Books, Movies

A Hora da Estrela

Baseado na obra literária de mesmo nome de Clarice Lispector, clássico do cinema nacional dos anos 1980 é restaurado e relançado

Texto por Leonardo Andreiko

Foto: Vitrine Filmes/ Divulgação

O cinema brasileiro é repleto de grandes clássicos desconhecidos do grande público. Se muitos já “ouviram falar” de Glauber Rocha ou, mais recentemente, assistiram a um sucesso de Kleber Mendonça Filho nos cinemas, é certo que estamos culturalmente desfamiliarizados com a filmografia produzida antes da retomada, no final dos anos 1990. Por sorte, a preservação dos negativos na Cinemateca Brasileira garante que iniciativas de restauração deem um novo respiro a alguns desses títulos, relançados aos cinemas. Nos últimos anos, foi o caso de Rainha Diaba, de Antônio Carlos da Fontoura (leia a crítica publicada no Mondo Bacana clicando aqui), e é o caso de A Hora da Estrela (Brasil, 1985 – Vitrine Filmes) de Suzana Amaral, que acaba de reestrear em circuito nacional na sessão Vitrine Petrobrás.

Antes de tudo, é preciso reconhecer o tamanho desta obra à época de seu lançamento. Em 1985 e 1986, A Hora da Estrela angariou os principais prêmios do Festival de Brasília (filme, direção, roteiro, atriz, ator, montagem, cenografia, trilha sonora e fotografia, além dos prêmios do Júri Popular, Especial da Crítica e Troféu Jangada) e garantiu o Urso de Prata de Melhor Atriz para Marcélia Cartaxo no Festival de Berlim. Em Havana, foi eleito o Melhor Filme de 1986.

A partir de um roteiro que adapta o romance homônimo de Clarice Lispector, o filme conta a história de uma jovem nordestina recém-chegada a São Paulo com pouquíssimas posses e menos dinheiro ainda. Macabéa (Cartaxo) é, aos olhos dos demais, feia e suja. Não sabe se portar com os costumes da cidade e, sempre se desculpando, é uma figura frágil e tímida. “Tão pobre que só comia cachorro quente”, como diz Clarice em uma entrevista anterior à publicação do livro.

Mas Macabéa é ser humano e, sendo assim, tem curiosidade e desejo. Não cabe num mundo que não a formou Enfeita seu pequeno espaço em um quarto compartilhado com outras três mulheres com recortes de revista. Escuta religiosamente a Rádio Relógio. Busca sentido nas palavras que datilografa com dificuldade. E, principalmente, quer o quer todos querem: amor, afeto e dinheiro. Por detrás do silêncio e da timidez, a inocência de quem não tem nada nem ninguém em uma corrida pela vida contra a malícia da cidade.

É natural, portanto, que o primeiro homem que a desse bola se tornasse seu grande amor. Dito e feito, Macabéa se apaixona pelo operário Olímpico de Jesus (José Dumont), também nordestino, cujo delírio de grandeza insiste em projetá-lo como eventual “deputado geral do Brasil” e ver nossa protagonista com os olhos amargos do machismo ressentido de seu tempo. Ainda que seja constantemente menosprezada ou rechaçada por seu companheiro, Macabéa não deixa de encará-lo com inocência e enxergar afeto onde há desprezo.

A direção de Suzana Amaral é muito astuta em delinear o desequilíbrio desta e das demais relações do filme. Olímpico constantemente está de costas para Macabéa, que não se importa com o protagonismo roubado do mau caráter que a enrola. Os planos e contraplanos mais despretensiosos são capazes de ilustrar o universo de densidade que perpassa as interações com Glória (Tamara Taxman), a colega de trabalho duas-caras. ou as vizinhas, com quem Maca partilha a cumplicidade da solidão na linha da miséria. Amaral dirigia seu primeiro longa-metragem, mas demonstrava a maturidade necessária para dar vida às personagens de Clarice Lispector desde a primeira cena.

O humor ácido com que expõe as personalidades autocentradas ao redor da protagonista bem como os exageros místicos da cartomante (Fernanda Montenegro, em uma performance brilhante) que se voltam contra si são a fortaleza do filme, que não cansa de delinear a hostilidade monstruosa com que a metrópole recebe Macabéa. Sua verve sonhadora é explicitada pelos lindos e raros momentos de solidão da personagem, que se descobre entre o desejo e a paixão com o caminhar da história. A beleza arquitetônica dos metrôs vazios, que a encantam no início do longa, logo são substituídos pelos braços e sovacos de desconhecidos que, se a conhecessem, não lhe dariam bola. Eterna rejeitada, mesmo pelo homem que namora, Macabéa só recebe contato humano quando este é indesejado, na multidão do metrô.

