Segunda temporada da série que explora a aventura no mundo do turismo luxuoso e sua fauna desconcertante encanta os olhos
Texto por Taís Zago
Foto: HBO Max/DIvulgação
Eu preciso confessar para vocês que a primeira temporada de The White Lotus, vencedora de onze Emmys em 2022, à primeira vista, não me empolgou muito. O elenco é inegavelmente espetacular, em especial as atuações de Murray Bartlett como Armond (o gerente da filial havaiana da franquia de hotéis de luxo) e Jennifer Coolidge, como a insensível, autocentrada e deprimida milionária Tanya. O enredo sob o sol escaldante do Havaí, apesar de multifacetado, causou-me incômodo, talvez pela simplicidade dos seus temas. Possivelmente, também, eu não tenha levado em consideração que durante sua concepção e realização estávamos vivendo tempos pandêmicos – o auge da produção data de meados de 2021, e, dadas as condições e as restrições internacionais e sanitárias, foi feito um esforço para criar um conteúdo de qualidade da forma mais segura e rápida possível. O ator, autor, produtor e diretor Mike White, mais conhecido por ter escrito especialmente para Jack Black o blockbusterEscola de Rock (2003), conseguiu criar uma trama em um ambiente relativamente hermético – a cadeia White Lotus é uma espécie de Club Med do nouveau riche norte-americano – e unir de forma interessante drama e humor macabro com bastante equilíbrio.
Na segunda temporada de The White Lotus (EUA, 2022 – HBO Max), com maior liberdade tanto criativa quanto espacial, Mike nos leva para a sede siciliana da cadeia da flor exótica. Temos diante de nós uma nova equipe de funcionários locais trabalhando no hotel e novos hóspedes a serem paparicados sem restrições. O formato da série nos lembra uma versão Upstairs, Downstairs (1971) contemporânea – sucesso britânico da década de 1970 cujo formato televisivo influenciou várias produções, entre elas a festejada série Downtown Abbey (iniciada em 2010), onde os dramas da crew do hotel têm o mesmo peso na narrativa dos dramas dos privilegiados visitantes.
Como personagens recorrentes da primeira temporada temos apenas a confusa Tanya (Jennifer Coolidge) e seu “novo” marido Greg (Jon Gries). Tanya chega ao encantador resort com uma nova assistente a tiracolo, Portia (Haley Lu Richardson). Junto a ela no barco estão dois casais de jovens amigos milionários – Cam (Theo James) e a esposa Daphne (Meghann Fahy), Harper (Aubrey Plaza) e o marido Ethan (Will Sharpe), completando a trupe dos bem-sucedidos temos os Di Grasso – o pai Domenic (Michael Imperioli), o avô Bert (F. Murray Abraham) e o filho/neto Albie (Adam DiMarco). Na frente do comando dos funcionários do hotel fica a gerente italiana Valentina (Sabrina Impacciatore), que nessa temporada assume o papel que Bartlett interpretou na primeira temporada. Completam o elenco ainda as duas garotas de programa locais Luccia (Simona Tabasco) e Mia (Beatrice Grannò).
Mike White não nos economiza no quesito encontros e desencontros. O roteiro possui várias reviravoltas e requisita a nossa atenção aos detalhes, às vezes, escondidos nas próprias imagens paradisíacas e objetos luxuosos. Repetindo o formato da primeira temporada, iniciamos essa jornada com mais corpos sendo encontrados. Do primeiro capítulo, então, voltamos no tempo até a chegada dos turistas ao hotel onde percorremos todo o caminho de volta à cena inicial. Um formato que vagamente lembra a antiga série Ilha da Fantasia, onde os visitantes usam suas férias para trabalhar seus problemas pessoais, dificuldades de comunicação, mistérios e conflitos familiares que a rotina do dia a dia teimava em enterrar.
As atuações são um deleite à parte. Todos os atores italianos merecem aplausos de pé, principalmente Sabrina, Simona e Mia. A leveza e a pungência do humor desse país dão à segunda temporada exatamente o tempero exótico que faltou à antecessora. Gargalhamos do absurdo, assim como gargalhamos do desespero. Ao mesmo tempo nos comovemos e somos encantados por um charme tão natural e genuíno que pensamos que em Taormina, o pitoresco vilarejo siciliano, tudo é permitido.
Visualmente, The White Lotus é uma série de tirar o fôlego. A fotografia, a música, a ambientação, tudo nos leva a viajar pelo mundo do luxo dos resorts e dos cenários de nossos sonhos. É o olhar do turista e, portanto, também há um amontoado de clichês bem selecionados, como um catálogo de uma agência de viagens. A Sicília nos é mostrada pelos olhos encantados dos norte-americanos – com vulcão, praias de água turquesa, palazzos decadentes cobertos de ouro e pinturas renascentistas, vinhedos e ilhas rochosas cheias de mistério. White também não poupou recursos para nos alimentar os olhos. Por outro lado, também não economiza recursos ao esfregar na nossa cara a amargura, a feiúra e a traição latentes no âmago de seus personagens. De novo, não existem aqui mocinhos e bandidos: existem pessoas que ora nos encantam ora nos causam repulsa com suas atitudes. E nós, de uma distância segura, rimos muito de tudo isso.
