Movies

Instinto Materno

Anne Hathaway e Jessica Chastain provocam um tenso embarque em um thriller psicológico sobre maternidade e a falsa sensação de tranquilidade

Texto por Abonico Smith

Foto: Imagem Filmes/Califórnia Filmes/Divulgação

No mundo pós-guerra dos países desenvolvidos do século 20, o subúrbio significava esperança, prosperidade e tranquilidade. A classe média alta fazia as grandes cidades se expandirem e iam buscar ambientes confortáveis e saudáveis em residências construídas em espaços um tanto mais afastados, porém também relativamente próximos do centro urbano.

É no subúrbio que moram as inseparáveis amigas e também vizinhas Céline e Alice. Já tendo passado da casa dos 30 anos, ambas são felizes em seus casamentos perfeitos, com grandes partidos de maridos, rendas estáveis, proeminência em suas profissões e, o mais importante, realização como mães. Cada uma tem um filho e, como os meninos são quase irmãos (da mesma idade e estudam e brincam sempre juntos), tudo ainda se torna mais próximo daquela felicidade típica de comercial de margarina. Só que em dobro.

Assim começa Instinto Materno (Mother’s Instinct, EUA, 2024 – Imagem Filmes/Califórnia Filmes), novo filme com Anne Hathaway e Jessica Chastain encabeçando o elenco e também assinando como produtoras executivas. A história, na verdade, vem de um livro escrito pela belga Barbara Abel. Em 2018, o diretor e roteirista também nascido na Bélgica Olivier Masset-Depasse levou às telas uma adaptação da trama, que agora ganha versão hollywoodiana, mas sem mexer muito na estrutura original de Abel, que também assina o roteiro das duas versões. Os nomes mudaram um pouquinho mas a ambientação não: a tranquilidade do subúrbio parisiense passou para a de um não especificado nos EUA. Já a temporalidade permanece ali bem no início dos anos 1960, quando o poder nas mãos da família Kennedy passava uma enorme sensação de segurança aos EUA, mesmo com a Guerra Fria e outros conflitos rolando soltos longe do território nacional.

O ponto de não retorno ocorre quando Max, filho de Céline (Hathaway), perde a vida em uma tragédia doméstica que poderia muito bem ter sido evitada. É neste exato momento que as amigas passam a divergir radicalmente. Alice (Chastain) entra em uma espiral de paranoia e passa a desconfiar de tudo e a todo instante da vizinha. Estaria ela, talvez com a ajuda do marido, manipulando tudo secretamente a ponto de realmente ser uma ameaça para sua família? Ao se aproximar do pequeno Theo como forma de superar o luto e continuar exercendo o papel da maternidade, estaria ela, de fato, comportando-se como uma ameaça velada também à vida de seu filho?

Neste enredamento de suposições e frequentes crises de pânico, quem está na poltrona do cinema embarca junto com uma ótima atuação de Jessica. Só que pequenos detalhes vão dando, pouco a pouco, pistas do que pode estar acontecendo. Dica: um deles é a paleta de cor que vai sendo disponibilizada pelos figurinos de ambas as mulheres. Quanto a isso, quem gosta daqueles tons pastel bastante em voga naquela época vai vibrar, inclusive.

O thriller psicológico que estabelece a estreia na direção do francês Benoit Delhomme (que foi o diretor de fotografia na versão belga da história e só assumiu este longa porque Masset-Depasse precisou se afastar para focar em outro projeto) joga você, junto com a protagonista loira, em aspectos bem mundanos e sombrios que se escondem por trás da falsa felicidade do cotidiano nos subúrbios do lado de cima da linha do Equador. Mas também faz pensar sobre os sentimentos de luto e perda além de papeis e funções exercidas durante relacionamentos como a amizade e, sobretudo, a maternidade. Tudo com a perfeita química estabelecida neste terceiro trabalho em conjunto entre Hathaway e Chastain mais a tensão exigida pelo decorrer da trama criada por Abel.

