Music

Hoodoo Gurus – ao vivo

Apesar do repertório irregular, australianos se garantem no Rio de Janeiro com músicas novas, boas lembranças e performance bem ajustada

Dave Faulkner (Hoodoo Gurus)

Texto por Marcos Bragatto (Rock em Geral)

Fotos de Daniel Croce (Rock em Geral)

A noite é a do tipo “fadada a recordações”, diria o velho homem da imprensa, e o momento especial não poderia ser outro, mesmo porque é único. Sim, só aconteceria mesmo no Brasil (só no Rio?), onde a dobradinha de canções, que passaria batida em todo o mundo aqui tem um significado realmente especial e precisa ser tocada. Tem que por no contrato que tem que ser assim. Por isso, quando os primeiros acordes da primeira música aparecem, o público vem abaixo, piração total. E quando a segunda vem quase emendada, aí a loucura é generalizada. É assim que o excelente público que encheu o Metropolitan (ops, Qualistage), reage no auge do show do Hoodoo Gurus, na sexta 14 de março, no Rio de Janeiro.

Explica-se que tanto “Out That Door” – a primeira – quanto “What’s My Scene” – a segunda – cederam trechos para vinhetas para a programação da Rádio Fluminense FM, que marcou fortemente a derradeira passagem da emissora de Niterói pelo dial na primeira metade da década de 1990. Ou seja, motivo de emoção e saudades de um tempo marcante de verdade. Era a época em que a rádio cobria competições de surfe e as músicas que os surfistas brasileiros ouviam quando iam competir na Austrália rodavam forte na programação, ganhando a pecha de surf music, sem ter nada a ver com o subgênero criado por Dick Dale, Beach Boys e afins. A coisa cresceu tanto que todas essas bandas (parte da new wave/pós-punk/rock australiano oitentista) fizeram turnês concorridas nos anos subsequentes por aqui. A do Hoodoo Gurus, em 1997, por exemplo, lotou duas noites seguidas deste mesmo Metropolitan.

Dito isso – saudosismo uma ova! – o fato é que nesse meio tempão a banda acabou, voltou com discos pouco ouvidos e agora está na turnê do novo álbum, o bom Chariot Of The Gods, que saiu no ano passado. Dele são apresentadas quatro faixas: as boas “World Of Pain”, que abre a noite, e “Equinox”, “uma canção sobre boa sorte”, cantada pelo guitarrista Brad Shepherd; e as nem tão legais assim “Chariot Of The Gods”, a faixa-título, e “Answered Prayers”, que emula Echo & The Bunnymen e não esconde as origens 1980s da banda. Uma pena terem ficado de fora, desse disco novo, três das melhores músicas: “Get Out Of Dodge”, “My Imaginary Friend” e “Carry On”, dotada de um refrãozaço daqueles (procure saber!).

Montar set list, veremos, não chega a ser uma virtude desses aussies. Mas compor música boa, sim, e, vamos e venhamos, em mais de 40 anos de estrada, há um bocado delas pro público cantar do início ao fim. Caso de, por exemplo, “If Only…”, da época em que a banda circulou por aqui, com Dave Faulkner (vocal e guitarra) colocando a massa pra cantar; “Come Any Time”, na abertura do bis; e da deliciosamente pop colante “I Want You Back”. Além de Faulkner e Shepherd, estão na formação o baixista Richard Grossman, completando a trinca remanescente dos shows noventistas por aqui, e o batera Nik Rieth, novo na turma, mas cascudaço. É evidente em todo o show a performance bem ajustada do quarteto e os fabulosos backing vocals de Grossman e Brad Shepherd, inclusive nas músicas do disco novo, que se completam com a voz de Dave Faulkner – este, a propósito, com o falsete em dia.

show só engrena da metade para o final, o que se explica, de certo modo, pela escolha do repertório. Músicas como “Tojo” e “Poison Pen”, por exemplo, poderiam tranquilamente ser limadas, e não é porque “Leilani” é a primeira música composta pela banda que tem que ser tocada em todos os shows. De outro lado, que falta fazem temas como “A Place In The Sun”, “Down On Me” e “In The Middle Of The Land”, só para citar três das grandes ausências. O que não invalida momentos lindos com em “Castles In The Air” e “1000 Miles Away”, no bis, além da piração total da dobradinha “Out That Door” e “What’s My Scene”, citada lá em cima. O que, no fim das contas, faz dessa passagem do Hoodoo Gurus pelo Rio uma noite e tanto. Que voltem sempre que tiverem um novo álbum pra mostrar!

Na abertura, a banda cover VAAR Surf Band comandou um bailão daqueles. O grupo parece especializado em tocar as músicas das bandas oitentistas australianas – a tal da surf music australiana, vá lá. E aí é um Gang Gajang aqui, um Midnight Oil acolá e outro Spy Vs Spy, tudo hit que todo mundo conhece e curte o tempo todo. O bom é que o quarteto se garante no palco e se esforça para tocar tudo igualzinho às versões originais, a ponto de o vocalista se dividir entre violão, harmônica e até um trompete. O ruim é a execução no final de um inacreditável medley que incluiu Red Hot Chili Peppers e REM juntos! Mas que animou a turma, isso animou.