Em uma entrevista recente, o criador explicou que o tema da primeira temporada no Havaí foi o amor, o da segunda na Sicília foi o sexo e que o da terceira será a espiritualidade. Com isso, já nos deixa na expectativa de qual paraíso desse mundo será o novo destino e na certeza da confirmação da produção da próxima aventura no mundo do turismo luxuoso e sua fauna desconcertante.
Cineasta estreia com um dilacerante drama sobre amadurecimento e a relação da filha de 11 anos com o pai emocionalmente abalado
Textos por Leonardo Andreiko e Janaina Monteiro
Fotos: 02 Play/Mubi/Divulgação
Há filmes que desde o início prendem nossa atenção. Anunciam sua chegada e, com presença de espírito, nos catapultam para dentro de si e ocupam nossas mentes até o final. Não raro eles também sabem encerrar sua estadia, seja por meio de uma conclusão narrativa ou deixando-nos abertos à incerteza. Na vida, contudo, o fim de uma história raramente é anunciado. Nosso último encontro com alguém não vem acompanhado do letreiro onde vem escrito “fim”. Aftersun (Reino Unido/EUA, 2022 – O2 Play/Mubi), queridinho da crítica mundial e arrebatador de premiações deste ano (incluindo o Troféu Bandeira Paulista, para novos diretores na Mostra de São Paulo), consegue o feito de fazer os dois.
O longa-metragem, primeiro da diretora escocesa Charlotte Wells, retrata uma viagem de Calum (Paul Mescal) e Sophie (Frankie Corio), sua filha de 11 anos, para um resort no Mediterrâneo. Em meio às atividades de férias, mergulhos e jantares, acompanhamos o amadurecimento do olhar de Sophie sobre o mundo, a conflituosa relação de Calum consigo mesmo e o movimento de aproximação–distanciamento de pai e filha.
Wells tece um delicado véu que unifica os muitos percursos temáticos que Aftersun explora, de modo que consegue abordar questões socioeconômicas, melancólicas, psicológicas e até mesmo de coming of age mantendo um filme coeso e direcionado. É sob a decupagem simples (mas não minimalista) de suas cenas que a diretora projeta os diferentes estados de espírito que permeiam sua obra. É simples pela movimentação desperturbada: o interesse nos planos longos e nos detalhes em cena. O fora-de-campo cumpre uma função essencialmente especulativa (por imaginarmos o que se passa para além das câmeras), mas também de tensão – as elipses, omissões simbólicas e a subexposição esmagadora do mar à noite são aspectos constitutivos da forma da obra. Não somente floreiam o que se passa como discursam sobre ele, o expandem.
O resultado, primoroso de certo, é um filme que carrega consigo a complexidade de duas vidas, e não somente a superficialidade de uma trama, uma mera premissa. Enquanto Sophie descobre relações, modos de interação e o romance que permeia a vida, a operação emocional de Calum é praticamente oposta. A pré-adolescente se encontra num movimento de afastamento da magia do jogo, do karaokê e da infância, partindo ao mundo dos interesses românticos e das nuances adolescentes, que faz florescer seu próprio desejo ao mesmo tempo que descobre e se interessa pelo desejo do outro. Seu mundo é o hotel, suas piscinas e o fliperama. Em paralelo, seu pai não consegue desvencilhar-se do próprio passado, das próprias aspirações e da opressão do mundo à volta. Seu desejo é sempre presente, mas reprimido – fuma escondido de sua filha, projeta saídas de problemas materiais para além da viagem, preocupa-se com o dinheiro e rememora o passado sem noção certa do futuro.
Das muitas sequências memoráveis, vejo aquela em que Calum almeja o tapete sem poder comprá-lo como uma das mais potentes. Em um quadro repleto de tapetes, empilhados sobre os demais numa espécie de sótão/estoque, irrompem Calum, Sophie, o vendedor e um tapete estendido ao chão, no qual o protagonista finca o olhar. Não é o desejo pelo artefato que o interessa, mas a capacidade de carregar consigo as histórias daqueles que o teceram.
Em um jogo de cena entre esse plano conjunto e um tocante close-up de Paul Mescal (que desde Normal People, série que projetou o astro às telas mundiais, é uma marca de sua carreira), o delicado olhar da direção faz o papel de nos impor a realidade emotiva que vive o protagonista. Em crise por não ver no tempo presente cumpridos seus sonhos de criança e muito menos os próximos passos na vida adulta, Calum se deita num de muitos tapetes e respira – busca sentir a história, mas não é capaz de tê-la.
Pincelando sua narrativa com o recurso da filmagem caseira que marcou o final dos anos 1990 e o começo do novo milênio, Wells opera uma exploração vívida da psique de suas personagens e o poder cristalizador da matéria-prima do cinema: o vídeo. São muitas as instâncias em que as brincadeiras de Frankie segurando a câmera, bem como os registros mais aterrados e “documentais” de Calum, são monumentos da memória, revelando ao espectador um passado muito latente e carregado de afetos. Não à toa, em dado momento, a espectadora é a própria Frankie, já adulta, que ao assistir as filmagens rememora e reinterpreta sua história e relação com o próprio pai.
