Series, TV

Treta

Série provoca riso e choro com protagonistas conflituosos que só pensam em um dar ao outro um “troco” cada vez mais mirabolante

Texto por Tais Zago

Foto: Netflix/Divulgação

Até onde um pequeno desentendimento no trânsito pode chegar quando as duas pessoas envolvidas estão profundamente infelizes e insatisfeitas? Essa é a questão central de Treta (Beef, EUA – Netflix). Não, apesar do nome original, a série – iniciada agora em 2023 – não tem nada a ver com culinária ou alguma paixão carnívora. Nos Estados Unidos, a palavra para a carne bovina também serve como gíria para um desentendimento, um ressentimento ou, mais precisamente, uma “treta” entre pessoas. E esse “bife”, aqui, não é para amadores.

Lee Sung Jin é o criador e o roteirista dessa tragicomédia entre dois personagens completamente diferentes. Amy (Ali Wong) é uma bem sucedida empreendedora. Ela tem dinheiro, um marido considerado “perfeito”, uma filha e todo o luxo californiano na classe artística aos seus pés. Já Danny (Steven Yeun) é um empreiteiro endividado e fracassado, lutando para sobreviver e sustentar o irmão mais novo, enquanto sonha em comprar uma casa para seus pais. Em um cenário comum, os dois nunca coexistiriam. Apesar de ambos terem origem asiática, nada mais parece conectá-los. Até que um desentendimento no estacionamento de um shopping center – Amy buzina incessantemente enquanto Danny se recusa a sair da vaga – culmina em uma absurda perseguição pelas ruas de Los Angeles, quando ambos infringem diversas leis de trânsito e colocam pessoas em risco. Logo o acontecido cai nas redes sociais e assim se inicia uma procura dos dois por “investigadores amadores” de bairro da localidade de Calabasas.  

A comediante e stand up Ali Wong nos entrega uma Amy profundamente frustrada e em conflito com suas verdadeiras vontades e a realidade da vida que ela construiu para si mesma. Se tudo é tão perfeito, por que ela ainda se sente infeliz? Esta é a questão que já nos acompanha a partir do primeiro episódio e continua até o último. Já Steven Yeun, mais conhecido do grande público por sua atuação como o Glenn de The Walking Dead, interpreta um Danny repleto de medos e insatisfações, apesar da sempre aparente autoconfiança, ele é castigado pelos seus sentimentos de fracasso e uma depressão que esconde de todos. Em cima da base criada pelos dois, cada episódio se torna uma montanha-russa de paybacks, onde cada decepção diária dos personagens consigo mesmos os leva a montar planos cada vez mais maquiavélicos e mirabolantes um contra o outro. Na vida de Amy e Danny, o foco principal se torna o beef, a treta, a qual nenhum deles parece realmente querer resolver ou perdoar.

Apesar da sinopse nos levar a crer que Treta seria mais uma comédia de slapsticks e vinganças malsucedidas, Lee Sung Jin consegue incluir uma miríade de conflitos internos, traumas e experiências que enriquecem seus personagens de tal forma, que, lá pelo meio, já conseguimos nos compadecer com a imagem horrível, mas real e crua, que Amy e Danny tem deles mesmos. É a queda da máscara construída com muito esforço. Os sonhos despedaçados deixando apenas o desespero e o ódio como substitutos da tristeza. A série possui diálogos e situações hilárias, daquelas de rirmos até chorar. Mas também nos arrasta a um abismo onde choramos sem rir. O toque reflexivo chega até a nos lembrar um pouco as divagações filosóficas do vitorioso do último Oscar, Tudo Em Todo Lugar Ao Mesmo Tempo. Uma tendência que parece permear muitas das obras da produtora indie A24, assim como uma forte queda para representações de um psicodelismo surrealista.

