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Jesus Kid

Oito motivos para não deixar de ver ao filme escrito e dirigido por Aly Muritiba e adaptado do livro de Lourenço Mutarelli

Texto por Abonico Smith

Foto: Grafo Distribuidora/Divulgação

Uma das estreias promovidas pela edição de 2022 do festival Olhar de Cinema, realizada nos primeiros dias do mês de junho em Curitiba, foi a do filme Jesus Kid (Brasil, 2022 – Grafo Distribuidora), premiado com três kikitos (diretor, roteiro, ator coadjuvante) no Festival de Gramado do ano passado. No evento, o longa-metragem teve duas sessões, uma voltada ao público em geral e outra para jornalistas e com a presença do diretor e roteirista Aly Muritiba mais os atores Paulo Miklos (que interpreta o protagonista Eugênio), Sergio Marone (que faz o personagem que dá nome ao longa; também produtor deste) e Leandro Daniel Colombo (o dono da terceira estatueta gaúcha).

Mondo Bacana dá oito motivos para você não deixar de assistir a esta comédia (em cartaz no Cine Passeio e disponível na plataforma de streaming Olhar Play) e também publica os principais trechos do bate-papo dos artistas com a imprensa.

Aly Muritiba

Um dos nomes de carreira ascendente do novo cinema brasileiro não nasceu em Curitiba, só veio morar na cidade depois de adulto mas é, sem sombra de dúvida, aquele que vem ajudando a projetar seguidamente a capital paranaense nas grandes telas. Quase beliscou uma indicação ao Oscar por duas vezes: a primeira pelo curta A Fábrica, de 2011, que chegou a ser semifinalista em sua categoria; a outra, no ano passado, quando o país indicou o longa Deserto Particular para concorrer à estatueta de produção internacional. Assinando roteiro e direção em Jesus Kid, aqui ele faz sua primeira incursão rumo à comédia sem deixar de lado a assinatura peculiar de seus filmes de drama e suspense: o ser humano masculino desajustado com as normas e a rigidez de uma sociedade conservadora e heteronormativa. Sem falar no fato que a urbanidade de Curitiba (não somente as ruas mas o interior de seus prédios, casas e estabelecimentos comerciais) é algo que cai muito bem como cenários perturbadores de obras como Para Minha Amada Morta (2015), Ferrugem (2018) e o já citado Deserto Particular(2021).

Lourenço Mutarelli

Jesus Kid é um dos primeiros romances escritos por Mutarelli, pouco tempo depois dele decidir abandonar a produção de HQs. Foi publicado em 2004 e apenas recentemente ganhou uma nova edição, via Companhia das Letras. A sua trama é um feroz brado do autor contra a voracidade do capitalismo da indústria cultural – no caso a literária, que muitas vezes forças os criativos a se adaptarem a novas regras e costumes sem se preocupar com a personalidade, o bem-estar ou mesmo o universo de fãs conquistados com gata gota de suor pregresso na hora da transposição das ideias para o papel. Lourenço também se destaca pelos diálogos velozes e muitas vezes irônicos que constrói em suas obras, sempre transbordando rapidez e um instantâneo imaginário cinematográfico. Por isso, volta e meia um livro seu acaba adaptado para o cinema. Neste caso, contudo, o autor parece não ter ficado muito satisfeito com a adaptação. Não no tocante às interpretações ou construções dos personagens na tela, mas, sim, pelas constantes inserções de cunho político colocadas por Muritiba que, segundo o próprio, desfiguraram o original.

Sátira política

Aly Muritiba é radicado em Curitiba, filma em Curitiba, tem claro posicionamento político de esquerda. Então esta era a oportunidade ideal de zoar com todas coisas vindas da direta (ou da extrema-direita, muitas vezes) que escangalharam o nosso país nesses últimos anos. Por isso a crítica feita por Mutarelli à indústria cultural também ganha explícitos contornos sociopolíticos. Entram em cena aqui militares que chegm ao orgasmo quando detêm o controle e o poder em mãos, presidente ditatorial, juízes com ambições políticas, censura, pobre de direita, pequena multidão de coxinhas, fantoches, defesas da família e dos bons costumes e até o horroroso pato de borracha da FIEP. Só que toda esta coadjuvância, mais cedo ou mais tarde. Acaba sendo zoada e até mesmo explodida pelo diretor/roteirista através de seus personagens em momentos explícitos de rebelião e insatisfação com o status quo impositivo e totalmente aflitivo que vai sendo configurado no desenrolar da trama. Mutarelli pode ter odiado mas caiu muito bem na história, que foi rodada em 2019 – portanto já no primeiro ano de desgoverno de #EleNão e que, hoje, serve como catarse para jogar fora muito sapo engolido durante esse período todo.