Movies, Music

Meu Nome é Gal

Cinebiografia de Gal Costa acerta com o desabrochar da tímida cantora em furacão dos palcos no período de antes, durante e depois da Tropicália

Texto por Abonico Smith

Fotos: Paris Filmes/Divulgação

A notícia da morte de Gal Maria da Graça Costa Penna Burgos, na manhã de 9 de novembro de 2022, aos 75 anos de idade, não pegou quase todo mundo de surpresa como também causou profunda consternação em quem é fã da música popular brasileira. Afinal, um ataque fulminante do coração (causa mortis que não fora anunciada publicamente pela viúva e sócia, embora confirmada depois pela divulgação de um atestado médico) calava a maior voz feminina que já cantou por aqui. Estava saindo do forno uma cinebiografia sobre ela. Dirigido por Dandara Ferreira e Lo Politti (que também assina o roteiro), o filme acabou tendo sua estreia marcada para este ano. Infelizmente, Gal Costa não teve tempo de assistir à obra, embora tenha dado sinal verde para a escolha da protagonista que iria revivê-la.

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Nesta quinta-feira, enfim, chega aos cinemas de todo país Meu Nome é Gal (Brasil, 2023 – Paris Filmes), o segundo projeto das diretoras envolvendo a cantora. Dandara e Lo já haviam lançado, há alguns anos, a série documental de quatro episódios O Nome Dela é Gal, exibida no streaming da Amazon Prime. Portanto, realizar em uma obra dramatúrgica retratando um determinado período da vida da baiana foi algo extremamente confortável à dupla, que ainda optou por se restringir à época mais interessante para trabalhar dramaturgicamente: o início de carreira dela. Mais precisamente o período que compreende a saída de Salvador para tentar a sorte na carreira no Rio de Janeiro (1966) até o reconhecimento em larga escala de seu talento (1971). A Gal Costa dos 19 aos 24 anos, desabrochando para a vida adulta enquanto tenta se desvencilhar de toda a timidez inerente à sua personalidade. Sophie Charlotte interpreta Gal do momento em que chega ao Rio em um ônibus vindo de Salvador ao show arrebatador Fa-Tal, cuja temporada no Teatro Tereza Raquel, bem sucedida, disputada e bastante comentada no boca a boca e pela imprensa, garantiu-lhe em definitivo a coroa de musa do desbunde depois da fama de musa das dunas do barato, berço da contracultura carioca no começo dos anos 1970, incrustado na praia de Ipanema de um Rio de Janeiro ainda bastante afetado pela severa repressão social, política e cultural da ditadura do regime militar iniciada logo após o AI-5.

Optando por uma narrativa convencional (só há o uso de dois rápidos flashbacks de quando ainda estava na infância treinando o poder vocal), as diretoras driblam a linearidade com uma fidedigna reconstrução da época em cenários e figurinos e uma impressionante caracterização dos atores. Curiosamente, Sophie é a única que não se parece fisicamente com a sua personagem – o que não deixa de ser um ganho para a atriz, já que ela também canta as músicas e sua voz também está longe de se assemelhar com a de Gal, principalmente na hora de soltar os agudos. Isso a deixa mais livre para incorporar outros ganhos na interpretação, como o jeito doce e comedido no cotidiano. Aliás, o fato da personagem estar sempre lutando para colocar seus demônios para fora e livrar-se das amarras (da mãe, da cidade natal, das performances cênicas e vocais do começo da carreira e até mesmo do guia Caetano, depois dele ser preso e ir para o exílio em Londres) acaba se tornando o maior trunfo do longa-metragem. O desabrochar de uma jovem contida em um grande furacão é a mais bela mensagem deixada nas entrelinhas das cenas e diálogos.

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E ao contrário da relação entre Gal e Sophie, o resto da turma majoritariamente tropicalista, entretanto, está assombrosamente parecido. Rodrigo Lelis não é só Caetano cuspido e escarrado: em muitas das cenas ele baixa o temperamento irrequieto, desbocado e pirracento do anjo da guarda musical da protagonista. Dan Ferreira aparece um pouco menos como Gilberto Gil mas também está igual. George Sauma faz um histriônico Waly Salomão. Dedé Gadelha, esposa de Veloso e melhor amiga de Gal, é outro nome com fiel reconstituição física, por Camila Mardila. Tem ainda Tom Zé, Rogério Duprat (feito pelo sobrinho, o músico e maestro Ruriá Duprat), Rogério Duarte, Maria Bethânia (encarnada pela própria diretora Dandara), Rita Lee e os irmãos Baptista, Torquato Neto, Jards Macalé e até Edu Lobo, que era da turma mais defensora e conservadora da MPB mas convivia com o pessoal no Solar da Fossa ali em meados dos anos 1960. Por sua vez e como já era de se esperar, Luis Lobianco dá um show de humor vivendo o empresário Guilherme Araújo, que criou o nome artístico de Gal, incorporado ao batismo oficial em 2013.