Será que não existe um pouquinho de Danny e Amy dentro de todos nós? Eu acho que sim. Ao menos quando invariavelmente descontamos nossas frustrações em discussões acaloradas, porém absurdas e sem utilidade prática, em redes sociais ou em situações mundanas do dia a dia. Nesse quesito, Treta vai além das telas e nos traz questionamentos válidos que podem nos conduzir a uma jornada de autoconhecimento.

Movies

A Pequena Sereia

Live action de clássica animação da Disney traz 52 minutos adicionais, novas canções e Halle Bailey impressionando como Ariel

Texto por Carolina Genez

Foto: Disney/Divulgação

Ariel é a filha caçula do Rei Tritão, governante dos sete mares. Por ser a mais nova, a pequena sereia vive sob regras extremamente restritas que em principal a proíbem de ir até a superfície e interagir com os humanos. Curiosa, magoada pelo pai e determinada a conhecer o mundo acima da água, ela é seduzida pelas promessas da bruxa Úrsula, que oferece pernas em troca da voz da garota.

A primeira adaptação do conto de Hans Christian Andersen produzida pela Disney em 1989 teve um grande peso dentro da empresa, sendo responsável por salvar o departamento de animações do Mickey Mouse, que estava passando por um período difícil depois de fracassos comerciais entre os anos 1970 e 1980. Com uma princesa muito carismática e músicas animadas, o longa abriu portas para outras produções como A Bela e a Fera e O Rei Leão e chegou inclusive a ser indicado a três estatuetas do Oscar, levando duas para casa. Por causa da relevância e da qualidade do seu antecessor, as expectativas em cima do live action anunciado para chegar aos cinemas em 2023 estavam altas.

Eis que estreia nesta semana a nova versão de A Pequena Sereia (EUA, 2023 – Disney), agora com atores. O roteiro de ambos os filmes são bem similares, contando inclusive com alguns mesmos diálogos. Porém, com 52 minutos adicionais, o live action consegue acrescentar momentos e músicas, alem de desenvolver melhor cada um dos personagens de uma maneira que melhora e complementa a história mas ainda mantém a essência que o desenho trouxe para a narrativa. Essas mudanças foram aprovadas não só pelos fãs da animação como também pela atriz Jodi Benson, que deu a voz à princesa Ariel no longa de 1989.

O filme de 2023 abre com uma citação do próprio Hans Christian Andersen (“Uma sereia não tem lágrimas, assim ela sofre muito mais”), que fica com o espectador do começo até o final, principalmente nas cenas mais dramáticas. As novas músicas também se destacam ao longo da história, sendo acrescentadas de maneira orgânica e trazendo muito para dentro da narrativa. A trilha sonora original foi escrita por Alan Menken. Já para o live action, o compositor recebeu a ajuda do talentosíssimo Lin Manuel-Miranda.

Outra das mudanças positivas foi o melhor desenvolvimento da personalidade de Eric. Aquele de 1989, comparado com os príncipes encantados das outras princesas da Disney, tinha bastante personalidade mas não o suficiente para os dias de hoje. Agora Eric não só ganha uma música para chamar de sua, como também somos apresentados aos seus sonhos e vontades, similares às de Ariel (louco para explorar o mundo embora sua mãe queira que ele fique na proteção de seu palácio). Esse acréscimo, apesar de simples, permite com que os espectadores também se conectem com o personagem e faz com que o amor entre os dois personagens seja mágico porém mais natural.

 O romance dentro do filme também foi bem desenvolvido com esses minutos adicionais. Na animação isso já fora bem executado – apesar da intensidade de amor à primeira vista, por ter cedido sua voz, Eric não reconhece Ariel e assim acaba se apaixonando “novamente” pela garota de maneira gradual ao longo da história. No live action o foco na relação é grande, com diversas cenas em que os personagens percebem o quanto têm em comum e aproveitam a companhia um do outro – o que torna a narrativa ainda mais envolvente, também pela química dos atores.

