Novo disco solo registra a clausura pandêmica com muitas memórias afetivas, críticas à ignorância e belas parcerias multinacionais

Texto por Janaina Monteiro
Foto: Dudi Polonis/DeckDisc/Divulgação
Quando muitos procuram legitimar seu discurso contra a injustiça aos berros, exaltando a raiva, eis que surge o caminho inverso: o da voz doce e terna de Fernanda Takai. Em Será Que Você Vai Acreditar? (DeckDisc) a mineira vocalista do Pato Fu, mulher do produtor e guitarrista John Ulhôa, mãe da adolescente Nina, dá seu recado sutilmente, tecendo críticas à ignorância num trabalho baseado em memórias afetivas. Takai se veste de nostalgia para registrar este ano inesquecível, que nos obriga a esconder os rostos para salvar vidas.
Como todo artista que sente na pele as mudanças mais que pobres mortais mundanos, assim que a pandemia se instaurou Fernanda e John se isolaram no estúdio montado em casa para se concentrar no álbum que já vinha sendo formatado desde o início do ano. O resultado é um trabalho capaz de mesclar a lembrança de um passado não tão distante, através da escolha de parcerias e versões, e a esperança de um futuro minimamente saudável para as novas gerações.
Canção após canção, o disco evidencia a coesão tanto na escolha do repertório quanto na vida familiar de Takai. John produziu, mixou e tocou todos os instrumentos, preparando o terreno para a voz calma e serena da esposa, que logo na abertura “Terra Plana” carrega mensagem que ataca o retrocesso da humanidade. John conta que havia escrito a música para a filha como presente de aniversário, numa espécie de cobrança e autoquestionamento que pais sempre fazem no sentido de querer o melhor para os filhos e cujo propósito foi potencializado na pandemia (“Se eu disser que mesmo tendo medo você deve se arriscar/ Será que você vai se machucar?).
A segunda faixa dá sequência ao tema paternidade: “Não Esqueça” é uma composição de Nico Nicolaiewsky, membro do duo Tangos e Tragédias que morreu em 2014 por conta de uma leucemia aguda. O casal do Pato Fu era amigo do artista e procura até hoje manter viva a memória da obra do gaúcho. A canção traz uma série de conselhos à filha de Nico e é pura ternura: “Eu te digo, minha filha/ Não esqueça de sempre sorrir/ Não esqueça de ligar pra mim/ Se por acaso conseguir/ Não esqueça que é tudo ilusão/ Não esqueça de lavar as mãos”.
Há três releituras, sendo duas em inglês. “Não Creio em Mais Nada”, uma das baladas mais famosas do compositor Totó (amigo de Peninha e Antônio Marcos) e sucesso na voz do também já falecido Paulo Sérgio, ganhou arranjo moderno, com texturas vocais e sintetizadores. A cantora mostra afinação na clássica “One Day In Your Life”, gravada por um Michael Jackson ainda teenager. Em “Love Is a Losing Game”, por sua vez, presta homenagem a Amy Winehouse em uma versão bossa eletrônica.
O repertório ainda traz parcerias nostálgicas. Na romântica “O Amor em Tempos de Cólera”, que lembra o título do livro de Gabriel García Marquez, Takai divide os vocais com Virginie Boutaud, da banda francopaulista Metrô, e também dona de voz delicada. Takai conta que o trabalho foi feito à distância – Virginie na cidade francesa de Toulouse e ela em Belo Horizonte – e considera a canção como “um momento de aconchego em tempos tão difíceis”.
Quem também participa do disco é Maki Nomiya, do duo nipônico Pizzicato Five e coautora de “Love Song”, sobre um amor distante que sobrevive às diversidades. Metade em japonês, metade em português, a faixa é a mais animada do disco e destoa um pouco das demais. Será Que Você Vai Acreditar? é, enfim, é um questionamento a esse mundo pandêmico, que parece ter engatado a marcha ré e escancarado o que há de pior no ser humano. Muito disso é resumido na melancólica “Corações Vazios”, composição de John, que aborda a falta de compaixão e estupidez. “Espere só pra ver/ Você vai entender”, diz o refrão. Esperemos, Fernanda, esperemos.

Ótimo texto! Nunca esqueço o impacto de ouvir pela primeira vez a voz da Fernanda Takai “tempo, tempo mano velho falta um tanto ainda eu sei…”
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Nossa melhor interprete de todos os tempos, Doce, suave.
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Republicou isso em pelo caminho.
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