O fato dos atores (Charlotte, Lelis, Ferreira) soltarem a voz durante as canções também evidencia um ótimo trabalho de captação e desenho de som. Os instrumentos são tocados ali mesmo em cena, inclusive na hora dos palcos e estúdios. Por isso, canções como “Baby” e “Divino, Maravilhoso” tornam-se mais brilhantes com o acompanhamento de banda. Para uma cinebiografia que se propõe a retratar um período especial de criação musical tal fator torna-se um belo trunfo para tocar ainda mais fundo do coração tanto dos velhos fãs como dos mais jovens e futuros iniciados que estão ali assistindo a tudo da poltrona do cinema.

Por falar em velhos fãs, é certo que acompanhar na tela uma história já bastante conhecida e da qual já se sabe quase tudo deixa Meu Nome é Gal um pouco menos impactante. Contudo, este detalhe não tira os méritos do filme que, se não deseja ser ousado nem mostrar coisas novas ou ainda misteriosas sobre Gal Costa, é tão respeitoso com o objeto da biografia que eleva este fascínio ao status de elemento principal de uma nova documentação histórica sobre a cantora, desta vez por meio da dramaturgia. Aqui é só a ascensão. Os períodos de queda na carreira passam longe desta biografia. E, falando a verdade, não fazem qualquer falta.

Books, Movies

A Noite das Bruxas

Terceira aventura do detetive Hercule Poirot chega às telas juntando a verve literária de Agatha Christie à onda atual dos filmes de terror

Texto por Abonico Smith

Foto: Fox/Disney/Divulgação

Agatha Christie é um dos nomes mais festejados da literatura de ficção e entretenimento de todo o século 20. Sua escrita agradável aliada a intrincados enredos repletos de mortes, mistério e suspense criaram uma legião de adoradores, sobretudo do principal personagem criado pela britânica. Protagonista de dezenas de histórias publicadas por décadas, o detetive Hercule Poirot tornou-se um rei do whodunnit com seu faro implacável para descobrir pistas nos menores e mais escondidos sinais deixados nas cenas dos crimes e amarrar motivos e pessoas envolvidas com perspicácia e inteligência extrema, assombrando não só as pessoas ao redor como também todos os leitores. Nada mais natural, portanto, que meios populares como o cinema e TV absorvessem as tramas para oferecê-las às novas gerações por meio do audiovisual.

Depois de algum sucesso nas telonas durante os anos 1970, o personagem voltou recentemente a ganhar foco em Hollywood, desta vez vivido pelo ator e diretor Kenneth Branagh. Em dobradinha com o roteirista Michael Green, ele recolocou Poirot nas salas de projeção (ou melhor, nos trilhos), em 2017, adaptando o clássico Assassinato no Expresso Oriente. Com elenco estelar e direção de arte (o que inclui cenários e figurinos) de encher os olhos para quem gosta de toda a pompa e beleza do visual vintage. O sucesso de bilheteria logo proporcionou uma segunda produção (outro título bastante popular) também com os mesmos ingredientes. Contudo, a pandemia e polêmicas pessoais em torno de Armie Hammer, um dos atores principais de Morte no Nilo, fizeram o longa ser engavetado e ter sua estreia adiada para o começo de 2022.