Aftersun é, sem dúvidas, um dos lançamentos mais potentes deste ano, um sopro de ar fresco sobre o claustrofóbico e agonizante cenário das franquias intermináveis e lançamentos decepcionantes. Esse é um filme que emociona ao ser assistido, mas também é um dos raros que emocionam ao escrever sobre. Charlotte Wells, ao trabalhar a partir de sua própria memória, parece recuperar uma constatação óbvia, mas não menos potente: não há letreiro de “fim” para anunciar o último encontro. E é isso que os torna especiais. (LA)
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Gatilhos mentais podem ser acionados de várias maneiras, fazendo revisitar memórias guardadas nas mais profundas gavetas e que trazem à tona calafrios e sensações nada agradáveis. Tem gente, por exemplo, que associa assistir a vídeos caseiros a uma certa melancolia. Talvez porque saiba que quando alguém querido, da família, se for, essa é uma das formas de se perpetuar as lembranças, sejam elas alegres ou não.
Por isso, assim que a personagem Sophie (a estreante Frankie Corio) aperta o play no registro de suas férias na Turquia com o pai Callum (Paul Mescal) só tive uma certeza: a de que seria engolida por uma imensa onda gigante de nostalgia, chamada Aftersun (Reino Unido/EUA, 2022 – O2 Play/Mubi).
Quando este primeiro longa-metragem da escocesa Charlotte Wells terminou, fiquei atônita por alguns momentos na frente da tela. E mesmo que eu tentasse me desvencilhar de tudo aquilo que havia assistido nos últimos cem minutos não conseguia recuperar o fôlego de jeito nenhum. Não conseguia me soltar daqueles fragmentos de uma história avassaladora.
Charlotte me deixou completamente hipnotizada pela narrativa desenhada de forma melancolicamente deslumbrante para mostrar o período em que um pai separado, de 30 e poucos anos, e sua filha pré-adolescente de 11 passam juntos.
Do início ao fim, a diretora nos proporciona um mergulho na relação entre os dois, mostrando a paternidade por um viés diferente daquele que costumamos ver no cinema. Podemos lembrar de vários longas, por exemplo, como o delicado O Mundo de Jack e Rose, protagonizado por Daniel Day-Lewis, mas dificilmente algum título supere Aftersun no quesito profundidade.
Em entrevistas à imprensa estrangeira, Charlotte revelou que concebeu o filme a partir do momento em que se deparou com álbuns de fotografias antigas da família. Portanto, existe muito de autobiográfico no roteiro assinado por ela.
Ao passo que o espectador é apresentado aos protagonistas, é possível perceber também que Charlotte busca uma certa inspiração na sua compatriota Lynne Ramsay, também conhecida por dirigir filmes complexos sobre as fraquezas humanas de uma outra perspectiva, como fez com o também avassalador Precisamos Falar Sobre Kevin.
Aftersun é muito mais que uma história sobre a conexão entre pai e filha. É sobre o vazio, o desespero. Sobre ter de sorrir e zelar pela vida de outra pessoa enquanto se está dilacerado por dentro. Para traduzir essa relação delicada de afeto e dar pistas do estado mental de Calum, Charlotte nos brinda com muito plano detalhe, como na cena em que mãos de pai e filha se unem, e movimentos de câmera sutis, quando enquadra os livros de meditação dispostos em cima de uma estante.
Em início de carreira, Paul Mescal (o galã de Normal People) se mostra gigante quando de costas consegue representar com seu choro desesperador toda a agonia da personagem. Frankie Corio é a personificação de toda pré-adolescente, que faz suas descobertas e não tem papas na língua ao falar as verdades para o pai.
Para contextualizar a época, a cineasta recorre a objetos e outros artifícios: a filmadora de Sophie, o walkman de Callum, as canções que marcaram a época, como “Tender”, da banda de britpop Blur. Assim, pouco a pouco, vamos nos guiando por fragmentos dessa viagem registrada pelos olhos de Sophie. E nos dando conta do sofrimento de seu pai e a luta dele para sobreviver. Seja quando ele diz para a ex-mulher, numa cabine telefônica, que ainda a ama (“Por que você disse eu te amo pra mamãe?”, pergunta Sophie logo em seguida). Seja na cena do karaokê em que a filha, ao contrário de todas as outras vezes, canta sozinha. E uma das cenas mais arrebatadoras do filme é, sem dúvida, a “última dança” de Callum ao som de “Under Pressure”.
Depois de Aftersun, será difícil ouvir a canção de David Bowie com o Queen sem se lembrar dessa estreia arrebatadora de Charlotte Wells. (JM)
Elenco de ícones da geração Z protagoniza dilemas que podem parecer clichês mas passam longe da resolução à moda antiga
Texto por Frederico Di Lullo
Foto: H2O Filmes/Divulgação
Escrito e dirigido pelo cineasta Matheus Souza, este é, sem sombra de dúvidas, um filme jovem, ambientado no intenso clima das redes sociais. E esse clima se evidencia durante toda a história: seja pela narrativa recheada com elementos dignos de um melodrama juvenil, pela trilha sonora ambientada no dream pop que nos invadiu depois de 2010 ou até pelos diálogos entre amigos (ou amigxs?) que afrontam os principais personagens. São dilemas que, para nós podem até parecer morais, mas para a nova geração é apenas uma singela escolha. Simples assim. Direto assim.
A Última Festa (Brasil, 2023 – H2O Films) é ambientado na história de quatro jovens em sua festa de formatura, numa uma história que tem de tudo: amizades sinceras e não tanto, traições, nudes, brigas, crises existenciais, challenges e hashtags. Mas não apenas isso.
