Médico-músico uruguaio dá aula de ciências em show em Curitiba e ainda brinda a plateia com dueto com Tiago Iorc
Texto por Janaina Monteiro
Foto: Luciano Meirelles
Quem já teve a oportunidade de ver o uruguaio Jorge Drexler no palco costuma dizer que cada apresentação é diferente da outra. Atmosfera, conceito, proposta. Tudo se transforma, assim como o título de uma de suas canções mais conhecidas.
No ano passado, o compositor colecionador de prêmios, considerado um dos grandes nomes da música latino-americana, esgotou os ingressos na Ópera de Arame acompanhado de sua banda. Foi uma extensa e intensa tour do álbum Salvavidas de Hielo: cem shows, dezessete países, treze meses de duração, mais de 150 mil pessoas na audiência. O disco foi indicado a um Grammy e levou três Grammy Latino.
Desta vez, Drexler veio a Curitiba para encerrar a turnê de Silente (“silencioso”, em português). E mostrou que ele se basta. Sua voz, sua guitarra com os pedais e o violão a tiracolo são as personagens do show. O protagonista contracena com um cenário minimalista composto por três telas e holofotes que dialogam poeticamente com as canções, num jogo de luzes e sombras incrível.
O cantante – que cursou Medicina e se especializou em otorrinolaringologia – entra no palco de mansinho, sem cerimônia, sem cortina vermelha, após uma canção de fundo como introdução, cuja voz soa familiar. Usa blazer e tênis brancos, como um doutor em música (a música e a medicina, aliás, vêm de família: o pai é médico aposentado e sobrevivente do holocausto, o que explica o sobrenome). A plateia do Teatro Guaíra neste sábado 8 de junho, que já entra no clima silencioso, descobre mais tarde que a voz da canção introdutória é de Pablo, um de seus filhos.
Com um chocalho, ele dá boa noite ao som de “Transporte” e se encanta com a acústica do teatro, aproveitando para explicar a temática do concerto (“nos intervalos dos sons, podemos ouvir o silêncio, que é o tema desta nova turnê”). Este é o fio condutor do show.
Aplausos, silêncio, música: “Eco”, “Estalactitas”, “Guitarra y Vos”. E Drexler baixa a voz para dar lugar ao coral afinado do teatro. No intervalo das canções, o cantor conversa com o público como se estivesse em casa. Pergunta qual a playa en Uruguay da qual a plateia mais gosta. Conta histórias sentado. Banquinho e violão com maestria, a la João Gilberto.
Faz confidências e volta ao passado. Ao dia em que apresentou sua primeira composição – a milonga “La Aparecida” – ao seu professor de harmonia (que tinha um pôster de Lênin na parede) e teve como resposta “vai ser um sucesso na Argentina”. E Drexler se tornou um sucesso mundial, principalmente depois do Oscar. Quem não se lembra de seu ato de protesto ao receber a estatueta pela canção original do filme Diários de Motocicleta (dirigido pelo brasileiro Walter Salles Júnior), a primeira em língua espanhola a faturar o prêmio. “Al Otro Lado del Río” foi interpretada na cerimônia de 2005 pelo ator Antonio Banderas, já que Drexler era até então desconhecido por aquelas bandas.
Mas isso é passado. Hoje o carismático e generoso cantor agradece o público pela recepção da sua língua emendando um causo no outro. De forma descontraída, relata o momento em que Chico Buarque ouviu pela primeira vez a obra-prima de Tom e Vinícius que o fez largar o curso de Arquitetura e se enveredar pela música. E começa a dedilhar “Chega de Saudade” – o marco da bossa nova – no ritmo regional da milonga.
Em poucos minutos, o médico-músico dá uma aula de ciências. Senta-se ao lado de um pêndulo de Newton, que é usado como instrumento percussivo em “Abracadabras”. Explica o surgimento do objeto da mecânica, viajando de Galileu, Newton, até chegar a Lavoisier, o criador da lei da conservação das massas (“na natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”). Então, todos decifram a próxima canção: “Todo se Transforma” (aquela em que cita Salvador, a capital da Bahia). E emenda “Disneylândia”, canção dos Titãs sobre a multiculturalidade da América Latina, que regravou em 12 Segundos de Obscuridad tendo a participação de Arnaldo Antunes.
Com o espetáculo se dirigindo ao fim, o silêncio passa a ser incontrolável. No momento mais político do show, o público se manifesta quando o cantor defende a educação pública e arranca aplausos antes da hora. “Deixem eu terminar”, pede o professor à plateia. Silêncio novamente para ouvir o mestre.
Drexler ainda usa voz distorcida para cantar a belíssima “La Edad del Cielo”, que tem versão de Paulinho Moska. E guarda uma surpresa para final: foge do roteiro e chama ao palco Tiago Iorc para cantar de chinelos a premiada “Al Otro Lado del Río (que não fora executada nas demais apresentações desta turnê). Foi uma espécie de retribuição ao fato de Tiago tê-la incluído no show que fizera com Milton Nascimento. Recentemente, o uruguaio também participou da gravação do Acústico MTV de Iorc, ainda sem data de lançamento.
Foi um final digno de prêmio para quem estava lá no Guaíra.
Set List: “Transporte”, “Eco”, “Estalactitas”, “Deseo”, “Guitarra y Vos”, “La Aparecida”, “Salvapantallas”, “Chega de Saudade”, “Abracadabras”, “Todo Se Transforma”, “Disneylândia”, “Asilo”, “La Vida és Más Completa de lo que Parece”, “Soledad”, “La Edad del Cielo”, “A la Sombra del Ceibal”, “Pongamos que Hablo de Martínez”, “Sea”. Bis: “Movimiento”, “Silencio” e “Al Otro Lado del Río”.
Conheço muito pouco o Jorge Drexler. Mas parece que perdi um grande show. Vou pesquisar sobre ele. Ótimo texto!
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Obrigada!
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