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O Último Ônibus

Singelo road movie mostra a perseverante viagem de ônibus de um idoso britânico que vai do norte escocês ao extremo sudoeste inglês

Texto por Abonico Smith

Foto: Pandora Filmes/Divulgação

Uma das principais características do road movie é ser uma subvertente do drama que explora a correlação entre a mudança de localidades e cenários e a mudança de personalidade do protagonista. Conforme o percurso vai se desenrolando durante a história, o espectador vai notando a transformação interna no personagem, que nunca termina como começou.

O Último Ônibus (The Last Bus, Reino Unido/Emirados Árabes, 2021 – Pandora Filmes), que acaba de estrear em salas de várias cidades brasileiras, é um típico road movie. Thomas Parker sai de casa decidido a fazer uma longa viagem. Ele mora há muitas décadas em John O’Groats, vilarejo do extremo norte escocês. Fazendo uso de seu passe livre no transporte público, decide encarar a estrada, indo de ônibus em ônibus até um destino especial: a cidade litorânea de Land’s End, situada no extremo sudoeste da Inglaterra. Lá na ponta da Cornualha, banhada pelo Oceano Atlântico e o Canal da Mancha. Pode levar o tempo que for, pode ter a dificuldade que houver (sobretudo em relação à idade bastante avançada), pode ter a companhia apenas de uma pequena malinha de mão mas a necessidade de percorrer quase de ponta a ponta o território da Grã-Bretanha fala mais alto por um motivo comum a muitas obras deste subgênero fílmico: uma certa inquietude íntima que remonta a acontecimentos do passado.

Dirigido por Gillies MacKinnon e roteirizado por Joe Ainsworth (mais conhecidos por trabalhos para a televisão britânica e o streaming), O Último Ônibus traz uma coisa bem distinta em relação a seus congêneres: Parker (Timothy Spall, mais uma vez em grande atuação) em nada muda do início ao fim. Começa o filme mostrando ser um simpático e doce avô do tipo daqueles que todo mundo gostaria de ter. Solícito, educado, conversador, perseverante, determinado, bem humorado. E assim segue até o final dos quase noventa minutos de filme. E se Tom não muda, então o que acontece? Ele consegue transformar os outros com quem o destino o faz cruzar. Simples, assim. Alguns minutos ou algumas horas, apenas. Mas o suficiente para ganhar uma diversa gama de tipos da sociedade britânica atual: imigrantes, artistas, crianças, jovens, casais, working class, homens, mulheres, viciados em redes sociais e em postar o que acontece ao redor. Gente diferente do seu cotidiano ou temperamento, com quem nunca esbarraria se não fosse a teimosia em cumprir seu objetivo como se fosse a última missão de sua já extensa vida.

Não existe também muita intenção de cativar o espectador de outra forma aqui que não seja por meio das palavras e ações de Tom. O ritmo é lento assim como o mood do protagonista, o que permite a degustação dos belos cenários escoceses de cabo a rabo (vale a pena lembrar que, por causa do baixíssimo orçamento, quase todas as cenas foram rodadas na região de Glasgow e outras cidades das Highlands e Midlands). Muitas vezes, com a ajuda da trilha sonora incidental do filho do icônico compositor de clássicos musicais da Broadway (que inclusive foram adaptados para o cinema) Andrew Lloyd Weber, o filme escorrega do tom melancólico para o melodramático, sobretudo na hora dos flashbacks que ajudam a entender melhor as motivações de Parker para a grande empreitada.

Este detalhe, entretanto, não chega a comprometer o resultado final. Mesmo porque simplicidade e despretensão são as principais qualidades desta parceria entre MacKinnon e Ainsworth, que construiu a história a partir de um mero papo com o padrasto a respeito do uso indiscriminado do free pass por algumas pessoas. O Último Ônibus é tão leve e inofensivo quanto a singela maletinha de couro que Thomas leva consigo até o fim de sua viagem.

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