Dividido em quatro atos que decorrem simetricamente com o andar do roteiro, o longa-metragem apresenta alguns dos atores da nova geração nacional, como a badalada Marina Moschen; Christian Malheiros, que soube brilhar em produções de streaming com Sintonia e 7 Prisioneiros; mais Thalita Meneghim, Giulia Gayoso e Victor Meyniel. São jovens que se afiançam como novos talentos também na televisão, além de serem verdadeiros influenciadores da juventude. Afinal de contas, somando todos os seguidores destes nomes apenas no Instagram, chegamos ao número estimado de oito milhões de seguidores. Nada mal, né?
Rodado em Portugal ao longo de cinco semanas (e antes da pandemia), o filme é um retrato fiel da juventude que não entendemos (e também não conhecemos). São dilemas (e dogmas) que podem parecer clichês, mas que também são resolvidos de uma nova maneira, passando longe da moda antiquada.
Tudo na produção parece altamente instagramável, aparentando que o filme também poderia ser exibido em formato reels. O ritmo é frenético, embora a história, principalmente no começo, pareça que não vai levar a lugar algum. E tudo isso é possível graças a um cuidado que abarca boas atuações, diálogos intimistas e uma ótima direção de câmera. O filme tem tudo para agradar quem procura um drama contemporâneo e, principalmente, a tão digital geração Z.
Em resumo, é certeza que você não vai arrastar o dedo pra cima na procura de um próximo vídeo. Talvez você até descubra quem você seja.
Oito motivos (entre eles alguns que envolvem o aguardado álbum The Car, que acaba de ser lançado) para não perder os shows dos britânicos no Brasil
Texto por Abonico Smith
Fotos: Divulgação
Se existe um dos nomes mais aguardados pelos fãs brasileiros de indie rock neste fim de ano, ele é o do Arctic Monkeys. Afinal, o grupo liderado pelo guitarrista, vocalista principal e letrista Alex Turner está de volta aos discos e palcos.
Passado um intervalo de quatro anos, o quarteto volta a lançar um novo álbum, The Car, o sétimo trabalho de estúdio da carreira, que chegou oficialmente às lojas físicas e plataformas digitais neste último 21 de outubro. Trazendo como base a divulgação desta coleção de dez novas faixas, Turner, Jamie Cook (guitarra, teclados), Nick O’Mailey (baixo) e Matt Helders (bateria e backingvocals) já estão na estrada desde o verão europeu.
Depois de participarem de um punhado de festivais, o grupo levou a turnê homônima aos Estados Unidos e mais alguns países do Velho Continente antes de chegar à América Latina, onde passa o próximo mês com datas marcadas para Brasil, Paraguai, Chile, Argentina, Peru, Colômbia e México. Em território nacional, o grupo é um dos headliners da primeira noite (5 de novembro) da primeira edição da edição em verde e amarelo do Primavera Sound, em São Paulo, no Distrito Anhembi (outras informações sobre o festival você tem aqui). Na véspera (dia 4), fazem um dos sideshows do Primavera no Rio de Janeiro na Jeneusse Arena. O segundo compromisso (dia 8) será em Curitiba, na Pedreira Paulo Leminski. Em ambas as oportunidades, a atração de abertura ficará por conta dos nova-iorquinos do Interpol, também escalados para o Primavera BR. Mais sobre os ingressos desses dois concertos paralelos você pode encontrar clicando aqui.
Como esquenta dessa nova vinda ao país de uma das mais importantes formações do rock britânico do século 21, o Mondo Bacana preparou oito motivos para você nem sequer pensar em perder a nova passagem do quarteto por aqui.
The Car
O sétimo álbum de estúdio demorou mais do que o previsto para ser apresentado publicamente por conta de uma interrupção forçada pela pandemia da covid-19. Neste caso, porém, o mal veio para o bem Afinal, a banda pode ter um bom tempo de sossego e calma para trabalhar na pós-produção e refinando a sonoridade até chegar com requinte e perfeição ao objetivo inicialmente proposto: fazer dos Arctic Mokeys, em um total de dez faixas, uma grande banda de sonoridade pop orquestral sixtie. Scott Walker, John Barry, Serge Gainsbourg, Burt Bacharach, George Martin… Boas referencias saltam aos ouvidos já durante a primeira audição. Também percebe-se o esmero dos vocais impressos por Alex Turner. Ele canta com estilo, livre, leve e solto. Manda diversos trechos em falsete com aquela segurança que só o tempo é capaz de dar a um grande músico (vale lembrar que aquele garoto-prodígio dos dois primeiros álbuns avassaladores dos Arctic Monkeys já chegou aos 36 anos!). E tem ainda a bela capa clicada pelo baterista Helders, com um automóvel estacionado solitariamente no terraço de um edifício-garagem.