Set list: “World Of Pain”, “Another World”, “The Right Time”, “The Other Side Of Paradise”, “I Was The One”, “Leilani”, “Answered Prayers”, “Night Must Fall”, “Tojo”, “If Only…”, “Chariot Of The Gods”, “I Want You Back”, “Poison Pen”, “Equinox”, “Castles In The Air”, “Out That Door”, “What’s My Scene”, “Bittersweet” e “I Was a Kamikaze Pilot”. Bis: “Come Anytime”, “1000 Miles Away” e “Like Wow – Wipeout”

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Floripa Rock Festival – ao vivo

Pitty com Nando Reis, Paralamas do Sucesso e CPM 22 levam à capital de Santa Catarina um grande tributo ao rock nacional

PittyNando

Texto e fotos por Frederico Di Lullo

Cheguei em cima do laço para prestigiar o Floripa Rock Festival no último dia 4 de fevereiro, no Stage Music Park. E foram logo os primeiros acordes de “Tarde de Outubro” que fizeram as milhares de pessoas irem abaixo. Sim, a banda que teve a honra de abrir a primeira edição do evento realizado na capital catarinense foi o quinteto paulista de hardcore melódico CPM 22.

Tudo ocorreu como eu imaginei. Badauí e sua trupe fizeram uma apresentação longa, recheada de clássicos que fizeram a plateia sentir nostalgia dos anos 2000. No repertório não faltaram os clássicos como “Regina Let’s Go” (cantada a plenos pulmões) e “Irreversível”, além de um sample de “Mantenha o Respeito”, que fez subir uma leve maresia no ar. O som estava mais ou menos, algo que de fato me surpreendeu pela estrutura de palco. Deixava quem estava mais à frente com os ouvidos estourados. 

O grupo fez um show enérgico, que empolgou boa parte da galera, que ia de jovens a não tão jovens assim como eu. É inegável que o CPM 22 curte muito a Ilha da Magia e a Ilha da Magia curte muito a banda. A performance terminou lá em cima, mas ainda tinha tempo para mais. Foi aí que os músicos retornaram para ecoar “O Mundo Dá Voltas” e “Ontem”, além de uma miniversão de “We’re Not Gonna Take It, hino do Twister Sisters. Nesse momento, o velho roqueiro que habita em mim sorriu timidamente. Enquanto todos corriam para os banheiros e para pegar uma cerveja gelada, aproveitei para escalar algumas posições e me posicionar para o próximo show.

Paralamas do Sucesso

Já passava das 22h e chovia de maneira grotesca quando Herbert Vianna, Bi Ribeiro e João Barone subiram ao palco (acompanhados do fiel escudeiro João Fera nos teclados) e começaram seu magnifico concerto, que contou com quase duas horas de duração. A história que estes caras carregam nas costas é algo incrível, mas muitas pessoas ainda não percebem o quão importantes são para a cultura brasileira. 

Na estrada há 40 anos, sabem como agradar cada plateia em cada cidade do nosso país. Em Florianópolis foi um sucesso atrás do outro: “Ska”, “Vital e Sua Moto”, “Alagados”, “Trac Trac”. Nesta última, presenciei uma cena emocionante que envolveu pai e filha, cantando juntos, com ele visivelmente emocionado. São coisas que marcam pra sempre os envolvidos. Até minha pessoa. E no set dos Paralamas ainda cabiam mais sucessos, como “A Novidade”, “Meu Erro”, “Melô do Marinheiro” e “Você”. Uma verdadeira festa, afinal. 

Cansado cheguei ao show de Pitty e Nando Reis, dupla também conhecida como PittyNando. O clima se diferenciava dos outros dois anteriores: se por um lado tínhamos energia e vibrações pairando no ar, agora tudo era intimista e de despedida. Afinal de contas, foi a última apresentação do duo, pelo menos nesta versão de concerto. A escolha de Florianópolis como palco derradeiro não deve ter sido à toa. Eles se sentiam muito à vontade: não cansavam isso de falar nos intervalos das músicas. 

Desfilando por sucessos com arranjos distintos das gravações originais, destacava-se a alegria de “Marvin” na voz sentimental de Pitty. Outra música, que agora ganhou um viés ainda mais politizado foi “Máscara”, cantada de maneira polifônica pelos presentes.

Durante a apresentação, percebi que o espaço ia ficando menos lotado, talvez fosse seja pela chuva que não dava trégua. Mas, no palco, o clima era outro. A evidente sintonia entre Pitty e Nando ia deixando o ambiente em vibe nostálgica e totalmente emotiva. Eles entoaram outros clássicos seus como “Por Onde Andei”, “Me Adora”, “Pra Você Guardei o Amor” e “All Star“. No fim de tudo, o sentimento de realização e emoção tomou conta de todos. Plateia, artistas e equipe de apoio mandaram uma sonora e longa salva de palmas. Ficamos agora na expectativa e na vontade de uma nova parceria entre eles, talvez em formato diferenciado ou com novas composições além das conhecidas músicas autorais de cada um.

Este primeiro Floripa Rock Festival foi emocionante. Do fundo do coração, espera-se que outras edições do festival sejam anunciadas e que possamos curtir mais bandas destaque do cenário nacional que, muitas vezes, apresentam-se de maneira esparsa por aqui e a preços exorbitantes.