Também encantam os momentos em que Suzana Amaral e Alfredo Oroz, que assinam o roteiro, deixam brilhar a potência literária de Lispector. O trabalho de adaptação é preciso em evitar a verborragia por meio da composição de mise-en-scènes que se destacam em comparação ao cinema atual. Em uma das muitas interações em que é sumariamente ignorada por Olímpico, a protagonista dispara: “eu não acho que sou muita gente”, uma oração tão densa que aluga espaço na cabeça do espectador por um bom tempo.

Mas, no fim, não há muita gente ao redor dela e A Hora da Estrela é o romance de uma inocência surrada, batida e escorraçada que, apesar dos percalços e tropeços, termina feliz, confiante de que tudo vai mudar para melhor.

Music

Ney Matogrosso – Homem com H

Musical presta tributo ao cantor ao recriar desde a turbulenta relação com pai ao sucesso da carreira solo após a saída dos Secos & Molhados

Texto por Abonico Smith

Foto: Lina Sumzono/Festival de Curitiba/Divulgação

Já faz meio século que um furacão chamado Ney Souza Pereira tomou conta da música brasileira para nunca mais abandoná-la. Desde a meteórica ascensão dos Secos & Molhados até a afirmação de sua carreira solo, iniciada logo após a turbulenta saída do trio e consolidada com uma série de hits pelos anos seguintes. Hoje prestes a completar 83 anos de idade, Ney Matogrosso continua bastante na ativa, produzindo discos e shows, sendo um ícone de gerações na representativa de questões relacionadas a gênero e sexualidade. Isso sem falar no seu gogó de ouro, capaz de produzir notas agudas que arrepiam; na performance, sempre capaz de enlouquecer multidões até os dias atuais; e na calibrada capacidade de escolher repertórios provocativos e que cutucam lá no fundo o conservadorismo da sociedade brasileira.

Por isso que construir um espetáculo musical sobre o artista ainda vivíssimo e esperneando constituiu-se um grande desafio para a turma que montou e colocou nos palcos Ney Matogrosso – Homem com H. A encenação – apresentada no Festival de Curitiba nas duas primeiras noites de abril – mostrou como é possível ser bem sucedida mesmo com as dificuldades mais do que naturais. Ancorada na personificação plena de Renan Mattos como o protagonista (mesmo com a dificuldade de chegar perto do falsete inigualável), o texto cobre desde a turbulenta relação familiar nos tempos de adolescência em Brasília até o sucesso profissional como cantor solo no Rio de Janeiro, depois da meteórica e badalada passagem pelos Secos & Molhados, trio vocal paulista que subverteu a música popular brasileira e desafiou a censura e os militares dos anos de chumbo no regime ditatorial que tomou conta do Brasil após o golpe de 1964.

O esquema do roteiro é simples. Uma sucessão de pequenos esquetes que cobrem paulatinamente o desenvolvimento do artista Ney. Sempre com muito humor, o que favorece ainda mais a aproximação com o público. O primeiro ato começa nas discussões às turras com o intransigente pai militar e se estende às descobertas da juventude em Brasília: drogas, sexualidade, carreira artística. Ao sair da capital federal como ambiente, Ney se joga na vida cultural Rio de Janeiro até ir a São Paulo e se tornar o vocalista do Secos & Molhados, trio que estava nascendo e já vinha sendo bastante cultuado no underground. O recorte histórico da parte inicial se encerra com a realização do fenômeno de vendas e popularidade, por isso mesmo, uma implosão interna motivada por um “golpe financeiro” aplicado nos incautos Ney e Gerson Conrad pelo membro mais atuante nas composições musicais: o português João Ricardo.

A costura musical, até mesmo por questões lógicas, não segue a mesma ordem cronológica da vida antes da entrada em cena do trio – até porque o artista ainda dava seus primeiros passos rumo à fama. Entretanto, farta-se de uma discografia solo, rica em composições com temáticas que ilustram com perfeição cada período retratado. A mobilidade do cenário, formado por diversos palanques cúbicos (de alturas diferentes) e uma dupla de rampas, colabora para a fluidez do roteiro. A cantora e compositora Luli (autora do hit “O Vira”) e o amigo Vicente Pereira (que nos anos 1980 se destacaria como um dos nomes-chave do teatro besteirol nos palcos cariocas) são as personalidades que aparecem com relativo destaque, inclusive sendo “resgatados” no segundo ato.