Por falar em romance, durante o longa em diversos momentos é colocada de maneira clara a independência de Ariel, algo muito questionado ao longo dos anos. A princesa sempre quis conhecer a superfície e Eric e sua paixão foi apenas mais um motivo a mais. Dentro do filme, além de “Part Of Your World”, que já expressa as vontades da garota, a nova canção “For The First Time” mostra com perfeição a personalidade da sereia curiosa, determinada, querendo conhecer o novo mundo mas ainda assim assustada com as novidades. E tudo isso na voz potente de Halle Bailey.

A atriz e cantora aqui entrega uma performance digna de longos aplausos, encarnando perfeitamente como Ariel e sendo o verdadeiro destaque dentro do filme. Bailey dá vida a uma protagonista muito corajosa e apaixonante, com muito da essência daquela de 1989, mas construindo a personagem à sua maneira. Desta maneira, impressiona e cativa desde o primeiro momento. E a voz potente da atriz engrandece todas as músicas do filme, desde aquelas que canta solo até as que acompanha em segundo plano. Halle também impressiona pela expressão corporal e performance nas cenas em que Ariel fica sem voz.

Assim como no primeiro filme, os coadjuvantes também não ficam para trás. Aqui a temida Úrsula é vivida pela carismática Melissa McCarthy, que traz uma performance exagerada (num bom sentido) e extremamente debochada. Sua atuação bem teatral fica perfeita para a personagem. Já os amigos de Ariel estão muito afiados, apesar de realistas demais. Linguado (Jacob Tremblay) é extremamente fiel a Ariel e traz divertidos momentos principalmente no começo do filme. Já Sebastião (o talentoso Daveed Diggs) é o braço-direito do rei Tritão e ajuda a princesa a sair de sua enrascada trazendo uma maravilhosa performance da música “Under The Sea”. Por fim, a dublagem de Sabichão acaba incomodando um pouco pela voz da atriz Awkwafina ser extremamente reconhecível. Ainda assim, traz engraçados momentos e recebe uma música só sua, “The Scuttlebutt”, com traços reconhecíveis das obras de Lin Manuel-Miranda.

A Pequena Sereia também ganha muito com os avanços tecnológicos e transporta os espectadores para um mundo mágico, tanto embaixo da água quanto na superfície. Sob o mar tudo é muito colorido e quase viciante de se olhar por causa de diversas criaturas e cenários maravilhosos. O CGI e a maneira natural como Ariel se movimenta também impressionam. Já em terra temos a chance de explorar mais do castelo e da cidade de Eric, ambos também recheados de cores e objetos interessantes. Isso faz entender ainda mais a curiosidade de Ariel.

Apaixonante, satisfatório e divertido, o novo filme consegue emplacar como uma das melhores adaptações feitas pela Disney nessa leva de live actions. Prende os espectadores do começo até o fim, melhorando a narrativa de 1989 e apresentando uma ótima performance de Halle Bailey.

games, Movies

Dungeons & Dragons: Honra Entre Rebeldes

Live action derivado do clássico RPG diverte e introduz um novo universo para o cinema baseado em jogos

Texto por Carolina Genez

Foto: Paramount/Divulgação 

Acaba de chegar aos cinemas Dungeons & Dragons: Honra Entre Rebeldes (Dungeons & Dragons: Honor Among Thieves, EUA/Canadá/Reino Unido/Islândia/Austrália, 2023 – Paramount), trama que acompanha Edgin (Chris Pine) que, após a morte de sua esposa, decide roubar itens mágicos e preciosos juntamente com sua filha Kira (Chloe Coleman), a bárbara Holga (Michelle Rodriguez), o mago Simon (Justice Smith) e o também ladrão Forge FitzWilliam (Hugh Grant). No meio do caminho, porém, ao tentar ajudar a feiticeira Sofina (Daisy Head), Edgin e Holga são presos e precisam achar um meio de escapar e recuperar a confiança de Kira.