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A-ha – ao vivo

Abismo na relação entre os três músicos deixa o show dedicado ao álbum de estreia morno e aquém da devoção dos fãs brasileiros

Textos por Abonico Smith (Curitiba) e Fabio Soares (São Paulo)

Foto: Abonico Smith

Se existe uma plena certeza no mundo da música pop ela se encontra na implacabilidade do tempo. Para o bem e para o mal. No primeiro caso, ele corrige injustiças e acaba vir a determinar que um disco ou artista que porventura tenha passado meio em branco no passado seja descoberto e passe a se tornar algo bem influente para as gerações posteriores. Tom Zé e, mais recentemente, Kate Bush são bons exemplos disso. No segundo, o tempo age para desgastar a química inicial que deu certo e encantou muita gente lá no inicio. Acontece quase sempre com bandas. Quando há duas ou mais pessoas envolvidas na mesma carreira, é bem provável que no decorrer dos anos comecem a aparecer conflitos de interesse, mudanças de percepções e divergências de vontades. Fora da música, é como se distanciar daquelas amizades de infância e adolescência que sempre habitaram a nossa memória. Você pode lembrar as pessoas com carinho só que a dureza da vida adulta e a transformação das personalidades faz tudo esfriar de um jeito que voltar atrás e continuar aquela proximidade de outrora é tão impossível quanto parar os ponteiros do relógio.

Com o A-ha foi exatamente isso o que ocorreu. Com quase quarenta anos de trajetória nas costas, o trio norueguês conquistou o sucesso com um punhado de músicas gravadas nos primeiros quatro álbuns, espalhados no intervalo de meia década (entre 1985 e 1990). De lá para cá vieram mais alguns discos, muitas brigas e desavenças internas, duas separações acompanhadas por projetos solo e o retorno à manutenção da marca por meio de viagens pelo mundo. A última delas, que somou passagens por seis cidades brasileiras e sete apresentações ao vivo, foi determinante para que se revelasse em cima do palco toda a distância que hoje existe entre Morten Harket (vocais), Magne Furuholmen (teclados e violão) e Pal Waaktaar-Savoy (guitarras e violão). Em Curitiba, escala final da turnê que comemorava os 35 anos do álbum de estreia Hunting High And Low (na verdade, a vinda ao nosso país estava marcada para o segundo semestre de 2020, mas dois adiamentos aconteceram por conta da extensão da pandemia da covid-19), fico mais do que evidente esse abismo todo entre os três. O documentário A-ha: The Movie, lançado agora nos cinemas europeus e exibido em junho pelo festival In-Edit Brasil, já entregava que os camarins são separados e os três raramente aparecem na mesma cena durante entrevistas e flagrantes de imagens de bastidores. Na capital paranaense, ele mal se falavam ou olhavam em cima do palco montado atrás de um dos gols da Arena da Baixada. Também não se abraçaram. Nem no encerramento, durante o agradecimento ao público, o que costuma ser algo corriqueiro quando se trata de um grupo de rock.

Juntar os três em uma mesma fotografia não era algo tão fácil em virtude da logística montada no estádio do Athlético Paranaense. De qualquer maneira, a melhor saída para ilustrar este texto seria não cometer injustiça com qualquer um dos músicos. Deixar um ou dois deles fora de cena se equivaleria a não reconhecer que o A-ha só sobrevive hoje pela unidade que se forma quando todas as peças musicais do quebra-cabeças norueguês se juntam. Afinal, a qualidade e o peso das letras, melodias, riffs e arranjos são igualmente distribuídos aos três. Morten, Mags e Pal sabem que são fortes juntos, mesmo que por anos precisem se tolerar amistosamente para manter a engrenagem chamada A-ha em ação. Tudo isto significa a sobrevivência no mercado musical, apesar de não haver muita renovação de plateia – o que se viu na arquibancada da Arena foi um maciço desfile de fãs acima dos 40 anos de idade.

Ter deixado alguns hits de fora do set list para poder abrigar em seu miolo o repertório integral de Hunting High And Low pode ter desagradado muita gente que estava por lá na expectativa de ouvir uma live version de “You Are The One”, “Stay On These Roads” ou “Touchy!”, por exemplo. O fato de muitas faixas mais obscuras do primeiro álbum, por melhores que sejam em estúdio, não ganharem o brilho necessário quando executadas ao vivo também não foi tão relevante assim. Só que o que mais pesou muito no cômputo final para o saldo de quase duas horas de um show morno, muito morno, foi mesmo a falta de química entre os três integrantes. As principais canções são boas e incendeiam qualquer público de qualquer faixa etária. Os três são excelentes músicos, cada qual em seu instrumento predominante – o já sessentão Morten, sobretudo, não deixa nada a dever no alcance de oitavas mais agudas pelo qual se tornou famoso desde “Take On Me”, apesar de todo mundo saber que o avanço da idade acaba impondo certas dificuldades e limitações vocais a qualquer pessoa que canta. Só que precisão técnica e profissionalismo extremo não fazem engrenar um show de rock em sua totalidade. Rock é e sempre foi pegada, energia, pulsação, dinâmica, ímpeto, víscera, explosão. O resto ainda pode ser música das boas, claro, mas não coloca fogo em um show de rock tal qual o concebemos desde os anos 1950. 