Paulo Miklos

Durante seu tempo nos Titãs ele era apenas um dos tantos estranhos reunidos em uma mesma banda. Quando optou por deixar o grupo para construir carreira solo na música, também começou a emplacar como ator uma série de personagens tão esquisitos quanto ele próprio em cima dos palcos. Sua trajetória na dramaturgia é mais constante nas telas grandes. Começou como o protagonista de O Invasor (2001), passou por Estômago (2007) e O Homem Cordial (2019) e agora brinda os fãs com o tímido e não menos esquisito Eugênio de Jesus Kid (2021), o romancista considerado tanto ultrapassado pelo sistema quanto o homem ideal para fazer projetos considerados autorais por gente não tão ligada assim à criatividade. Aos poucos, conforme vai ganhando confiança e ladeado pelos seus fieis escudeiros Jesus Kid e Enfermeira Nurse (que para ele se confundem entre as condições de personagens de ficção e gente de carne e osso), tenta dar as cartas e tomar o controle no tabuleiro do jogo destinado ao hotel no qual passa confinado a maior parte da trama

Sergio Marone

Ator que gravitou entre projetos dramatúrgicos de Record e Globo e hoje se dedica à função de apresentador de no YouTube e no SBT, Marone foi a pessoa que mais batalhou para que Jesus Kid chegasse às telas. Comprou o livro e os direitos, convenceu Muritiba a encabeçar o projeto, assina a obra também como produtor e interpreta o personagem-chave da história, o protagonista dos livros escritos por Eugênio e que, ao aparecer fisicamente apenas para ele, vai ajudando seu criador a passar por cima dos problemas que vão se avolumando durante o confinamento no hotel. Seu physique du rôle de galã reforçado pelos quase dois metros de altura fizeram-no se encaixar com perfeição no papel do caubói norte-americano bom de tiro e que não se aperta quando passa por apuros.

Maureen Miranda

Quem frequentou o teatro curitibano até 2015 (quando ela mudou-se para o Rio de Janeiro) com certeza já está familiarizado com toda a versatilidade e encantamento da atriz – que ainda estende suas habilidades para outras áreas artísticas como o desenho, a literatura e a moda. Por isso não é surpresa vê-la como um furacão nas cenas da Enfermeira Nurse em Jesus Kid. Além de quebrar todo e qualquer estereótipo da femme fatale em uma história de suspense, ela ainda rouba um certo protagonismo ao emprestar uma aura sarcástica e também voluptuosa à baixinha ruiva que ajuda o romancista Eugênio a encontrar um rumo diante do beco sem saída no qual ele acabou entrando. Única figura feminina de destaque na história, ela toma para si a dose de rebeldia e afrontamento que a princípio falta no hóspede confinado ao identificar-se, de alguma maneira com ele, já que também vive, profissionalmente, cercada de gente maçante e estúpida. Portanto, um prato cheio para Maureen brilhar no terreno da comédia.

Leandro Daniel Colombo

Outra grande cria do teatro curitibano que hoje vive no Rio de Janeiro, outro destaque entre os coadjuvantes deste longa-metragem. Em Jesus Kid ele personifica o alívio cômico ao contracenar com Eugênio. Na pele do recepcionista Arlindo (ao qual o protagonista insiste em chamar de Bert, por causa do filme Barton Fink, dos Irmãos Coen), Colombo aqui é a representação robótica da classe trabalhadora de direita, fanática pelo “sucesso” obtido por um certo superjuiz que, embora defenda uma certa moralização no dia a dia também escorrega para atos escusos em prol da valorização de si próprio e de seu discurso. Se você perceber alguma semelhança entre este personagem a o filme O Grande Hotel Budapeste, não é mera coincidência: o filme de Wes Anderson influenciou bastante não só o ator na hora de fazer a composição de Bert como ainda norteou alguns enquadramentos centralizados definidos por Muritiba e o figurino avermelhado assinado por Isbella Brasileiro.

Veteranos do teatro curitibano

Mais um item com ligação com os palcos da capital paranaense. O desfile de atores que interpretam personagens secundários é bastante familiar para quem de certa forma frequenta ou trabalha com a classe teatral de Curitiba. Entre os nomes estão Fabio Silvestre, Gabriel Gorosito, Otavio Linhares, Luthero Almeida, Helio Barbosa, Mauro Zanatta, Chico Pennafiel, Chico Nogueira, Gerson Delliano, Wagner Jovanaci e Rafael Magaldi. Portanto, um prato cheio para a competência em cena tanto para o lado da dramaticidade como também para o humor.

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