O filme é baseado no clássico jogo de RPG Dungeons & Dragons, que ficou muito popular durante os anos 1970 e 1980 e recentemente ressurgiu com força por conta da série Stranger Things, em que os personagens principais não só se divertem no tabuleiro mas também fazem referência ao game durante toda a série. Por trazer um universo tão cheio e completo para as telas do cinema, o longa funciona bastante como um introdutório para o que pode vir a ser mais uma franquia.

Adaptações de games são sempre algo complicado de se traduzir para a linguagem cinematográfica: ao mesmo tempo esses filmes precisam agradar os fãs ardorosos e não deixar aqueles que não sabem de nada sobre o universo de fora. Dungeons & Dragons, então, faz um trabalho maravilhoso neste sentido. Este Honra Entre Rebeldes é recheado de citações do jogo e, ao mesmo tempo, uma própria partida de RPG, com falas de personagens que relembram regras e, principalmente, nos ângulos e movimentos de câmera utilizados pelos diretores para garantir grande imersão na trama.

O roteiro traz uma história repleta de aventura, que consegue com facilidade instigar e prender a atenção dos espectadores. Parte disso acontece também porque conseguimos nos conectar com os personagens por suas histórias do passado, que são apresentadas de maneira breve mas também cumprindo seu propósito. A trama também traz bem cenas de comédia, funcionando muito bem ao utilizar diversos estereótipos e clichês de histórias de fantasia como piadas. A narrativa, apesar de simples, tem seus objetivos muito bem definidos, permitindo aproveitar a jornada, que é contada por diversos episódios, junto com os personagens passando e explorando diversos cenários muito diferentes entre si.

A direção de arte, nesse sentido, faz um trabalho impecável ao transportar os espectadores àquela terra de fantasia com criaturas, magos, elfos e humanos convivendo uns com os outros. Cada uma das terras exploradas pelos personagens tem algum fator que a diferencia da outra e torna a aventura ainda mais interessante. Aqui também existe uma breve pincelada de cada uma dessas “nações”, contando um pouco sobre as lendas, costumes e habitantes. Tal artimanha engaja muito a curiosidade para os próximos projetos.

Os personagens também ajudam a prender a atenção do público. Cada um deles tem objetivos, humores,  personalidades e poderes distintos, o que torna as interações entre eles extremamente divertida. A variação de forças e habilidades é um trunfo nas cenas de ação, muito criativas e bem conduzidas e coreografadas. Na galeria de personagens mais interessantes está Doric, druidesa que luta pelo seu povo e tem o poder de se transformar em qualquer animal e até mesmo fazer mesclas deles. Ela, entretanto, não é tão aproveitada quanto poderia, muito por conta do filme ter a função de ser introdutório. 

No terreno das atuações, todos os atores cumprem bem seus papéis, até por serem personagens que lembram muito trabalhos anteriores deles. Destacam-se Chris Pine e Michelle Rodriguez, já que acompanhamos ambos os personagens desde o início. Ambos são divertidos e rendem cenas engraçadas – e os dois atores têm muita química, o que ganha a empatia dos espectadores. Edgin, além de protagonista, acaba sendo outra peça fundamental para remeter ao jogo de tabuleiro já que ele é quem elabora os planos e consequentemente “cria” as histórias. Outro destaque fica com a Sofina de Daisy Head, que traz uma presença ameaçadora e performance bem sombria, contrastando com o elenco. Por fim, há Regé-Jean Page como Xenk. Apesar da pequena participação, acaba sendo outra ótima surpresa com uma criatura misteriosa e interessante.

Claro que há alguns erros ao longo das de duas horas de duração. Só que Dungeons & Dragons: Honra Entre Rebeldes cunmpre o que promete: ser uma aventura muito imersiva e divertida, que ainda termina com um gostinho de quero mais. Em tempo: se você gosta de Caverna do Dragão – desenho animado dos anos 1980 também oriundo de D&D – não deixe de ir às salas do cinema.