Essa apresentação do A-ha na Arena da Baixada, na noite de 25 de julho, estava mais para um concerto de câmara de música pop. No palco, uma miniorquestra de seis integrantes. Havia três músicos de apoio, também vindos da Noruega, de exímio talento nos sintetizadores, contrabaixo e bateria. E havia os outros três, os astros principais da noite, procurando ser tão precisos quanto um relógio (mesmo com pequenos deslizes e erros de notas durante justamente o gran finale com “Take On Me”) em respeito aos fãs e ao atraso de dois anos na vinda ao nosso país. Só que um relógio funciona com uma engrenagem mecânica. Sem sentimentos, sem emoções, sem arroubos. Tique-taque depois de outro tique-taque, tão somente. Do início ao fim era perceptível que havia muito mais brilho no olho em quem estava pelas arquibancadas inferior e superior – embora valha ressaltar todo o esforço do tecladista Mags ao se apresentar naquela noite depois de ter passado horas de apuro na cidade por causa de um violento piriri.

Em virtude de tamanha devoção do público brasileiro, o A-ha costuma volta e meia tocar aqui no país. Tomara que sobrevivam internamente às turras até a próxima oportunidade de voltarem para cá e se acertem em todas as suas diferenças. Com o repertório e a técnica que eles têm (e são dois elementos que fazem falta a muitas bandas por aí mundo afora), as chances de Morten, Mags e Pal protagonizarem uma noite bem mais quente e devolverem à altura toda a energia que sai de casa para ir vê-los em uma segunda-feira à noite. Ficaria não apenas mais justo no fim das contas, mas também mais propício para o que se entende por um show de rock. (AS)

***

Nos primeiros minutos do documentário A-ha: The Movie, o entrevistador dirige um questionamento simples e objetivo ao tecladista Magne Furuholmen.

– Ainda tem vontade de gravar material inédito com a banda?

– Não!

– Não?

– Não.

– Por quê?

– Porque, a esta altura do campeonato, seria uma máquina de moer cérebros e não quero passar por este processo novamente.

Anos após a declaração acima, a previsão de Magne não se concretizou por um único motivo: o tecladista não suporta o vocalista Morten Harket , tampouco o guitarrista Pal Waaktaar-Savoy. Mas negócios são negócios e quando há cifras milionárias envolvidas, abre-se uma exceção.

O A-ha já pisou em solo brasileiro por umas 635 vezes. Chegou inclusive a se apresentar na Festa do Peão de Barretos, no ano de 2002. Tantas vezes, porém, não fez diminuir a idolatria que o público brasileiro sente pelo trio. Muito pelo contrário. E foi com este espírito de “karaokê de terça à noite” que um público aficcionado e carente de shows (a simples execução de “Everybody Wants To Rule The World”, do Tears For Fears, fez parte da plateia entoar sua melodia a plenos pulmões antes da banda norueguesa vir ao palco) dirigiu-se no último 19 de julho ao antigo Espaço das Américas, em São Paulo, que atualmente empresta seu nome a um renomado plano de saúde.

Desta vez, porém, a proposta era diferente. Com o pretexto de “comemorar” os trinta e cinco anos de lançamento do début Hunting High And Low (de 1985), a banda executou na íntegra seu álbum de estreia. Boa idéia? Talvez. Funcionou ao vivo? Não. Com uma modorrenta quadra de canções incidentais (incluindo a inédita (e fraquíssima) “Forest For The Trees, que será parte integrante de True North, novo album do trio a ser lançado agora em outubro, somente após quase meia hora de apresentação Hunting High And Low é revisitado com “Train Of Thought”. A categoria dos músicos permanece ilibada após quase quatro décadas de carreira, incluindo o alcance vocal de Harket, atingindo inimagináveis falsetes às vésperas de completar 63 anos de idade. 

Claro que a devoção da plateia brasileira é um auxílio luxuoso que não pode ser desprezado. Coube ao público cantar os versos da faixa-título do álbum, executada inicialmente em formato semi-acústico. Já na tríade “The Blue Sky”, “Living a Boy’s Adventure Tale” e “The Sun Always Shines On TV”, as onipresentes texturas de sintetizadores de Magne fazem a “cama sonora” funcionar. O público, completamente entregue, pouco importou-se com Pal isolar-se na extremidade direita do palco como um funcionário de cartório, em plena sexta-feira, rezando para o ponteiro do relógio chegar às cinco da tarde.

Após a execução da íntegra do primeiro álbum, coube a “Cry Wolf” e a espetacular “I’ve Been Losing You” prepararem a atmosfera para um bis curto, direto e com gosto de fim de feira. “Take On Me” é a “With Or Without You” do A-ha. Clássico obrigatório mesmo que seus integrantes queiram execrá-la.

