História sobre a dinastia Von Erich do wrestling norte-americano mostra as sombras por trás das fantasias coloridas e das lutas “fakes”
Texto por Tais Zago
Foto: California Filmes/Divulgação
O título em português nos leva imediatamente a pensar em uma comédia estilo Nacho Libre (2006) ou em releituras oitentistas estadunidenses como Glow (2017) ou Cobra Kai (2018), mas Garra de Ferro (The Iron Claw, EUA/Reino Unido, 2023 – Califórnia Filmes) é bem mais do que aparenta à primeira vista. E o diretor Sean Durkin viu logo o potencial dramático dessa história cheia de perdas e de dores.
O filme começa mostrando o patriarca dos Von Erich, Fritz (Holt McCallany), ralando para sustentar sua família ao “representar” um vilão nazista alemão nos ringues de wrestling nos anos 1950 e 1960, quando o esporte ainda era pouco conhecido. Ao se aposentar, ele passou a apostar nos filhos para seguirem seus passos e conquistarem o que nunca conquistou: o título de campeão mundial dos pesos-pesados do esporte. Kevin (Zac Efron), Karry (Jeremy Allen White), David (Harris Dickinson) e Mike (Stanley Simons) se tornam automaticamente responsáveis por realizar os sonhos do frustrado Fritz, e, claro, nesse caminho, garantir o sustento de toda a família. Doris (Maura Tierney), a mãe dos rapazes, prefere se ausentar emocionalmente da criação de seus filhos, vivendo somente à sombra do marido.
Durkin, que também assina o roteiro, acaba nos enganando. Começamos dentro de uma história de sucesso de uma família aparentemente feliz e equilibrada, com filhos que representam o sonho de todos os pais – companheiros, fiéis, batalhadores e honestos. No mundo colorido do wrestling, onde rivais viajam juntos para lutas e são melhores amigos, onde o lado estético, o carisma e a interpretação estão no topo e a aptidão física e atlética ficam em segundo plano. O melhor lutador é o mais criativo, envolvente e que consegue mobilizar as massas de fãs. Depois passamos a ver as agruras por trás dos ringues, as dores, as contusões e fraturas e o uso de drogas e anabolizantes. Por fim deslizamos no mais profundo drama familiar.
Fritz conduz sua família com “garras de ferro”. Não aceita discussões sobre o destino dos filhos, não escuta seus problemas e nem se interessa por suas emoções. Assim como a mãe, ele deixa os garotos decidirem estes problemas “entre eles mesmos”. Kevin, Karry, David e Mike estão presos em uma estrutura de masculinidade tóxica onde o pai é o topo da pirâmide e a mãe um mero acessório visual para completar a perfeita família cristã texana.
E a perfeita foto de família vai aos poucos se esfarelando. Efron interpreta o tímido, porém disciplinado wrestler Kevin. Em toda sua vida o único objetivo foi realizar os desejos do pai. E o ator, talvez, esteja aqui em um de seus melhores papeis dramáticos. A fragilidade e o amor de Kevin por sua família são quase inabaláveis, assim como o físico trabalhado ao limite de Zac para o papel. Já Jeremy Allen White (The Bear) está nadando no auge de sua fama, assim como Karry, o irmão Von Erich que conseguiu conquistar o almejado cinturão de campeão. White interpreta Kerry como sendo o mais “selvagem” dos irmãos, um ex-candidato a atleta olímpico que acaba entrando nos negócios da família. David (Harris Dickinson) é o mais extrovertido e eloquente dos irmãos, o primeiro a se destacar nos ringues e a conquistar a plateia. Já Mike não tem muito jeito para a coisa. Gosta mesmo é de tocar instrumentos musicais e parece ser o mais sensível dos irmãos, mas nem ele foge ao destino traçado pelo pai.
Garra de Ferro é um drama sobre uma família altamente disfuncional, religiosa, com uma estrutura anacrônica. Na casa dos Von Erich não se fala de sentimentos e vontades, somente de objetivos a serem conquistados. Fritz ensinou a filhos que apenas um corpo forte, fé e armas são proteção para um homem. O resultado vemos aqui, mais uma vez.
Visualmente o filme é um mergulho no mundo da tevê do início dos anos 1980, algo já trabalhado em outras obras – portanto, mais uma vez, temos chamadas espalhafatosas, muito neon e classic rock. Mas a cenografia fica mais intimista ao mostrar o rancho dos Von Erich e bem mais escura na parte final, bem final do filme.
Isto faz com que Garra de Ferro, mais uma excelente produção da casa A24, seja como um mergulho em um poço ou caminhar em um túnel – aos poucos a luz dá lugar às sombras. Mas como nem tudo é tristeza aqui e Durkin nos presenteia com uma linda cena onírica derradeira. A poesia do desejo final de Kevin para seus irmãos.