Por isso o curto intervalo de tempo para uma terceira obra, que chega aos cinemas de todo o mundo nesta semana. A Noite das Bruxas (A Haunting In Venice, EUA/Reino Unido/Itália, 2023 – Fox/Disney), entretanto, quebra um pouco o esquema dos anteriores para correr maiores riscos. Boa jogada de Green e Branagh, que acertam em cheio, já que a adaptação do crime ocorrido no cruzeiro de luxo que percorre as águas do rio egípcio deu uma bela balançada e quase provocou o naufrágio da continuidade do detetive belga no cinema. Para começar, a diferença já vem na escolha da obra literária dentro da galeria de títulos escritos por Christie. Não só Hallowe’en Party é um romance um tanto quanto desconhecido do grande público como ele também é uma das criações derradeiras dela. O livro saiu em 1969, mais de trinta anos depois de Assassinato no Experesso Oriente e Morte no Nilo. Agatha já estava nos anos finais de sua longeva vida e isso acaba por se refletir na premissa da trama. Outro detalhe é que esta história de Poirot mergulha fundo no terror, mais precisamente em questões ligadas ao sobrenatural – o que vira um grande chamariz de audiência, já que este é o gênero que vem bombando há várias temporadas nas bilheterias mundiais, sempre com grande oferta de títulos pipocando aqui e ali, inclusive produções de países fora do eixo anglo-americano.

Terceiro apontamento: o filme joga o protagonista em nos aposentos lúgubres de um castelo supostamente assombrado na Veneza do pós-guerra, de onde nem ele nem ninguém pode sair por conta da água dos canais e da chuva torrencial que cai a noite inteira. Entre fantasmas, comunicação com os mortos e tentativas bem e mal sucedidas de assassinatos, o protagonista precisa lutar contra seus próprios demônios e manter-se mentalmente são para poder solucionar o que está à sua frente. Ou seja, ele bate o pé no ceticismo mais irretocável para provar que o mundo de lá realmente não existe e o além-vida não passa de uma sequência de farsas e fraudes. Mesmo que tudo pareça, de fato, real.

Hercule, entretanto, não está sozinho nesta empreitada. Aliás, ele nem desejava estar lá no castelo. Ao ter escolhido a charmosa e secular cidade no nordeste italiano para morar enquanto curte a aposentadoria de sua vida como investigador, acaba sendo procurado por uma velha amiga, a autora de livros de suspense e mistério Ariadne Oliver. Interpretado por Tina Fey, este explícito alter-ego de Agatha Christie transformado em um de seus personagens mais famosos, convence Poirot a ajuda-la em mais um caso que pretende utilizar em seus livros: desvendar se uma famosa médium é capaz de conversar mesmo com quem já bateu as botas. Os dois vão a uma sessão promovida pela mãe de uma jovem que teria sido assassinada anos antes, na noite de 31 de outubro. Enquanto isso, a mesma mulher promove no castelo uma festa local e tradicional para as crianças da cidade naquela data.

Michael e Kenneth mexem bastante na história criada por Agatha, a ponto de nem utilizar o nome original do livro (na verdade, o título em português resgata o mesmo utilizado por aqui desde o seu primeiro lançamento). Joyce Reynolds, a tal sensitiva mediúnica, não é uma adolescente de 13 anos de idade e que garante ter presenciado um homicídio. No filme, aliás, ela já tem idade bem avançada e provoca polêmica na opinião pública, sendo inclusive presa por acusações de falsidade ideológica. Michelle Yeoh faz o papel e garante alguns pequenos alívios cômicos da história, sobretudo nos diálogos trocados com o “insensível” e racional detetive.

Diferentemente de Morte no Nilo, aqui o foco é na trama mesmo, não no passado de Hercule Poirot e em dilemas pessoais trazidos por ele lá do passado. Com isso, não só Michael e Kenneth enxugam bastante o tempo de projeção como permitem uma narrativa mais fluida e direta, sem tanta lenga-lenga e demora para engrenar e envolver o espectador no misterioso caso. Tudo bem que em determinadas ocasiões os jump scares apresentados não diferem muito do trivial dos filmes de terror. Entretanto, essa ferramenta não compromete o resultado final nem o envolvimento do espectador. Aliás, a trilha sonora composta pela celista islandesa Hildur Guðnadóttir ajuda a dissociar as imagens do lugar-comum.

O elenco também se mostra mais afiado do que aquele escolhido para o segundo longa. Além de Fey e Yeoh, temos aqui Kelly Reilly (a tal mãe da jovem), Camille Cottin (a empregada da mulher), Jamie Dorman (um médico que sofre com o estresse pós-traumático provocado pelos horrores da Segunda Guerra Mundial), Jude Hill (o filho dele, entrando na puberdade e um adolescente nada convencional), Emma Laird e Ali Khan (os irmãos que querem fazer de Reynolds uma mera escada para poderem fugir aos Estados Unidos e morar lá de vez).