Ao vivo no Kings Theatre
No dia 22 de setembro, os Monkeys estavam em Nova York. Mais precisamente no tradicional e recentemente renovado Kings Theatre, no Brooklyn, para fazer diante de 3 mil espectadores aquela que, até agora, foi a mais luxuosa (e intimista, se contar que era o palco de um teatro e quem viu tudo estava sentado em uma poltrona confortável) apresentação da turnê de The Car. No set list figuraram quatro das dez faixas do novo disco, sendo duas tocadas pela primeira vez ao vivo diante de seus fãs. “There’d Better Be a Mirrorball” fez o trabalho de abertura da noite. Lá pelo meio pintou ainda “Body Paint”, que já havia sido mostrada dias antes, mas desta vez na TV, durante o talk show comandado por Jimmy Fallon. O restante do repertório (18 outras canções) deram uma boa espanada na já extensa trajetória do grupo de Sheffield, com destaque para o mais popular trabalho, AM, de onde foram pinçadas seis faixas. Hits não faltaram, para mostrar que, sim, os Monkeys continuam uma grandiosa banda ao vivo, com muito peso e presença de palco. Entre eles estavam “Do I Wanna Know”, “Arabella”, “R U Mine”, “Why’d You Call Me Only When You’re High?”, “Crying Lightning”, “Brainstorm” e “I Bet You Look Good On The Dancefloor”. De quebra, pintou uma composição que não estava prevista inicialmente no set preparado para a noite (“The Ultracheese”, do álbum anterior Tranquility Base Hotel + Casino). Ficou com vontade de poder ter estado lá e assistido a este concerto de 45 minutos? Então acesse o YouTube da banda neste domingo, 23 de outubro, às 16h no horário de Brasília. O show será transmitido pela banda na íntegra por lá. Não poderá assistir a ele neste horário? Não tem problema também: tudo ficará disponível ali mais um pouco, até o dia 27.
I Ain’t Quite Where I Think I Am
A performance desta nova música do show no Kings Theatre também virou o videoclipe oficial dela. Executada na parte final do set list, a canção ganhou uma aura soul com a combinação entre o vocal estiloso de Turner, o efeito wah wah da sua guitarra, uma percussãozinha discreta e aquela mãozinha poderosa dos backings em falsete feitos por vários músicos no palco. Para completar, a reunião de versos bastante abstratos criados pelo frontman desenham um certo sentimento de entranheza e nao pertencimento durante um passeio pela Riviera francesa com sua namorada também francesa.
There’d Better Be a Mirrorball
Faixa de abertura de The Car e também de boa parte dos shows da nova turnê. Quando tocada ao vivo, com os músicos recém-chegados ao palco, pode até causar estranheza em fãs mais desavisados, esperando uma pancadaria sonora para injetar adrenalina na plateia logo de cara. Só que não. O desafio da trupe de Turner no novo disco é provocar um mergulho retrô pela sofisticação do pop sessentista, quando belas melodias e harmonias bem trabalhadas se encontravam com muitos arranjos de cordas que em muito ainda contribuíam para a riqueza auditiva. Não é diferente em “There’d Better Be a Mirroball”. Com versos que flertam com ares reflexivos provocados pela deparação do protagonista/narrador com uma ambientação de explícita decadência e aquela sonoridade de boate da boca do lixo, a faixa é o cartão de visitas da nova fase do grupo. Portanto, nada melhor do que também começar o concerto com ela, com as cordas disparadas em bases pré-gravadas ou mesmo recriadas em sintetizador. Curiosidade: Alex também assina a direção e a fotografia do videoclipe. As imagens foram todas captadas por ele durante as sessões de gravação do novo disco em Los Angeles, para onde carregou a tiracolo uma câmera de 16mm para também brincar de cineasta dentro do estúdio.
Body Paint
Mais uma faixa de The Car que ganhou videoclipe oficial antes mesmo do disco ter sido lançado oficialmente. Com direção de Brook Linder e imagens captadas entre Londres e Missouri, o clipe é, na verdade, um metaclipe. Mostra os bastidores da filmagem e da edição de um filme e brinca com diversas referências de formas circulares e retilíneas, além de fazer da projeção dentro da projeção um elemento vivo de cena, que comanda por meio de luzes uma determinada linha melódica de um riff ou ainda faz o vocalista se multiplicar em três para cada um deles cantar uma parte do mesmo verso. Os cinéfilos poderão notar a reverência ao cineasta norte-americano Alan J. Pakula (Todos os Homens do Presidente, A Trama, A Escolha de Sofia, Klute: O Passado Condena).
Tranquility Base Hotel + Casino
The Car é um passo além daquele dado pelo grupo há quatro anos, quando relevou ao mundo o surpreendente sexto álbum da carreira. O peso, a urgência e a ansiedade explosiva dos primeiros trabalhos deram lugar, em 2018, a um trabalho muito maduro, que mesclava referências sonoras díspares (entre elas glam, progressivo, jazz e psicodelismo). Certamente The Car não teria sido feito se não tivesse existido Tranquility Base Hotel + Casino – que, inclusive, chegou a abocanhar o Grammy de melhor disco de rock alternativo. Suas duas principais faixas continuam mantidas no novo repertório ao vivo (a música-título e “Four Out Of Five”) e devem ser tocadas para os fãs brasileiros.
505
Favourite Worst Nightmare (lançado em2007), rendeu três grandes hits naquele ano: “Brainstorm”, “Fluorescent Adolescent” e “Teddy Picker”. Quinze anos depois, mais uma faixa daquele trabalho veio a se juntar à mesma galeria de sucessos. Trata-se do final daquele segundo álbum da carreira. “505”, a famosa “última do lado B”, descoberta meses atrás pela geração Z e que viralizou a tal ponto no TikTok que impulsionou a canção, outrora obscura e desconhecida, ao pódio das maiores execuções dos Monkeys no Spotify. O título se refere ao número do quarto do hotel onde está a namorada do narrador/protagonista da canção, que preenche os versos com muita imaginação e os sobrecarrega com pimenta sexual (“In my imagination you’re waiting lying on your side/ With your hands between your thighs”, diz o refrão). Turner, em entrevista ao website britânico NME, diz achar curioso e legítimo o revival intenso da canção por uma geração que ainda era bem criança quando ela foi gravada e fechava os shows da banda na mesma época, mas também confessa ter ficado um tanto quanto confuso sobre o porquê da escolha e da adoração desta faixa. De qualquer modo, ele que não é bobo, já encaixou “505” no repertório desta turnê e em um lugar especial: o encerramento do bis, logo antes de todos os músicos deixarem o palco em definitivo.