Series, TV

The Last Of Us

Série adaptada de cultuado videogame empolga ao falar de relações humanas em tempos de solidão e desesperança pós-apocalíptica

Texto por Taís Zago

Foto: HBO Max/Divulgação

A primeira versão de The Last Of Us, uma série de jogos de videogame desenvolvidos para o console PlayStation da Sony, surgiu em 2013 e foi agraciada com uma chuva de prêmios e um extenso fã-clube, chegando a ganhar a eleição de um dos melhores jogos já desenvolvidos. O sucesso abriu o caminho para uma franquia que acompanhou todas as novas versões da plataforma PS desde então e que agora também está sendo lançada para Windows e Xbox. Além dos jogos, foram originados também um comic book em 2013 e um live show em 2014. Agora veio a adaptação para o streaming. Fica claro que a pressão e as expectativas em torno do resultado da série roteirizada por Neil Druckmann, que é o próprio criador do jogo original, e por Craig Mazin, que assina o roteiro para Chernobyl (2019), não eram poucas.   

O arco da história pós-apocalíptica de The Last Of Us (EUA, 2023 – HBO Max) é aparentemente simples. Praticamente da noite para o dia grande parte da humanidade é dizimada via pandemia por um fungo da família do gênero Cordyceps – que realmente existe, mas no mundo real se limita a ser um endoparasita de artrópodes e que não chega a contaminar mamíferos, muito menos pessoas (até agora!). Os contaminados ou pessoas mordidas por contaminados perdem rapidamente a autonomia e passam a fazer parte de uma rede que serve a ele, que tem a única pretensão de se espalhar e sobreviver. Com isso os afetados se tornam uma espécie muito agressiva de zumbis canibalistas com mutações que lembram cogumelos pouco apetitosos e colônias do dito fungo. 

Depois de vinte anos, os poucos sobreviventes se dividiram em facções, cada qual com seus interesses específicos e formas de poder. Em comum, todos têm a hostilidade em relação a “intrusos” ou a intransigência na organização de suas comunidades. Ao momento da temporada – que já está chegando ao derradeiro capítulo – já fomos apresentados a alguns desses grupos. Os que mais se destacam são o FEDRA (Federal Disaster Response Administration, que se considera parte do governo dos EUA, tomou o controle como uma espécie de “milícia” após o desastre e se autointitula a principal autoridade em zonas de quarentena), o Firefly (Vagalumes em português, que é uma milícia antigovernamental surgida em resposta às ações autoritárias da FEDRA e que tenta encontrar uma cura para a infecção através de uma vacina) e os Contrabandistas (um grupo desorganizado que comanda o contrabando de materiais e suprimentos).

Joel (Pedro Pascal) e Tess (Anna Torv) fazem parte desse último grupo até receberem uma missão muito especial de alguns infiltrados dos Vagalumes: levar a menina Ellie (Bella Ramsey) até o grupo que busca a vacina, pois Ellie, aparentemente, é a única humana com clara imunidade ao fungo. Além disso, Joel ainda decide ir atrás do irmão Tommy (Gabriel Luna), que abandonara os Contrabandistas para se juntar aos Vagalumes, mas, sem explicação aparente, também largou esse segundo grupo. Joel, Tess e Ellie, iniciam então uma jornada de perigos entre humanos e não humanos.

Admito: apesar de já ter tido o PS 3 e 4, nunca tinha escutado falar do jogo The Last Of Us, pois meu interesse fica mais em torno de jump and runs coloridos com temas infantis. Então, contive minha empolgação ao iniciar a série mesmo sob a chuva de elogios emocionados do fã-clube. Invariavelmente minha primeira reação foi uma comparação imediata com as boas temporadas de The Walking Dead (2010-2022), a série produzida pela AMC, da qual me tornei uma fã fervorosa a ponto de possuir todos os volumes já lançados dos comics de Robert Kirkman e abandonei lá pela oitava temporada extremamente chateada após o roteiro da série desviar drasticamente do rumo do roteiro dos quadrinhos. 

