous Sex Tape. E tem, fora os personagens do título, mais um coprotagonista. Rand Gauthier (Seth Rogen) havia sido contratado como marceneiro – no artigo, ele é descrito como eletricista – por Anderson (Lily James) e Lee (Sebastian Stan), para trabalhar na interminável reforma da mansão do casal em Malibu.

Após alguns desentendimentos com Tommy, que o ameaça com uma arma, Gauthier acaba demitido do projeto sem receber nenhum pagamento. Ressentido, arquiteta minuciosa – e atrapalhadamente um plano para recuperar o dinheiro que o músico devia a ele, e (por que não?) lucrar às custas do rockstar. O plano dá certo e após uma operação caótica e absurda, digna de filme dos irmãos Coen, Rand acaba pondo as mãos em uma sex tape do casal. E isso veio muito a calhar, já que ele tem histórico de ator pornô e amizade com o produtor Uncle Miltie (Nick Offerman). Este se torna seu parceiro perfeito para executar o plano da venda das cópias da fita Hi8 em VHS, enviadas pelo correio e anunciadas na internet. Isso em 1995 quando, sabemos, a internet era só mato, discada, e o browser era o finado Altavista. Infelizmente a alegria dos malandros dura pouco, pois para financiar a empreitada, Rand e Uncle Miltie acabam pegando dinheiro emprestado com um capo da máfia envolvido na indústria pornô. A partir daí, a desgraça está programada.

A atriz britânica Lily James está espetacular como Pamela. Ela acerta na voz, nos trejeitos, na mistura de doçura com malícia, até mesmo nos momentos de vulnerabilidade e da confissões dos sonhos frustrados da atriz-modelo. É trabalhada no roteiro uma parte de Anderson menos conhecida pela sua legião de fãs formada quase que inteiramente pelo sexo masculino. Vemos um lado mais humano, muito mais frágil e dependente. Uma imagem muito mais próxima da realidade de muitas mulheres em relacionamentos tóxicos. É importante lembrar que o empoderamento feminino que temos hoje ainda estava em plena construção há quase três décadas. Muitos abusos domésticos eram ocultados, principalmente em se tratando de pessoas famosas.

Sebastian Stan faz um bom trabalho, porém tem uma mão um pouco mais pesada ao incorporar Tommy. Stan recheou exagero com mais uma porção de exagero, deixou o Tommy ainda mais estridente e hiperativo. Não é novidade que o baterista  tem (tinha?) um temperamento explosivo, violento, arrogante e hedonista ao extremo. Porém sejamos honestos, Lee é megalomaníaco com uma forte queda pra um transtorno de personalidade antissocial – coisa que, diga-se de passagem, não é nenhuma raridade universo das (sub)celebridades.

Do outro lado da narrativa temos Seth Rogen sendo Seth Rogen. É fato conhecido que como ator ele não tem muitas facetas e com Rand parece repetir o que fez em Pagando Bem, Que Mal Tem? (de 2008): um geek frustrado, sem dinheiro e a fim de transar. Assim como Nick Offerman nos entrega um cara mal-humorado e sem escrúpulos com fortes pinceladas de seu papel em Parks & Recreation. Com tanto exagero, a série beira perigosamente o caricatural. Ok. Na verdade mergulha e vai ao fundo. E ali fica. Mas o mar é o de Cancun… Então, no conjunto da obra isso não é necessariamente ruim.

Pam &Tommy também é um retrato bem fidedigno da cultura pop da metade dos anos 1990 com direito a muito couro, látex, pelúcia, animal print, maquiagem ruim, mullets, tatuagens tribais e bronzeados artificiais. Mas a cereja do bolo (ou da torta?) fica por conta da trilha sonora, que surge com la creme de la creme da época e nos joga em uma viagem do tempo com Fatboy Slim, Nine Inch Nails, Cardigans, Lenny Kravitz, sucessos do glam metal (Mötley Crüe, Poison) ou ainda com 90s club hits (La Bouche, Beds and Beats) 

Para alguns, essa série com capítulos semanais – até agora apenas três episódios estão disponíveis no Brasil na plataforma de streaming Star+ – vai ser um viagem nova e bizarra, um revival de quase 30 anos atrás, assim como ocorre de forma recorrente a cada nova década que se inicia. Para outros, dos quais faço parte, vai ser um festival de déjà-vu e nostalgia de um tempo que passou em um piscar de olhos.