Menino-prodígio
Lá em meados dos anos 2000, quando o MySpace bombava entre os fãs de rock e pop como a plataforma de divulgação musical mais democrática e interessante na recente internet 2.0, nomes como Arctic Monkeys, Lily Allen e Cansei de Ser Sexy pegaram muita gente de surpresa ao voarem do quase anonimato para a fama mundial. No caso da banda de Sheffield, Whatever People Say I Am, That’s What I’m Not (2006) entrou para a História como o álbum de estreia de maior vendagem no mercado fonográfico britânico (contabilizou quase 400 mil exemplares somente na primeira semana nas lojas. E mais: lançado por um selo independente chamado Domino, faturou o Brit Awards de melhor álbum da temporada e ainda passou a ser incensado como um dos mais fantásticos primeiros discos de um artista em todos os tempos. Alex Turner era o cérebro por trás de toda essa força-motriz. As faixas empolgavam por conseguirem encaixar um canto falado em um arranjo básico (leia-se guitarra, baixo e bateria) poderoso, urgente e de alto teor de adrenalina. Algo que, guardadas as devidas proporções, não acontecia na ilha da Rainha Elizabeth desde os tempos do punk rock. As letras escritas pelo vocalista também eram fantasticamente criativas e elaboradas, cinematograficamente literárias, com vocabulário rico pouco comum para um jovem de apenas 20 anos. O bom é que tudo isso não se mostrou um fogo-de-palha. Favourite WIrst Nightmare veio no ano seguinte para dar prosseguimento ao grande estilo dos Monkeys. Depois, a banda elaborou o som, adotando mais peso e sujeira em discos como Humbug e AM, seu álbum mais popular até hoje. As letras escritas por Turner – ainda bem – continuaram com o sarrafo sendo posto lá em cima, ajudando o quarteto a se tornar uma das maiores bandas britânicas deste século 21. E tudo isso sem contar os projetos paralelos do rapaz, como a trilha sonora do filme Submarine e o Last Shadow Puppets, formação criada ao lado de Miles Kane ex-Rascals) e o produtor James Ford (nome seminal do indie disco dos anos 2000, membro do cultuado Simian Mobile Disco, produtor de todos os álbuns dos Monkeys e que já trabalho com gente do quilate de Depeche Mode, Gorillaz, Haim, Foals, Beth Ditto, Peaches, Florence & The Machine, Little Boots, Mumford and Sons, Kalxons, Kylie Minogue e Jessie Ware)
Na manhã desta terça-feira, 13 de setembro, o mundo acordou com a notícia da morte de Jean-Luc Godard, um dos nomes que fizeram a nouvelle vague, movimento cinematográfico francês. Roteirista, diretor, editor, também foi critico de cinema antes de iniciar a carreira produzindo a sétima arte. Do lado de trás das câmeras produziu clássicos e se tornou sinônimo de excelência para os cinéfilos de todo o mundo.
Godard não estava doente, mas optou pelo suicídio assistido, prática legal na Suíça, país do qual era descendente, e realizada pela própria pessoa, com assistência de terceiros. Ele tinha 91 anos de idade e, segundo declaração de uma pessoa da família ao jornal francês Libération, encontrava-se muito exausto.
Para homenagear este ícone das telas, o Mondo Bacana seleciona oito filmes importantes. Não são todos assinados por Godard: dois são sobre ele, sua vida e carreira. Desta maneira, pode-se ter um bom panorama de quem foi este gênio do cinema, nem sempre perfeito em sua trajetória pessoal mas com certeza direto e certeiro em sua fase de maior e melhor produção, os anos 1960.
Acossado (1960)
Os franceses Claude Chabrol, Éric Rohmer, François Truffaut, Jacques Rivette e Jean-Luc Godard, antes de se tornarem cineastas, escreviam crítica cinematográfica na revista Cahiers du Cinéma. A transição do “falar sobre” para o “fazer” cinema surgiu de um desafio proposto pelo editor do periódico André Bazin. Já que sabiam tanto de cinema e não estavam satisfeitos com as produções francesas da época, eles deveriam então realizar seus próprios filmes. Todos aceitaram o desafio e nascia aí a nouvelle vague, a “nova onda”, movimento que revolucionou a maneira de contar histórias em imagens e marcou toda uma geração de novos cineastas pelo mundo. Truffaut havia realizado em 1959 seu título de estréia, Os Incompreendidos. No ano seguinte foi a vez de Godard, que dirigiu Acossado a partir de uma idéia sua que Truffaut roteirizou. A trama acompanha a personagem de Michel Poiccard (Jean-Paul Belmondo), um ladrão parisiense fã de Humphrey Bogart. Ele se envolve com uma jovem americana, Patricia (Jean Seberg), que vende jornais na rua. Michel é procurado pela polícia e Patricia o ajuda na fuga. Acossado é um filme difícil de ser classificado. Ele é tão diferente de tudo que era feito na época que pegou a todos de surpresa. Godard procurou “quebrar” as regras estabelecidas e realizou um filme que esbanja criatividade, inovação e originalidade. Um verdadeiro marco na história do cinema mundial.