Fim da apresentação. luzes acesas e uma certeza: Hunting High And Low segue como um dos mais importantes discos de estréia dos últimos 40 anos. Só que mas executá-lo na íntegra em um único show torna a apresentação burocrática e modorrenta, transformando o trio numa espécie de Imperatriz Leopoldinense da música pop, com desfiles extremamente técnicos para vencer campeonatos porém, longe (mas muito longe mesmo) de empolgar uma arquibancada. (FS)

Set list: “Sycamore Leaves”, “The Swing Of Things”, “Crying In The Rain”, “Forest For The Trees”* ou “You Have What It Takes”*, “Train Of Thought”, “Hunting High And Low”, “The Blue Sky”, “Living a Boy’s Adventure Tale”, “The Sun Always Shines On TV”, “And You Tell Me”, “Love Is The Reason”, “I Dream Myself Alive”, “Here I Stand And Face The Rain”, “The Blood That Moves The Body”, “We’re Looking For Whales”, “Cry Wolf”, “I’ve Been Losing You” e “The Living Daylights”. Bis: “Take On Me”.

* As duas músicas se revezaram nesta posição durante esta turnê pelo Brasil

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Lollapalooza Brasil 2022 – ao vivo

Oito motivos para celebrar o retorno do festival cantando os versos “olê olê olá! Lolla! Lolla!”

Planet Hemp

Textos por Abonico Smith

Fotos: Lolla BR/Camila Cara/Divulgação

Enfim, a música está definitivamente de volta aos palcos no Brasil. E os festivais de música também. Depois de dois anos de muito isolamento, distanciamento e congelamento de eventos artísticos provocados pela pandemia, com os números em queda e o gradativo relaxamento das regras sociais, a grade de grandes eventos pode ser retomada em 2022. No terreno da música pop, tudo começou no último final de semana, no Autódromo de Interlagos, em São Paulo, com os quatro palcos e três dias do Lollapalooza Brasil, que, entre 25 e 27 de março, retomou um pouco daquela programação que estava sendo esperada para 2020, mas com várias alterações sendo feitas a cada cancelamento, até mesmo nas últimas semanas com a desistência de duas bandas internacionais por conta de gente diagnosticada com a covid-19. Surpresas que se prolongaram até a véspera do domingo, com o mundo sendo pego de surpresa pela notícia da inesperada morte de Taylor Hawkins, o carismático baterista do Foo Fighters, o último dos três headliners, horas antes de um show em outro festival na Colômbia.

Mondo Bacana lista oito motivos que vão fazer você se lembrar para sempre desta edição um tanto confusa e atabalhoada mas extremamente importante para ajudar a recolocar os grandes festivais e eventos musicais no eixo em território brasileiro.

Wombats

Este trio liverpludiano de nome de marsupial australiano e carreira sólida no circuito indie rock europeu merecia ter sorte melhor em sua primeira vinda (tardia, já que a discografia aponta cinco trabalhos em 15 anos) ao Brasil. Mal havia começado seu set e do nada veio um toró danado, com muitos raios e ventos, o que forçou a organização a cancelar tudo imediatamente e evacuar palco e plateia pelo risco de acidentes próximos a instalações metálicas. Foram só cinco músicas, mas o suficiente para ver que o vocalista Matthew Murphy e seus comparsas tinham muita lenha para queimar naquela tarde de sexta-feira. Misturando guitarras e grooves e com hits poderosos como “Moving To New York” e “Techno Fan”, lá do início da carreira, estrategicamente colocados no pontapé inicial para incendiar tudo. Só que aí veio o inesperado. A chuvarada veio impiedosamente para apagar todo o fogo da banda. Pelo menos restou a suspeita de que ano que vem eles deverão estar de volta por aí para compensar o “pocket show forçado”.

Strokes

Muita gente pode achar sem sentido a escalação do Strokes como headliner de um grande festival, justificando que o quinteto nova-iorquino está longe de seu auge criativo. Pura bobagem! Se bandas como Red Hot Chili Peppers e Guns N’Roses vivem desembarcando aqui no Brasil com o mesmo status, porque a trupe de Julian Casablancas não poderia também? OK, as vendagens podem não ter sido tão grandiosas se comparadas a estes nomes, mas a importância e a significância para tal ponto. Afinal, ajudaram a consolidar uma nova linguagem do rock, tão suja e underground quanto seus antecessores que consolidaram o punk e o alternativo no subsolo norte-americano. E, bem, musicalmente continuam muito bons. Simples, direto ao ponto, sem firulas (até mesmo nos solos). Julian Casablancas continua cantando cinicamente desanimado, como um “tô nem aí para nada”, agarrado no pedestal, de óculos escuros e na maior pose antipopstar. Aliás o foda-se desta vez estendeu-se também à escolha do repertório. O grupo ousou ao eliminar escolhas óbvias para festivais como de hits (como “Someday” e sobretudo “Last Nite”), pegar lados B dos dois primeiros álbuns (“Under Control”, “Trying Your Luck”, “Take It Or Leave It”, “New York City Cops”) e bancar um terço do set list (cinco de quinze) com faixas do álbum mais recente, lançado logo depois do lockdown mundial provocado pelo decreto da pandemia. Gran finale da primeira noite!