Em The Last Of Us o nosso Rick Grimes é o Joel de Pedro Pascal. Pedro, que já é o nosso Mandalorian (outra série, iniciada em 2019, da franquia Star Wars da Disney+), aparentemente é a encarnação atual do lonely Soldier que Hollywood tanto adora: um sujeito com um pé no crime, sem amigos, carrancudo e amargo, mas que no fundo tem um coração de ouro e sabe atirar como ninguém. Ou seja, o novo Clint Eastwood ou o novo Charles Bronson do faroeste moderno pós-apocalíptico. Entretanto, de forma alguma menciono isso de forma pejorativa – a atuação de Pascal como Joel é impecável e a relação pai-filha que ele constrói aos poucos com a sapeca Ellie, interpretada com muita competência por Ramsey, já é uma promessa de momentos futuros espetaculares.

Outro ponto que não pode ser ignorado é a qualidade dos conflitos mostrados, bastante distantes da mera carnificina de monstros. Vemos relações reais e perigosas entre humanos. O comportamento de diferentes tipos humanos sob pressão, medo ou raiva. Um estudo sociológico de microcosmos inseridos num macrocosmo de uma catástrofe arrasadora. Temos até capítulos inteiramente dedicados ao backstory de personagens, como o maravilhosamente bem-produzido terceiro episódio, onde Nick Offerman como Bill e Murray Bartlett como Frank protagonizam um dos segmentos mais belos e sensíveis da série até agora. Aqui, excepcionalmente, não há o protagonismo da catástrofe, mas o dos sentimentos e das relações desenvolvidas em tempos de solidão e desesperança. A flor que renasce na terra devastada.

Se a qualidade for mantida, prevejo várias temporadas fervorosamente agradadas pelos velhos e também pelos novos fãs – aqui já me incluo – do complexo universo de The Last Of Us.

Series, TV

The White Lotus

Segunda temporada da série que explora a aventura no mundo do turismo luxuoso e sua fauna desconcertante encanta os olhos

Texto por Taís Zago

Foto: HBO Max/DIvulgação

Eu preciso confessar para vocês que a primeira temporada de The White Lotus, vencedora de onze Emmys em 2022, à primeira vista, não me empolgou muito. O elenco é inegavelmente espetacular, em especial as atuações de Murray Bartlett como Armond (o gerente da filial havaiana da franquia de hotéis de luxo) e Jennifer Coolidge, como a insensível, autocentrada e deprimida milionária Tanya. O enredo sob o sol escaldante do Havaí, apesar de multifacetado, causou-me incômodo, talvez pela simplicidade dos seus temas. Possivelmente, também, eu não tenha levado em consideração que durante sua concepção e realização estávamos vivendo tempos pandêmicos – o auge da produção data de meados de 2021, e, dadas as condições e as restrições internacionais e sanitárias, foi feito um esforço para criar um conteúdo de qualidade da forma mais segura e rápida possível. O ator, autor, produtor e diretor Mike White, mais conhecido por ter escrito especialmente para Jack Black o blockbuster Escola de Rock (2003), conseguiu criar uma trama em um ambiente relativamente hermético – a cadeia White Lotus é uma espécie de Club Med do nouveau riche norte-americano – e unir de forma interessante drama e humor macabro com bastante equilíbrio.

Na segunda temporada de The White Lotus (EUA, 2022 – HBO Max), com maior liberdade tanto criativa quanto espacial, Mike nos leva para a sede siciliana da cadeia da flor exótica. Temos diante de nós uma nova equipe de funcionários locais trabalhando no hotel e novos hóspedes a serem paparicados sem restrições. O formato da série nos lembra uma versão Upstairs, Downstairs (1971) contemporânea – sucesso britânico da década de 1970 cujo formato televisivo influenciou várias produções, entre elas a festejada série Downtown Abbey (iniciada em 2010), onde os dramas da crew do hotel têm o mesmo peso na narrativa dos dramas dos privilegiados visitantes.

