Como unir o melhor das sonoridades recentes do rock subterrâneo americano e passar a satisfazer as massas interessadas em entretenimento
Texto por Abonico R. Smith
Fotos de iaskara
Alguns anos atrás o semanário britânico New Musica Express estampou na sua capa que Dave Grohl era o “cara mais cool do rock de hoje”. Fica difícil discordar disso mas eu ainda arriscaria ir além e dizer: Dave Grohl é a personalidade mais fluida do rock de hoje. Basta presenciar um show de sua banda para ter plena certeza disso.
Em primeiro lugar, Grohl nunca desistiu do underground. Primeiro quando, egresso de uma banda hardcore de Washington DC chamada Scream, enfrentou junto com Kurt Cobain e Krist Novoselic todo o turbilhão chamado mainstream ao qual o Nirvana foi jogado meteoricamente logo após ocupar em definitivo o cargo de baterista do grupo. Depois, imediatamente quando o trio acabou e Kurt se matou, Dave trancou-se em estúdio em forjou, com um material ainda inédito como cantor e compositor, uma banda de um cara só. Adicionou elementos como emocore, power pop, punk e hardcore e bateu tudo o que ouvia durante o período de sua adilescência (isto é, meados dos anos 1980) no liquidificador. Quando precisou montar uma banda para acompanhá-lo ao vivo nos palcos com este novo material, não pensou duas vezes: recrutou um time de primeira, com músicos vindos de pequenos estandartes dos subterrâneos norte-americanos (bandas como Sunny Day Real Estate, No Use For a Name, Germs) e encorpou ainda mais o peso de tudo isso. A partir daí foi só correr para o abraço da galera novamente. E levar às grandes massas, tal qual fizera com o Nirvana, um pouco de música (alternativa) de qualidade.
Assim se fez a fama do Foo Fighters ao longo destes vinte e poucos anos. O tempo foi passando e, gradualmente, a nova turma de Dave Grohl foi se transformando em uma banda de arena. Daquelas de comandar multidões em transe com riffs e solos de guitarra, diversos arranjos estendidos e aqueles finais épicos, com “todo mundo dando junto a mesma nota final” e a plateia urrando de emoção logo em seguida. E você acha que o nosso Mr. Undergound não gosta disso? Claro que adora e vai além. Não bastasse a conquista imediata dos milhares de fãs à sua frente com seu carisma, Grohl se diverte posando de herói do rock. Faz caras, caretas e poses (seja cantando ao microfone ou brincando com o público através de uma câmera instalada atrás do palco).
Musicalmente também expande os horizontes quando em turnê. O Foo Fighters vira banda grande. Toca com em volume bem alto. Pop ao extremo. Mandando um show de duas e horas onde desfila hit atrás de hit, todos acompanhados em uníssono por milhares de vozes. Capaz de misturar no meio do repertório um improvisado medley de covers de Michael Jackson, John Lennon, Van Halen, Ramones e Queen só para apresentar cada integrante no palco e não parecer algo esquizofrênico. Ou, então, inserir uma batida de reggae ali ou um inusitado trio de backing vocals acolá
Aconteceu tudo isso e mais um pouco na terceira escala da turnê brasileira do álbum Concrete and Gold, lançado no ano passado. Foram cinco shows em quatro cidades, sendo o de Curitiba (Pedreira Paulo Leminski, sexta-feira, 2 de março de 2018) o mais cheio de todos em questão de proporção; o local, com capacidade para vinte mil pessoas, estava lotado. Dave Grohl e seus velhos comparsas se divertiram bastante do palco levando o undergound às massas. A massa, por sua vez, também se divertiu, mas com muito pouca gente tendo noção do que a sonoridade da banda representa.
Sim, porque o rock’n’roll, para quase todos que estavam ali na Pedreira, tornou-se sinônimo de apenas entretenimento. Satisfação imediata. Shows de proporções gigantescas em estruturas previamente preparadas para receber multidões. Espaço quase zero para questionamentos ou quebra de barreiras e paradigmas. Plateia comportadinha, autômata, um tanto acéfala, programada para responder ao seu astro favorito da música naquele exato momento que ele fez o comando. Um show do Foo Fighters é um típico exemplo deste cenário pobre e infeliz que vivenciamos hoje. A culpa não é de Grohl ou qualquer outro artista, que só aproveitam para surfar na onda e ganharem um dinheiro mais do que justo de quem se dispõe a pagar os caros preços do ingresso. No caso de Dave, Nate Mendel (baixo), Chris Shiflett (guitarra), Pat Smear (guitarra), Taylor Hawkins (bateria) e Rami Jafee (teclados). Eles merecem fazer um bom de pé de meia. Já deram o seu quinhão para História do Rock. Os primeiros álbuns do Foo são muito bons e as bandas anteriores de alguns deles é um dos verdadeiros tesouros a serem procurados e encontrados pelos fãs mais atentos de sua atual banda. Vê-los agora, tocando para vinte mil pessoas (ou até mais, no caso dos estádios do Maracanã e Allianz Parque, no Rio de Janeiro e em São Paulo, dias antes), é sinal de merecimento por tudo o que fizeram quando tinham vinte e poucos anos. Agora, aos vinte e poucos anos do grupo criado por Grohl, é o tempo de colher os louros. E o duto de grana despejada por um público sedento por prazer fugaz de ir a um concerto de rock não pela música em si mas para fazer vídeos e selfies para mostrar aos amigos nas redes sociais que o fulano esteve por lá.