Emicida

Há muito tempo que, em se tratando de peso e atitude, o rap é o novo rock aqui no Brasil. Depois de uma série de discos acachapantes, Emicida veio para este Lollapalooza disposto a provar que, sim, pelo menos em se tratando de festivais de música a revolução pode ser televisionada em nosso país. AmarElo, o show, é uma porrada na cara, um soco no estômago, um tapa do Will Smith em todos os sentidos. Banda afiada, com duas guitarras poderosas, baixista-maestro, percussão dando peso às batidas do DJ. Com versos de forte conteúdo racial, social, político e (por quê não?) de relacionamentos pessoais – a ponto de levar a um festival pop o pastor Henrique Vieira para mandar um sermão contagiante no final com “Principia”. Antes, porém, uma trinca matadora com participações especiais: Rael em “Levanta e Anda”, Drik Barbosa em “Luz” e Majur em “AmarElo”(aquela na qual o sample com o refrão gravado originalmente na voz de Belchor vira transe coletivo).

Miley Cyrus

Às vésperas de completar 30 anos de idade, a ex-Hannah Montana libertou-se de todas as amarras imagéticas que ainda poderiam estar assombrando seus trabalhos anteriores. Sonoramente, lançou-se fundo no rock, com muitas timbragens e elementos oitentistas sem abandonar a veia pop dos arranjos. Visualmente, toda de preto e cabelo platinado no melhor estilo femme fatale eternizado por Madonna também nos anos 1980. De quebra, ainda chamou a amiga Anitta ao palco para celebrar “a brasileira número um mundial do Spotify” e mandar – rebolando bastante, claro – um feat do novo hit dela “Boys Don’t Cry”. Só que nem tudo é perfeito. Para os millennials, Miley pde ser o máximo, impactante, de causar arrepios. Só que quem tem mais idade e já viu muito mais coisa no rock’n’roll sabe que tudo nao passa de um pastiche. Bem produzido mas um pastiche. Rola um déjà-vu atrás do outro, com lembranças que vão de Bon Jovi a… Madonna! Isso sem falar no amontoado de covers sem sentido (já que ela é uma headliner com carreira já longa e consolidada) que deformam Pixies (“Where Is My Mind?”), Blondie (“Heart Of Glass”) e Nancy Sinatra (“Bang Bang”). Ah, sim, teve toda a encenação do choro pela morte do grande amigo pessoal Taylor Hawkins no meio do show (quando ela cantou “Angles Like You” sentada em uma cadeira agarrada a uma bolsa de grife da qual tirou um lencinho para enxugar as lágrimas sem borrar o make). Por falar em grife, o que dizer do enorme casaco de inverno verde que ela teve de vestir e cantar por uns dois minutos usando durante a primeira música. Contratos de parceira publicitária? Muito rock’n’roll isso, né? No telão ao fundo, a frase “sell out to sell out”(em bom português, “vender-se para se vender”). Pose dez, atitude duvidosa no fim das contas. Será que é disso que o mundo necessita mesmo?

Idles

Já faz alguns anos que as terras britânicas vem exportando ao mundo uma série de novas bandas excitantes. Muitas delas, inclusive, com inspiração clara nos bons sons alternativos norte-americanos dos anos 1990. O Idles é um destes exemplos. Formado na cidade de Bristol, o quinteto vem concebendo álbuns maravilhosos em série (foram quatro desde 2017) e é nos concertos em grande escala que vem fazendo sua fama expandir ainda mais. Se a sonoridade já era brutal em pequenos espaços, quando o palco ganha proporções gigantescas – como é o caso dos festivais a céu aberto – parece que a banda também se agiganta com facilidade extrema. Aqui no Brasil, tocando pela primeira vez, não foi diferente. Com um pezinho naquela mistura entre o punk rock, o hardcore e o industrial e lembrando bandas clássicas de selos como Touch and Go (de Chicago) e Alternative Tentacles (criado por Jello Biafra em San Francisco). O quinteto insano jorrou em pouco menos de uma hora treze músicas praticamente coladas uma na outra – com claro destaque para o segundo álbum, Joy As An Act Of Resistance, de onde vieram sete delas). Ao vivo, parece que cada músico dispara para um lugar separado, tanto nas notas musicais como na performance cênica individual. A somatória desta coisa toda aparentemente difusa acaba atordoando, formando um conjunto monolítico com altos graus de ironia e sarcasmo – nas danças ora patéticas ora intensas dos músicos, na verborragia cuspida pelo vocalista Joe Talbot, na pancadaria rítmica da e bateria, nas distorções e microfonias incessantes formadas por toneladas de pedais ligados ao baixo e às duas guitarras. Nunca um fim de tarde de domingo soou tão longe de ser modorrento.

Libertines

Depois do Idles, no mesmo palco principal do Lolla vieram os Libertines, atração praticamente acertada de última hora, já que duas semanas antes do festival o Jane’s Addiction cancelou a vinda por conta de casos de covid em sua equipe. E, olha, nunca uma escolha poderia ter sido tão acertada e oportuna quanto esta. Afinal, lá atrás, quando estiveram pela primeira vez no país também em um grande festival, a banda estava no seu auge mas se encontrava temporariamente sem um de seus frontmen, o guitarrista e vocalista Pete Doherty estava temporariamente afastado de suas funções em virtude de uma sentença judicial que o levou à cadeia. E Carl Bârat sem Pete é como Piu-Piu sem Frajola, Buchecha sem Claudinho. Agora, Pete e Carl ficaram lado a lado, alternando-se nos vocais no típico repertório “banda de bar” que fez a fama do quarteto lá na primeira metade dos anos 2000 – o set list contou com treze faixas extraídas dos dois primeiros e mais famosos álbuns. Com a poderosa ajuda do experiente baterista Gary Powell (que, dez anos mais velho que os dois e negro, ainda insere com extrema competência elementos de jazzblues e soul nos arranjos). Tudo bem que a idade já começa a pesar nos ombros. Com 43 anos de idade, não são mais aqueles likely lads que promoviam performances anárquicas em pequenos palcos nas gigs em Londres e arredores. Pelo menos estão vivos e esperneando, sempre prontos para mandar clássicos do indie rock do século 21 como “What Became Of The Likely Lads”, “What Katie Did”, “Boys In The Band”, “Time For Heroes” e “Can’t Stand Me Now”. Sorte nossa, mesmo que muita gente mais jovem que estava in loco no Lolla não tenha dado a mínima por achar que rock é o que menos importa na música de um festival.