O Desprezo (1963)
É difícil escrever sobre este filme feito em 1963 por Jean-Luc Godard. Há um pouco de tudo nessa obra marcante. Mas o principal é a declaração de amor ao cinema proposta pelo diretor. De forte teor metalinguístico porém sem se esgotar nessa característica, estamos diante de um filme que discute a criação cinematográfica e a construção da imagem e seus símbolos. Baseado no romance de Alberto Moravia, acompanhamos a crise de um casal em viagem pela Itália. Camille (Brigitte Bardot) é casada com Paul (Michel Piccoli) e acredita que ele não a ama mais. Para resolver a crise e tranquilizá-la, ele, que trabalha como roteirista, aceita uma encomenda para escrever uma nova adaptação de A Odisseia, de Homero. Ao longo da trama, muitas situações e sentimentos vão se misturando. Paralelamente a isso, existem questões relativas à produção do filme dentro do filme. Godard se permite homenagear um de seus diretores favoritos, o alemão Fritz Lang, que participa no papel dele mesmo (e, na tietagem das tietagens, o próprio Godard aparece em cena como assistente de Lang!). Mais fácil do que escrever sobre O Desprezo, é vê-lo e revê-lo diversas vezes. Afinal, trata-se de uma obra ímpar e de uma riqueza narrativa e simbólica que nunca acaba. Pelo contrário, torna-se melhor a cada nova visita.
Bando à Parte (1964)
Este foi o sétimo longa-metragem dirigido pelo francês Jean-Luc Godard. Isso em um intervalo de apenas cinco anos. O que equivale a uma média de mais de um filme por ano, sem incluir aí os curtas e segmentos que ele dirigiu neste período. Muitos dizem ser este seu trabalho mais acessível. Mesmo que te sugiram ir a uma lanchonete, talvez você prefira ver um filme de Godard. O roteiro, escrito por Dolores Hitchens, tem base o romance Fool’s Gold, de sua própria autoria. A história nos apresenta dois amigos, Arthur (Claude Brasseur) e Franz (Sami Frey), que vivem de trapaças. Eles convencem uma estudante, Odile (Anna Karina, musa do diretor na época), a ajudá-los em um roubo. Godard, que ao lado de François Truffaut, escreveu na revista Cahiers du Cinéma e ajudou a criar o movimento da nouvelle vague, homenageia aqui a produção hollywoodiana de baixo orçamento. Bando à Parte foi rodado em apenas 25 dias e sem grandes pretensões. É visível a leveza e alegria do elenco, em especial a da bela Anna Karina, em estado de graça. Godard parecia querer apenas se divertir e nos diverte também. Em tempo: Tarantino é tão fã deste filme que batizou sua produtora com o nome de A Band Apart.
O Demônio das Onze Horas(1965)
Se considerarmos seus primeiros curtas, feitos a partir de 1955, passando por sua estreia em longas cinco anos depois com Acossado, Godard fecha sua primeira década de carreira com uma bem sólida filmografia composta por 13 curtas (incluindo aí os segmentos que dirigiu) e dez longas, sendo este o décimo deles. Diz a lenda que Godard iniciou as filmagens sem roteiro algum e convenceu o produtor Georges de Beauregard a bancar a produção por causa do par central à frente do elenco: Jean-Paul Belmondo e Anna Karina, ambos muito queridos e populares. A base é o romance Obsession, de Lionel White, roteirizado pelo próprio diretor junto com Rémo Forlani. Tudo começa com a apresentação de Ferdinand Griffon (Belmondo), casado com uma mulher rica e vivendo confortavelmente em Paris. Apesar disso, ele se sente bastante entediado e certa noite, durante uma festa, termina saindo mais cedo e ao chegar em casa reencontra Marianne Renoir (Karina), babá de seus filhos e antiga paixão sua. Ferdinand, que ela insiste em chamar pelo nome de Pierrot, foge com Marianne e ambos passam a ser perseguidos por mafiosos que traficam armas. Em sua essência, O Demônio das Onze Horas é um road movie, um filme de estrada, no melhor estilo Bonnie e Clyde. Mas, em se tratando de Godard, é também muito mais do que isso. O cineasta sempre buscou quebrar regras narrativas em suas obras e não é diferente aqui. Mas dessa vez ele o faz em CinemaScope homenageando seus ídolos, misturando gêneros cinematográficos, quebrando a quarta parede (quando alguém olha direto para a câmera) e brincando com metalinguagem (ao utilizar a arte para falar da feitura dela). A química entre Jean-Paul Belmondo e Anna Karina, então casada com o diretor, é perfeita e esbanja carisma. Em tempo: preste atenção na participação especial do cineasta americano Samuel Fuller, que responde à pergunta “o que é cinema?”, e no figurino de Marianne.