Para um filme que propõe a quem assiste embarcar em uma sessão de quase duas horas de entretenimento de qualidade, com direito a astúcia e inteligência, A Noite das Bruxas deve garantir a sobrevivência de Hercule Poirot nas telas por mais um bom tempo. E não só isso, aliás. James Pritchard, bisneto da escritora britânica, administrador de seu legado e produtor executivo dos longas dirigidos e estrelados por Branagh, dá indícios de que um novo elemento do agathaverso está prestes a ser descortinado. Pode estar vindo por aí a primeira história da  versão feminina de Poirot, a senhora solteirona que brinca de detetive amadora conhecida como Miss Marple.

Music

Roger Waters

Oito motivos para não perder a passagem pelo Brasil de This Is Not a Drill, aquela que deve ser a última turnê do ex-integrante do Pink Floyd

Texto por Frederico Di Lullo

Foto: Reprodução

Roger Waters, um dos maiores ícones em todos os tempos, está trazendo a turnê This Is Not a Drill para o Brasil neste ano. Serão sete datas em seis cidades: Brasília (24 de outubro), Rio de Janeiro (28), Porto Alegre (1 de novembro), Curitiba (4), Belo Horizonte (8) e São Paulo (11 e 12, sendo a primeira noite com ingressos esgotados). Mais informações sobre os preços, horários, compra de entradas e os locais das apresentações você encontra clicando aqui.

Por isso, se você é fã de sua música e do engajamento político deste senhor que completará 80 anos de idade no próximo mês de setembro, não pode perder essa oportunidade. Talvez seja mesmo a última, como está sendo anunciado o evento.

E aqui estão oito motivos para que você não deixe de assistir a esse espetáculo inesquecível. 

Lenda do rock

Ver uma lenda viva do rock em ação em pleno palco é algo maravilhoso. No caso de Waters, suas performances cativantes, vocais icônicos e presença de palco arrebatadora servem como celebração da música e do legado do Pink Floyd. Prepare-se, então, para uma noite de energia, paixão e música de qualidade impecável. Se o sold out de cada data vier, a venda de ingressos estará quase lá no limite.

Repertório atemporal

A turnê de Roger Waters apresenta um repertório que abrange décadas de sucesso e inclui algumas das músicas mais amadas da história do rock. De clássicos setentistas do Pink Floyd como “Comfortably Numb” e “Wish You Were Here” a faixas de sua carreira solo, como “The Bravery Of Being Out of Range”, a máquina do tempo será acionada em uma jornada que promete ser nostálgica, cativante e, sobretudo, emocionante. 

Visual impactante

Waters é conhecido por suas produções grandiosas e visuais impressionantes. Então você pode esperar um espetáculo audiovisual que combine música, projeções cinematográficas, efeitos especiais e aquela megailuminação incrível. Cada detalhe é cuidadosamente elaborado para criar uma experiência sensorial imersiva que complementa perfeitamente a música comandada por ele ali no palco.

Elementos multimídia 

Ao vivo, Roger Waters também é sinônimo uma combinação habilidosa de música, teatro e arte visual. Os elementos multimídia, como a presença do icônico porco inflável, projeções de vídeo e cenários elaborados, criam um ambiente teatralmente envolvente. Você se sentirá fazendo parte de uma narrativa visual e sonora poderosa que vai se desenrolando diante de seus olhos por toda parte.

Sonoridade apurada

Não é só o lado visual. A sonoridade é estrategicamente planejada. Desde os solos de guitarra arrebatadores até os backing vocals, cada momento executado pelos músicos da banda de apoio é cuidadosamente criado para impactar e emocionar. 

Mensagens de conscientização

Além das canções, o baixista é reconhecido por suas mensagens políticas e sociais em suas performances. Se muitas pútridas pessoas vaiaram e xingaram o músico nas suas últimas apresentações no Brasil por se referir ao ex-presidente como o que ele mesmo representa, hoje vemos a situação política brasileira mais promissora. Em This Is Not a Drill, as projeções visuais fazem um chamado à reflexão e à conscientização sobre questões importantes do nosso tempo, sendo um verdadeiro ato revolucionário, em prol dos direitos humanos e contra a opressão. 