Passado o breve intervalo, entretanto, a correria toma conta da narrativa, em virtude do tanto de acontecimentos na careira solo de Ney na segunda metade dos anos 1970 e a primeira da década seguinte. Personagens entra e saem de cena, sem muito aprofundamento. Rita Lee é badalada, mas o nome de Roberto de Carvalho, guitarrista da banda solo do cantor montada logo após o Secos & Molhados, sequer é mencionado (Matogrosso foi o “cupido” do casal!). Rosinha de Valença, quem foi ela, afinal? A celebrada musicista desaparece em questão de segundos logo depois de estar no palco. O pianista Arthur Moreira Lima, lá no final, também resvala na tangente das citações, mesmo sendo a peça-motriz da mais significativa mudança artística de Ney durante os 1980s. Mazzola, o produtor artístico de muitos de seus discos, vai e vem, vai e vem, mas também sequer o seu porquê de estar ali é aprofundado. A seleção musical já passa a incluir canções alheias, não gravadas por Ney, mas com toda a relação com a ocasião enfocado. Por falar nisso, a fase do sucesso nacional estrondoso do RPM (primeiro show brasileiro a usar raio laser, com Matogrosso assinando a direção de iluminação) é solenemente ignorada, o que é uma pena.

Cazuza, este sim, recebe mais holofotes. Claro, foi um dos namorados que mais marcou a vida de Ney – e também sua obra. Com caracterização tão duvidosa quanto sua interpretação (que dividiu opiniões entre os jornalistas que cobriam o festival), o vocalista aparece em momentos de grande intimidade com o protagonista e ainda à frente do Barão Vermelho. Outro nome de destaque entre as relações pessoais do cantor também aparece com força: o médico Marco de Maria, o único com quem Matogrosso aceitou dividir o cotidiano em uma mesma casa. Tanto Marco quanto Caju faleceram em decorrência de complicações do vírus HIV. Por isso, a chegada de ambos em cena acaba por deixar um clima bem mais pesado e dramático no musical, que abandona quase que de vez o humor escrachado de antes. A enorme sombra da aids sobre toda a juventude daquela geração foi uma cruz muito pesada de se carregar para quem viveu aquela época (e sobreviveu!). Portanto, não havia mesmo como escapar dela no ato derradeiro mesmo mudando radicalmente a atmosfera de festa.

Foi justamente esta transformação comportamental de uma geração, porém, que sela o fim do musical de uma forma maravilhosa, apesar dos pequenos escorregões no decorrer da encenação de quase quatro dezenas de canções e quase três horas de duração. Os vários Neys que o Ney apresentou entre os anos 1970 e 1980 estão lá, até tudo terminar nele próprio, despido da persona sexualmente fantástica que todo mundo conheceu de início e passou a amar e idolatrar. O Ney Matogrosso incorpora o Ney Souza Pereira também no figurino e na performance de palco, fechando um ciclo de sucesso (e também de insistência, perseverança e também orgulho) para aquele jovem que se lançou no mundo querendo ser ator (e não cantor), sobreviver de sua arte e viver um dia a dia de liberdade plena, sem quaisquer amarras (as sentimentais também!), curtindo e sorvendo cada minuto da vida ao máximo. Homem Com H é um grande tributo a este múltiplo artista de meio século de magnificência e brilho intenso. Tanto que no próximo semestre partirá para uma turnê nacional por grandes arenas e estádios de futebol.

Set List: Primeiro ato – “Sangue Latino”, “Por Debaixo dos Panos”, “Tic Tac do Meu Coração”, “Assim Assado”, “Eu Quero é Botar Meu Bloco na Rua”, “Vira-Lata de Raça”, “Bandido Corazón”, “Divino, Maravilhoso”, “Trepa no Coqueiro”, “Maria/The More I See You”, “Trepa no Coqueiro”,”Nem Vem que Não Tem”, “Balada do Louco”, “O Vira”, “Rosa de Hiroshima”, “Mulher Barriguda”, “Amor”, “Sangue Latino” e “Sei dos Caminhos”. Segundo ato – “América do Sul”, “Com a Boca no Mundo”, “Dancin’ Days”, “Tigresa”, “Não Existe Pecado ao Sul do Equador”, “Coubanakan”, “Mulheres de Atenas”, “Bandoleiro”, “Ano Meio Desligado”, “Maior Abandonado”, “A Maçã”, “Homem com H”, “Pro Dia Nascer Feliz”, “Poema”, “Blues da Piedade”, “O Tempo Não Pára”, “Mal Necessário”, “O Mundo é um Moinho”, “O Sol Nascerá” e “Homem com H”.