Mano Brown

O rap é o novo rock

Perto da meia-noite de sexta para sábado (horário de Brasília) chega a notícia bombástica: horas antes de se apresentar em um festival na Colômbia, o baterista do Foo Fighters Taylor Hawkins morre no hotel. Mais um problema – e que problemão – de última hora para a escalação do festival: como resolver em questão de menos de dois dias a substituição da banda para encerrar a programação do palco principal no domingo? A solução estava bem perto e, de certa forma, vinda de um lado inesperado para muita gente: ela respondia por Emicida. Admirador da banda de Dave Grohl, assim como a guitarrista de sua banda, Michele Cordeiro, ele recorreu a um punhado de amigos rappers e resolveu prontamente o problema de logística: montou um show tão longo quanto, juntando um monte de artista que nas últimas três décadas ajudou a cristalizar o hip hop como um dos gêneros musicais mais populares do país. Deste jeito, o concerto improvisado – anunciado como uma homenagem a Taylor Hawkins sem, contudo, prender-se ao modelo chato de tributo de execução das principais músicas gravadas pelo homenageado – foi dividido em duas partes. Na primeira, os DJs Nyack e KL Jay deram o suporte soltando as bases para nomes como Emicida, Rael, Criolo, Bivolt, Drik Barbosa, Djonga, Ice Blue e Mano Brown mandarem algumas das principais composições de suas carreiras (…). A metralhadora verborrágica da turma revelou-se tudo aquilo que anda em falta nas bandas mais tradicionais de rock: sagacidade, rebeldia e periculosidade intelectual. Na segunda, os DJs e MCs individuais cederam o palco ao Planet Hemp, que veio do Rio de Janeiro para mostrar que a produção do festival cometeu um grande erro ao não escalá-lo. Com a banda afiadíssima e misturando hardcore, psicodelia, samba e jazz ao canto falado de Marcelo D2 e BNegão, o PH é uma das poucas bandas brasileiras de rock realmente avassaladoras ao vivo hoje em dia. Peso, contundência e, claro, aquela chama capaz de nunca se apagar. Tanto uma metade quanto a outra pode ser definida como uma oportunidade para celebrar o amor, a música e a possibilidade de se estar junto àquelas pessoas que amamos. E não bastasse esses lados A e B do novo concerto, houve ainda um “prefácio” tocante com Michele e Mônica Agena dedilhando lentamente suas guitarras e tornando “My Hero” ainda mais emocionante. No fim, depois do Planet Hemp, mais uma homenagem direta a Hawkins. O Ego Kill Talent, banda brasileira escalada para abrir a última turnê brasileira do FF em 2018, encerrou as atividades com duas músicas: uma autoral mais “Everlong”, a primeira cover tocada pelo quinteto durante toda a sua trajetória de shows. Se em um primeiro momento tudo parecia triste, perdido e arrasado para o encerramento de domingo do Lolla, depois dessa turma toda ninguém mais teve dúvida de que valeu muito a pena ter ido ao Autódromo ou ficar vendo pela TV toda aquela competente gambiarra improvisada horas antes.