Atmosfera de comunhão

Milhares de pessoas reunidas, compartilhando a paixão pela música e pelas mensagens transmitidas, criam um ambiente de conexão e energia positiva. Por isso, assistir a um show de Roger Waters é entrar em uma atmosfera de comunhão com os fãs e com o próprio artista. Desta vez, muito provavelmente, sem a presença de xiitas pagando ingresso para xingar o próprio ídolo.

Eu te disse, eu te disse!

Lá no começo dos anos 1970 os estúdios Hanna-Barbera lançaram um desenho animado que no Brasil ganhou o título de Carangos e Motocas. Em cada aventura, toda vez que a turma comandada pela motocicleta vilã Chapa tinha um plano mal sucedido contra o mocinh” Willie, um fusca, entrava em cena o mais divertido integrante da trupe dos antagonistas. Representava o bom menino que andava com as más companhias, Confuso, uma motoneta de voz estridente, repreendia o amigos com um irritante “eu te disse, eu te disse!”. A advertência serve como metáfora para a nova vinda do cantor e compositor ao nosso país. Não tem como não imaginar Waters pensando em tudo o que passou por aqui durante os shows da tour anterior Us And Them, que rolaram nos dias que antecederam os dois turnos da eleição presidencial. Deve ser inevitável ver aquele belo sorriso de ironia no rosto, mesmo que cuidadosamente ensaiado para ser mostrado de modo discreto ao vivo.

Movies

Neirud

Filme de abertura do festival Olhar de Cinema deste ano busca redescobrir um “misterioso” espectro da história familiar da diretora

Texto por Leonardo Andreiko

Foto: Divulgação

Abrindo a mostra competitiva brasileira do 12° Festival Olhar de Cinema, o longa-metragem Neirud (Brasil, 2023) fez sua estreia mundial na noite da última quinta-feira (15 de junho). Documental, a obra traz de volta às telas curitibanas um cinema cujo objeto é a família da própria autora.

Com uma investigação quase autobiográfica da diretora Fernanda Faya sobre a história de sua Tia Neirud, uma grande “amiga” de sua avó com um passado circense misterioso a ser desvelado, são traçados os passos de Faya por entre fotos, telefonemas e lembranças da infância para se construir o cenário afetivo do filme. Com forte uso da narração em off, que sempre posiciona a autora como agente da ação, os 70 minutos da projeção, pouco mais de uma hora, não diferem muito entre si – essa é uma narrativa simples e direta.

Não à toa, o andamento da obra parece prejudicado pela qualidade estática de sua forma, que justapõe fotografias do passado com insistentes telas pretas (a ausência de registro) e imagens de arquivo, realizando uma reconstrução plástica em última análise falsa dessa história, e pela aparente necessidade de Faya em falar tudo que deseja transmitir ao público. Parece que, para reparar a suposta falta de fontes, Neirud tornasse o processo de busca de uma narrativa na narrativa em si mesma. A potência das imagens, principalmente as fotografias, é ignorada em nome da garantia de que o público “entenderá” a obra.

O mistério da identidade de Neirud (lê-se Nei-rú) exemplifica uma problemática muito brasileira: as vozes dissidentes que foram apagadas e silenciadas pela branquitude heteronormativa brasileira. Neirud era, como se deixa claro desde o início do filme, a companheira de vida de Nely, avó de Fernanda e diretora artística do circo em que conheceu nossa protagonista-objeto. Ela, por sua vez, era a icônica Mulher-Gorila, subvertendo preconceitos para fazer-se precursora da luta-livre feminina num tempo em que a prática era proibida no país.

Embora o material documental sobre o passado de sua avó fosse rico, Fernanda não encontrava quase nada sobre Neirud. É particularmente aterrador, então, que cheguemos à conclusão junto de Fernanda Faya de que a última pessoa a apagar os traços da vida de Élida Neirud dos Santos foi ela mesma, na ânsia de encaixar-se na sociabilidade evangélica após a morte de Nely.

A violenta transformação de modos de vida que escapam das garras da normatividade conservadora brasileira em verdadeiros espectros do passado, reticentes em compartilhar sua memória, permanece um traço forte de nossa sociabilidade. Até lá, filmes como Neirud, ainda que este peque na forma, tomam uma postura militante em se apegar ao pouco que há disponível para investigar as histórias que não puderam ser contadas. As memórias que não passaram para frente.