Duas ou Três Coisas que Eu Sei Dela (1967)
Existe o cinema como conhecemos e existe o cinema de Jean-Luc Godard. Um dos fundadores da “nova onda francesa”, Godard desenvolveu um estilo narrativo próprio já a partir de 1960, com Acossado, seu longa de estreia. Ao longo dos sete anos seguintes, ele dirigiu doze longas e alguns curtas. Uma grande e incomum produção, se levarmos em conta a quantidade e qualidade em tão pouco tempo. Duas ou Três Coisas Que Eu Sei Dela é de um dos períodos mais criativos de sua carreira. O “dela” do título é a cidade de Paris, que tem participação ativa no desenvolvimento da história. O cineasta fala de mulheres que se prostituem para satisfazer suas necessidades consumistas. Uma sociedade perdida no culto ao supérfluo. O filme é narrado pelo próprio diretor, que aproveita para instigar o espectador, de maneira a fazê-lo pensar sobre aquilo que está sendo mostrado. Sem exagero algum, a extensa obra de Godard poderia resumida com esta frase: “duas ou três coisas que eu sei sobre cinema”.
The Rolling Stones: Sympathy For The Devil (1968)
No auge da contracultura, Jean-Luc Godard já era um nome importante do cinema mundial. Naquele ano de 1968, ele fora convidado a ir a Londres para dirigir um documentário sobre a luta pela liberação do aborto. Como houve um relaxamento na legislação britânica, o trabalho terminou sendo cancelado e Godard permaneceu na cidade por mais um tempo. Ele queria dirigir um filme sobre os Beatles ou os Rolling Stones. O quarteto de Liverpool não aceitou. Mick Jagger e Keith Richards, fãs declarados do franco-suíço, adoraram a proposta e o resultado é este The RollingStones: Sympathy For The Devil. Temos aqui a banda no processo de gravação do disco Beggar’s Banquet – em especial, da faixa de abertura do LP e que dá nome ao filme. Por se tratar de um filme de Godard, a já esperada desconstrução da narrativa, típico do cineasta, faz-se presente. Ao mesmo tempo, há um interessante debate sobre o papel da mídia, as bandas que influenciaram os Stones, além de uma série de temas que um artista inquieto e provocador como o diretor jamais deixaria de fora. No entanto, apesar do apoio dos líderes da banda, a produção não foi tranquila, uma vez que existiram muitos atritos com o produtor, Iain Quarrier, que alterou o final do documentário sem que Godard soubesse e este, quando descobriu a mudança na sessão de estreia, simplesmente deu-lhe um soco na boca. The Rolling Stones: Sympathy For The Devil também é um registro de inestimável valor histórico. Seja por seu diretor, pela banda em questão ou por sua abordagem. Em tempo: Godard faz uma ponta levando cigarros e bebidas para os músicos.
Godard, Truffaut e a Nouvelle Vague (2009)
Dois dos maiores nomes do cinema francês nasceram quase no mesmo ano e se conheceram com vinte e poucos escrevendo críticas de filmes na redação da revista Cahiers du Cinéma. Jean-Luc Godard e François Truffaut revolucionaram, primeiro com seus textos, a maneira de se ver os filmes. Depois, ao se tornarem cineastas, a própria maneira de se fazer filmes. O documentário Godard, Truffaut e a Nouvelle Vague, escrito por Antoine de Baecque, biógrafo de ambos, e dirigido por Emmanuel Laurent, traça um painel da importância dada nouvelle vaguea partir das obras de seus dois realizadores mais destacados. O filme celebra os 50 anos de lançamento de Os Incompreendidos, estreia de Truffaut na direção e apontado por muitos estudiosos como marco zero do movimento cinematográfico. Mostra também a repercussão de Acossado, primeiro longa de Godard, que teve o roteiro escrito por Truffaut. O cinema os tornou amigos e a visão de cada um sobre o cinema terminou por afastá-los. Laurent utiliza vasto material de arquivo para contar sua história e nos faz viajar por um mundo cheio de novas ideias e novos olhares. Godard e Truffaut foram os principais artífices de um novo jeito de fazer cinema e influenciaram todos os cineastas que surgiram a partir dos anos 1960. Isso não é pouco.
O Formidável (2017)
A atriz, diretora e escritora francesa Anne Wiazemsky teve uma carreira curta atuando e dirigindo. Sua produção artística é literária. Ela nasceu na Alemanha, mas se criou e se estabeleceu na França. Casada por 12 anos com Jean-Luc Godard, chegou a participar de dois filmes do cineasta e em 2015 publicou o livro autobiográfico Um Ano Depois, que tratava de seu encontro e envolvimento com Godard quando este iniciou as filmagens de A Chinesa, em 1967. E esse livro serviu de inspiração para o francês Michel Hazanavicius escrever o roteiro e dirigir O Formidável. À frente do elenco, Louis Garrel e Stacy Martin dão vida ao casal apaixonado Jean-Luc e Anne. O pano de fundo é a conturbada situação político-social que o mundo em geral (e a França em particular) enfrentava na segunda metade dos anos 1960. Acompanhamos aqui uma espécie de comédia romântica tendo como personagem principal um dos mais radicais cineastas da história do cinema. Quem conhece a filmografia, o gênio e a fama de Godard é capaz de pensar se tratar de algo, no mínimo, anacrônico. Mas funciona melhor, por exemplo, que O Artista, grande sucesso anterior de Hazanavicius. Em tempo: Godard disse que O Formidável era uma “estúpida, estúpida ideia”. O produtor, com senso de humor e de oportunidade, utilizou a frase nos cartazes do filme.