Ah sim, concerto gigantesco que se preze também precisa ter uma atração de abertura de peso. Desta vez o Foo Fighters trouxe ao Brasil o Queens Of The Stone Age, banda criada no semelhante modo de uma só figura central e no comando de tudo. Também amigo de lona de data de Grohl, Josh Homme trouxe a tiracolo o show referente a um álbum também lançado no ano passado. Segundo disco lançado pelo cultuado selo independente americano Matador, Villains marcou uma mudança de direcionamento criativo na banda, que pela primeira vez contou nas gravações de estúdio com os mesmos músicos que saem em turnê com Homme. Só que, como toda banda de abertura, o QOTSA enfrentou problemas com o som. No espaço gigantesco da Pedreira, por exemplo, tudo pareceu muito embolado. Foram 17 canções diferentes apresentadas no set list, mas cada música ali parecia apenas uma mera repetição da anterior. Sempre naquele mesmo esquema stoner, com uma parede de riffs sujos desenhando as texturas por trás do vocal limpo e melódico de Josh, só que com nuances e diferenças desaparecendo no meio da multidão.
Só que diante do estado atual de letargia da plateia rock’n’roll engana-se quem pensa que alguém ali, exceto críticos de rock chatos, exigentes e insensíveis, estava preocupado com isso. Muitas meninas suspiravam sem parar, atônitas pela presença diante da beleza white trash de Josh. Este, por sua vez, disparava a falar entre as músicas, metendo uma palavra fucking atrás da outra e teimando em insistir na brincadeira idiota com a plateia dizendo que aquele dia seria um sábado. Não precisava de semancol. Estava ali para divertir e fazer passar o tempo até a entrada do headliner da noite.
Dave Grohl tocou com Kurt Cobain no Nirvana por três anos. Lá em 1991 Kurt profetizava o que viria a acontecer no futuro. “Aqui estamos nós/ Nos entretenha”, berrava ele, com sua gritante veia sarcástica, no contundente refrão de “Smells Like Teen Spirit”, o maior hino da cambada de jovens losers que não viam salvação para si próprios já naquela última década do Século 20. Certamente, se vivo estivesse, o vocalista não compactuaria com a engrenagem comercial que tomou conta do cenário do rock. Kurt, afinal, era um eterno loser. Morreu também por ser naive e por causa de sua teimosia na pureza. Mas seu baterista, tão cool quanto fluido, soube muito bem “evoluir” de categoria e passar a ser um winner. E todos nós sabemos – como bem ressalta o velho provérbio de uma idiota mentalidade instaurada desde os primórdios do sistema político dos EUA – the winner takes it all (“o vencedor leva tudo”). Pena que o gigantesco público que ama consumir o rock’n’roll hoje tenha se alinhado a este espírito, sem dar a mínima à essência revolucionária, insatisfeita e rebelde do gênero musical que instaurou os conceitos de adolescência e juventude à História.
Set List Foo Fighters: “Run”, “All My Life”, “Learn To Fly”, “The Pretender”, “The Sky Is a Neighborhood”, “Rope”, “Sunday Rain”, “My Hero”, “These Days”, “Walk”, “Breakout”, medley (“Billie Jean”/”Imagine”/”Jump”/”Blitzkrieg Bop”/”Love Of My Life”), “Under Pressure”, “Monkey Wrench”, “Times Like These”, “Generator”, “Big Me”, “Best Of You”. Bis: “Dirty Water”, “This Is a Call” e “Everlong”.
Set List Queens Of The Stone Age: “My God Is The Sun”, “Burn The Witch”, “In My Head”, “Feet Don’t Fail Me”, “The Way You Used To Do”, “Smooth Sailing”, “The Evil Has Landed”, “Sick, Sick, Sick”, “The Lost Art Of Keeping a Secret”, “Make It Wit Chu”, “If I Had a Tail”, “Domesticated Animals”, “Little Sister”, “You Think I Ain’t Worth A Dollar But I Feel Like a MIllionaire”, “No One Knows”, “Go With The Flow” e “A Song For The Dead”.
P.S.: Uma estrofe inteira de uma das faixas de Villains, o novo álbum de Queens Of The Stone Age, é um resumo disso tudo comentado aí em cima. Em “Domesticated Animals” (“Animais Domesticados”, em português), Josh dispara: “Pretty pets, once were wild/ Domesticated love slave, give us a smile/ You got a number, is it the same?
Who you belong to?/ You feral or tame?/ Probably tame” (“Animais de estimação bonitos, uma vez eram selvagens/ Domado amor escravo, nos dê um sorriso/ Você tem um número, é o mesmo?/ Para quem você pertence?/ Você é selvagem ou manso?/ Provavelmente manso”). A música, inclusive, esteve presente no set list do QOTSA na Pedreira Paulo Leminski. Sintomático, não?