Como personagens recorrentes da primeira temporada temos apenas a confusa Tanya (Jennifer Coolidge) e seu “novo” marido Greg (Jon Gries). Tanya chega ao encantador resort com uma nova assistente a tiracolo, Portia (Haley Lu Richardson). Junto a ela no barco estão dois casais de jovens amigos milionários – Cam (Theo James) e a esposa Daphne (Meghann Fahy), Harper (Aubrey Plaza) e o marido Ethan (Will Sharpe), completando a trupe dos bem-sucedidos temos os Di Grasso – o pai Domenic (Michael Imperioli), o avô Bert (F. Murray Abraham) e o filho/neto Albie (Adam DiMarco). Na frente do comando dos funcionários do hotel fica a gerente italiana Valentina (Sabrina Impacciatore), que nessa temporada assume o papel que Bartlett interpretou na primeira temporada. Completam o elenco ainda as duas garotas de programa locais Luccia (Simona Tabasco) e Mia (Beatrice Grannò). 

Mike White não nos economiza no quesito encontros e desencontros. O roteiro possui várias reviravoltas e requisita a nossa atenção aos detalhes, às vezes, escondidos nas próprias imagens paradisíacas e objetos luxuosos. Repetindo o formato da primeira temporada, iniciamos essa jornada com mais corpos sendo encontrados. Do primeiro capítulo, então, voltamos no tempo até a chegada dos turistas ao hotel onde percorremos todo o caminho de volta à cena inicial. Um formato que vagamente lembra a antiga série Ilha da Fantasia, onde os visitantes usam suas férias para trabalhar seus problemas pessoais, dificuldades de comunicação, mistérios e conflitos familiares que a rotina do dia a dia teimava em enterrar.

As atuações são um deleite à parte. Todos os atores italianos merecem aplausos de pé, principalmente Sabrina, Simona e Mia. A leveza e a pungência do humor desse país dão à segunda temporada exatamente o tempero exótico que faltou à antecessora. Gargalhamos do absurdo, assim como gargalhamos do desespero. Ao mesmo tempo nos comovemos e somos encantados por um charme tão natural e genuíno que pensamos que em Taormina, o pitoresco vilarejo siciliano, tudo é permitido.

Visualmente, The White Lotus é uma série de tirar o fôlego. A fotografia, a música, a ambientação, tudo nos leva a viajar pelo mundo do luxo dos resorts e dos cenários de nossos sonhos. É o olhar do turista e, portanto, também há um amontoado de clichês bem selecionados, como um catálogo de uma agência de viagens. A Sicília nos é mostrada pelos olhos encantados dos norte-americanos – com vulcão, praias de água turquesa, palazzos decadentes cobertos de ouro e pinturas renascentistas, vinhedos e ilhas rochosas cheias de mistério. White também não poupou recursos para nos alimentar os olhos. Por outro lado, também não economiza recursos ao esfregar na nossa cara a amargura, a feiúra e a traição latentes no âmago de seus personagens. De novo, não existem aqui mocinhos e bandidos: existem pessoas que ora nos encantam ora nos causam repulsa com suas atitudes. E nós, de uma distância segura, rimos muito de tudo isso.

Em uma entrevista recente, o criador explicou que o tema da primeira temporada no Havaí foi o amor, o da segunda na Sicília foi o sexo e que o da terceira será a espiritualidade. Com isso, já nos deixa na expectativa de qual paraíso desse mundo será o novo destino e na certeza da confirmação da produção da próxima aventura no mundo do turismo luxuoso e sua fauna desconcertante.