Premiado filme polonês é denso e entrega tudo que promete em uma experiência que homenageia os clássicos do cinema
Texto por Leonardo Andreiko
Foto: Califórnia Filmes/Divulgação
Guerra Fria (Zimna Wojna, Polônia/Reino Unido/França, 2018 – Califórnia Filmes), do polonês Pawel Pawlikowski (Ida, vencedor do Oscar), vem angariando premiações desde sua estreia, no ano passado. Em Cannes, a história de Wiktor (Tomasz Kot) e Zula (Joanna Kulig) levou o Prêmio Especial do Júri por sua fotografia e premiou Pawlikowski como diretor.
A imersão à trama inicia antes mesmo da história ser contada. Filmado em película em preto e branco em razão de aspecto 4:3, tal como os filmes da época que retrata (de 1949 a meados da década de 1960), Guerra Fria apresenta um estilo cinematográfico fortemente autoral, abusando de planos com espaço negativo e homenagens a cineastas da época, como quadros que lembram Tarkovski.
A narrativa revolve em torno do problemático casal interpretado por Kulig e Kot. Ela, uma cantora camponesa com um passado sombrio. Ele, um compositor viajando pelo interior polonês para montar uma companhia de música e dança folclóricas. Em suas idas e vindas pela fronteira Ocidente-Oriente (ou seja, capitalismo-comunismo), a trama orbita entre a rigidez da cultura eslava aliada ao advento do stalinismo na região e a boemia francesa por meio de inteligentes narrativas musicais, atrelando as letras e ritmos aos sentimentos dos personagens. Um bom exemplo é a utilização da tradicional “Dwa Serduszka”, cantiga sobre uma garota proibida de amar um rapaz. Outro método utilizado por Pawlikowski é seus quadros impecáveis e inerentemente narrativos, que nos contam subjetivamente tudo que é suprimido do diálogo da trama. Assim, o diretor constrói momentos de paixão e tensão no relacionamento com naturalidade.
Ainda que nomeado a partir de um dos eventos políticos definidores do Século 20, Guerra Fria não escancara um viés ideológico em sua trama, valendo-se da polarização europeia para transmitir a separação entre o casal, mas retrata secamente o contraste entre boemia e rigidez. Grande parte das separações do casal é forçada pelo momento político e, em especial, pelos agentes soviéticos. Mesmo assim, seu tema central é o amor (e suas consequências) entre os personagens principais.
A montagem inteligente – e tão homenageadora quanto a direção – de Jarosław Kamiński eleva o tom do filme. Separa muito bem seus atos, separados naturalmente pela passagem dos anos, alternando o ritmo sem perder o tom de reverência às obras pré-Nouvelle Vague. Vale lembrar aqui que a Nouvelle Vague foi um dos mais importantes movimentos cinematográficos, do qual participaram nomes como Jean-Luc Godard, Agnes Varda e François Trouffaut. Antes do movimento, o tempo cinematográfico era tratado de forma diferente a que vemos atualmente, bem como a montagem das obras
Como é possível perceber, a densidade do filme e suas características clássicas, por assim dizer, acabam por torná-lo uma obra de nicho, intragável para certo público, que o acusaria de ser “pretensioso”. Devo discordar de antemão, pois vejo com bons olhos a reverência à História do cinema de Pawlikowski, que não perde sua autonomia narrativa e entrega uma rica e densa história de amor, permeada pela Guerra Fria e, por que não, uma Guerra Fria em si mesma.