Kleber Mendonça Filho, cineasta de Bacurau, O Som ao Redor e Aquarius emociona com suas memórias afetivas do passado de Recife
Texto por Paulo Biscaia Filho
Foto: Vitrine/Divulgação
Parafraseando Andrew Stanton, diretor e roteirista da Pixar, quando falou em um Ted Talk que é impossível não gostar de alguém quando você conhece a sua história, agora conhecemos verdadeiramente Kleber Mendonça Filho. Claro que esse “impossível” tem limites, mas em geral toda vez que verdadeiramente se compartilha histórias pessoais com alguém, pontes de conexões cordiais são construídas.
É isso o que acontece em Retratos Fantasmas (Brasil, 2023 – Vitrine Filmes), um documentário do cineasta de O Som ao Redor, Bacurau e Aquarius, que revisita três categorias de edificações afetivas na cidade do Recife, em Pernambuco: o apartamento onde ele cresceu, os cinemas de rua do centro da cidade e as grandes salas de cinema que eram templos religiosos para que ama ver filmes e que agora se transformaram apenas em… templos religiosos.
Com roteiro e narração do próprio diretor, o que poderia ser uma egotrip de autobajulação consegue se estruturar em uma exposição quase terapêutica não apenas do cineasta, mas dele com a plateia. Em um momento ele questiona como alguém pode se afeiçoar a um produto, mas também reconhece que esse produto fez parte da formação intelectual e emocional dele. Não só dele, mas de todos. Quando Mendonça fala de salas de cinema, está falando sobre tudo aquilo que um dia existiu, construiu caráter e então se foi deixando apenas uma nostálgica lembrança dos dias de potência da arte.
No papel de contemporâneo do diretor, este que vos escreve não viu possibilidade de fuga dos retratos fantasmas curitibanos que foram o apartamento da José de Alencar e os cines Vitória, Astor, Cinema 1, Condor, Lido, Plaza, Rivoli, Ritz, Luz, Groff, Bristol e tantos outros que formaram o caráter de milhões (talvez eu exagere, mas todo amor vem com exagero!) de espectadores.
É curioso que este seja o primeiro filme do diretor depois de Bacurau. Geralmente o que se segue após um sucesso estrondoso como foi o “sci-fi nordestern” seria fazer uma obra ainda mais grandiosa em termos de produção, mas Mendonça escolheu voltar-se para dentro. Ir para questões profundamente íntimas, arriscando e se aproximando perigosamente de um cabotinismo, sem nunca totalmente cair dentro da arapuca. Pontos extra para um excelente desenho de som capitaneado também pelo próprio diretor.
No final da narrativa, realiza uma espécie de epílogo ficcional passando dentro de um carro de uber. Este complemento delicioso não é apenas um comentário aos afetos que estão ali mas agora não são mais vistos, são um reforço à frase que este filme já deixa famosa: “filmes de ficção são os melhores documentários”.