Music

Bruce Dickinson

Oito motivos para não perder o show da turnê The Mandrake Project, referente ao novo álbum solo do vocalista do Iron Maiden

Texto por Daniela Farah

Foto: John McMurtrie/Divulgação

Existe um caso de amor declarado entre a cidade de Curitiba e Bruce Dickinson, o icônico frontman do Iron Maiden. Volta e meia ele está na capital paranaense para se apresentar ao vivo. Quando não vem pilotando o boieng que pertence à sua longeva banda, dá um pulo para reforçar outras atividades paralelas: lançar um disco solo, visitar a fábrica que produz a cerveja artesanal oficial do sexteto britânico ou, ainda, segundo algumas línguas mais ferinas, descansar um pouquinho do corre em uma suposta mansão comprada ali nas redondezas da Pedreira Paulo Leminski justamente para aproveitar o vai-vem frequente. Bruce está tanto por aqui que (isso sim, fato!) vereadores locais propuseram, semana passada, entregar-lhe a cidadania honorária da cidade. O veterano artista agora tem um “curitibano” para o seu gentílico.

Na próxima quarta-feira, 24 de abril, Dickinson sobe mais uma vez ao palco em Curitiba. Agora para dar o pontapé inicial da perna brasileira da nova turnê, referente ao álbum The Mandrake Project. Lançado agora em primeiro de março, o sétimo trabalho de estúdio de sua discografia solo ganhou um intenso cronograma que, após a capital paranaense, pousará em outros seis locais pelos dias posteriores. Porto Alegre (25), Brasília (27), Belo Horizonte (28), Rio de Janeiro (30), Ribeirão Preto (2) e São Paulo (4) completam a agenda em nosso país. Para ingressos e outras informações sobre todos estes sete concertos você pode ter clicando aqui.

O Mondo Bacana elaborou oito motivos pelos quais você não pode perder esta nova passagem por aqui do gogó mais idolatrado do heavy metal.

Ele mesmo

Claro que o primeiro motivo é o próprio Bruce Dickinson! Não haveria como ser diferente com esse artista que conquistou fãs no mundo todo. Com mais de 40 anos de estrada e 90 milhões de álbuns vendidos como vocalista do Iron Maiden, Bruce é muito mais que uma voz icônica. Não se engane, porém: o cara não é apenas um mestre do metal. Ele também domina os céus, voando como um pássaro de aço sua própria frota de aeronaves. Ele até mesmo se aventurou no mundo das cervejas, criando uma poção mágica que transforma os fãs em devotos fervorosos. Então, enquanto outros se contentam em apenas fazer música, Dickinson eleva o jogo, conquistando os palcos e os céus com um sorriso sarcástico e um grito de guerra. É o rei do metal, o capitão dos céus e o mestre da ironia. Duas máimas pairam sobre Bruce: ele não para quieto e ninguém nunca sabe o que virá na sequência. 

Sete álbuns solo

Largar uma banda como o Iro Maiden no auge do sucesso para se dedicar a uma carreira solo precisa de muita coragem. Qualidade essa que Bruce Dickinson já demonstrou ter de sobra, aliás. Inclusive, suas primeiras aventuras solo foram baseadas no puro experimentalismo, fugindo do heavy metal tradicional do Iron Maiden. Isso causou confusão nos fãs, que não abraçaram muito os primeiros projetos. O vocalista, então, entendeu e resolveu fazer sons mais assertivos, para as multidões sedentas de distorção e solos de guitarra. A turnê relativa ao novo álbum The Mandrake Project faz um apanhado das melhores fases do artista – Bruce já avisou que as mais experimentais como a dos discos Skunkworks (1996) e Tattooed Millionaire (1990) vão ficar de fora dessa vez.

The Mandrake Project

Apresentar o recém-lançado disco é a razão da vinda do Bruce Dickinson para o Brasil desta vez. Não que ele precise de uma, claro, mas agitado como é, sempre acaba encontrando um projeto novo para se divertir. O novo projeto solo do vocalista alcançou números interessantes pelo mundo, chegando ao top 10 na Alemanha, Suécia, Finlândia, Suíça, Reino Unido, Brasil, Bélgica, Itália, Holanda, França e México. Até agora figuraram no set list dos shows as faixas “Afterglow Of Ragnarok”, “Many Doors To Hell”, “Rain On The Graves”, “Resurrection Men”.