#ForaBolsonaro

Sabe aquele tiro que sai pela culatra? Pois foi bem o que aconteceu neste Lollapalooza. Na sexta-feira, um fã deu a Pabllo Vittar uma bandeira com a cara e o nome de Lula e ela saiu correndo com o objeto, tremulando-o ao vento, em disparada pelo corredor que separa uma metade da outra do público. A foto saiu estampada em todos os portais de notícias. Em outro palco, a cantora galesa Marina Diamandis mandou, em alto e bom português, um “#ForaBolsonaro”. Os Strokes saíram do palco usando o microfone para falar a mesma coisa. Foi o que bastou para Jair Bolsonaro ficar nervosinho e, disfarçando sob a assinatura de seu novo partido, pedir judicialmente a reativaçãoo da censura a artistas, proibindo-os de expressar suas opiniões travestidas de, segundo suas palavras, “campanha para presidente antes do período determinado pela lei”. Só que ele pode e sempre faz isso. E o pior: o mesmo ministro do TSE Raul Araújo que endossou o pedido e faz voltar a valer a censura neste país foi aquele que, semanas antes negara pedido de retirada de outdoors irregulares fazendo campanha para Bolsonaro em uma cidade de Mato Grosso do Sul. Mas de nada adiantou esse passo rumo ao retrocesso. Depois de sábado, quando a notícia estourou pelos bastidores, foi um tal de “cala a boca já morreu, quem manda na minha boca sou eu” (como disse Lulu Santos ao adentrar o palco do Fresno para uma participação especial). No mesmo dia, Silva puxou o coro do incentivo para que jovens entre 16 e 18 anos (faixa etária para a qual o voto é facultativo) tirassem seu título de eleitor para poderem ir às urnas em outubro próximo. O grupo gaúcho também mandou um #ForaBolsonaro no telão. Logo depois, Gloria Groove entrou com uma blusa semelhante a um uniforme de time de futebol, tendo escrito atrás seu nome e o número 13. Emicida, tanto no sábado quanto no domingo, reforçou que o amor vale mais que o ódio e também mandou a hashtag mais famosa destes últimos quatro anos no país. Criolo não disse nada, apenas vestiu uma camiseta com a urna eletrônica na frente, mais um título de eleitor atrás. Bivolt demonstrou toda a sua insatsifação com o atual desgoverno federal no rap freestyle. Mas, claro, a maior vociferação contra a absurda ação autocrata veio de Marcelo D2. “Não, hoje #EleNão. Hoje #EleNão vai fazer a narrativa. A gente vai fazer a narrativa. Isso aqui é sobre amor. É sobre Taylor Hawkins. Sobre Chorão. Sobre Chico Science. Sobre Sabotage. Sobre Speedfreaks e Skunk.”, mandou logo ao entrar com o Planet Hemp, lembrando os nomes de amigos e ídolos já falecidos, sendo os dois últimos um ex-colaborador e um dos fundadores do PH. Aí mandou a letra de “Banditismo Por Uma Questão de Classe”, manifesto antinarrativa de direita da Nação Zumbi. Depois emendou “Distopia”, música inédita “sobre esperança” com base jazzy que estará no disco da banda que será lançado do próximo semestre. O refrão trazia um jogo de palavras hipnótico (“Desobedeço o obedeça/ Obedeço o desobedeça”) enquanto o telão repetia outra parte da letra (“Repense Reflita Resista Recuse”). Em “Dig Dig Dig” reviveu o canto de Zumbi eternizado por Jorge Ben (“Zumbi é o Senhor das Guerras/ Zumbi é o Senhor das Demandas/ Quando Zumbi chega/ É Zumbi é quem manda”). Antes de “queimar tudo até a últimaponta”, aproveitou para xingar diretamente Bolsonaro. Depois, lembrou que a musica “Zerovinteum”, há quase trinta anos, já falava sobre o problema das milícias no Rio de Janeiro – e ainda atestou estarem presentes sempre os assassinados Marielle e Anderson. Também levou um improvável hino do Ratos de Porão ao palco do grande festival mainstream com a cover de “Crise Geral” e antecipou a execução de “Contexto” dizedo que de nada adianta acreditar em um salvador da pátria e só fazer algo ao ir lá votar no dia da eleição. Ah, sim: não deixou de entoar a famosa musiquinha adaptando-a para homenagear o festival: “olê olê olá! Lolla, Lolla!”. Os artistas sambaram bonito em cima da cara do “é melhor Jair embora de uma vez”. Em tempo: o festival não foi notificado pela justiça porque o pedido de censura foi tão incompetente que nenhum dos dois CNPJs informados ali batiam com os responsáveis pelo evento. Em tempo 2: na segunda-feira, quando não adiantava mais nada porque tudo já acabara no domingo, Araújo suspendeu as manifestações políticas no Lolla afirmando que o texto da solicitação do PL o havia induzido a erro. A emenda ficou, de vez, pior que o soneto…

Movies

Flee

Documentário produzido em animação conta a tocante história de medos, fugas e segredos de um refugiado afegão

Texto por Marden Machado (Cinemarden)

Foto: Google Play/Divulgação

A produção do documentário em animação dinamarquês Flee (Flugt, Dinamarca/França/Noruega/Suécia/Holanda/Reino Unido/EUA/Finlândia/Itália/Espanha/Estônia/Eslovênia 2021 – Google Play) com a participação de outros países: Suécia, Noruega, França, Estados Unidos, Espanha, Inglaterra e Itália. Dirigido por Jonas Poher Rasmussen, acompanhamos aqui a história real de Amin Nawabi, que fugiu, ainda criança, do Afeganistão. Agora, na casa dos 30 anos, ele finalmente revela ao diretor do filme sua tocante história carregada de medos, fugas e segredos. Entre eles o de sua orientação sexual. Sua trajetória de vida é das mais sofridas e hoje adulto, vivendo na Dinamarca, ele é respeitado em seu trabalho como acadêmico e planeja construir um lar com seu companheiro. Mas antes terá que acertar as contas com um passado de dolorosas perdas.

Flee (titulo que, em português, pode ser traduzido como Fuga) é uma animação que insere imagens reais em determinados momentos. Mas o impacto de sua história é tão forte, que esquecemos estar diante de uma animação. E não se trata de rotoscopia, como pode parecer. Os desenhos foram feitos a partir das imagens gravadas da entrevista de Rasmussen com Nawabi.

Em tempo: Flee conquistou algo inédito ao ser indicado na disputa do Oscar 2022 nas categorias de melhor filme internacional, documentário de longa-metragem e animação.