Bongôs

Isso mesmo! Durante a divulgação do novo projeto, Bruce contou uma história curiosa: ele queria ser baterista na época da escola e tinha o sonho de tocar bongôs. Durante a gravação de The Mandrake Project, ele jurou tê-los ouvido. Só que não: era apenas um barulho feito pela guitarra!). Então ele resolveu incluir os tais bongôs. Agora fica o questionamento: será que ele vai tocá-los ao vivo também?

1972

Você já considerou a ideia de voltar ao tempo? Tanto a literatura quanto o cinema garantem frequentemente essa ida ao passado. Agora Bruce tem prometido aos quatro ventos que a apresentação dele vai ser exatamente como em 1972. “Será um show analógico e autêntico”, comentou o artista em uma coletiva. O resgate do passado é um movimento que acontece na História quando a humanidade sente que está avançando muito rápido – como, de fato, estamos. Dickinson não é o primeiro artista a querer trazer de volta essa sensação em um concerto, mas agora bate aquela curiosidade a respeito de como ele fará isso. Será que a viagem vai ser de DeLorean ou TARDIS?

The Chemical Wedding

Bruce prometeu em entrevista que incluiria muitas faixas de The Chemical Wedding no set list da turnê. O quinto álbum de sua carreira solo foi lançado em 1998 e foi nesse aí que ele deixou os experimentalismos de lado. O peso do trabalho, produzido pelo mesmo Roy-Z de The Mandrake Project, agradou demais aos fãs. E sobre trazer essas músicas para a turnê, bem, ele não mentiu. Nos sets lists de até então, a seleção de músicasdos dois discos está praticamente em pé de igualdade. “The Chemical Wedding” e “The Alchemist” integram a lista oficial, enquanto “Book Of Thel” e “The Tower” costumam chegar no bônus do bis. Para saber se vai acontecer, entretanto, só estando por lá!

“Tears Of The Dragon”

Bem, esta é uma daquelas músicas que até aqueles que vivem debaixo de uma pedra já ouviram falar. Lançada em 1994, no álbum Balls To Picasso, “Tears Of The Dragon” é tipo a marca registrada de Bruce Dickinson, Mesmo que você não tenha ideia de quem seja Bruce, aposto que já se deparou com essa música em algum lugar. Inclusive ele, como bem conhece seu público brasileiro, sabe que não pode chegar por aqui e não tocar essa.

Cidadão honorário de Curitiba

Sabe aquela brincadeira de que um artista que veio tanto ao Brasil deveria fazer um CPF? Nesse caso, a gozação virou verdade! Ou quase isso. A cidadania honorária de Paul Bruce Dickinson saiu no último dia 17 de abril, após votação da Câmara Municipal de Curitiba. Entre as justificativas está o fato de que Dickinson escolheu a curitibana Bodebrown como a primeira cervejaria oficial do Iron Maiden fora da Inglaterra, criando a Cerveja Trooper Brasil IPA – Iron Maiden. Bruce não só virou curitibano como agora vai começar por aqui o giro pelo Brasil com a The Mandrake Project Tour.

Movies

Dias Perfeitos

Wim Wenders louva Yasujiro Ozu com um longa rodado em Tóquio, no idioma japonês e mostrando os encantos da rotina

Texto por Abonico Smith

Foto: O2/Mubi/Divulgação

Komorebi é um termo da língua japonesa que significa a cintilância entre luz e sombra provocada quando as folhas das árvores balançam com o vento. Esta é uma experiência única, que ocorre somente uma vez, naquele determinado momento. Podem as mesmas folhas se mexerem de novo, mas o resultado será sempre diferente.

Esta fascinante expressão idiomática ganha explicação em uma breve cena que toma a tela depois de todos os créditos de Dias Perfeitos (Perfect Days, Kapão/Alemanha, 2023 – O2/Mubi), filme que recolocou o nome do diretor e roteirista Wim Wenders em evidência no panorama internacional depois de quase duas décadas apresentando uma série de produções ficcionais bem marromeno perante a sua cinematografia clássica (Submersão, Tudo Vai Ficar Bem, Os Belos Dias de Aranjuez, Palermo Shooting), documentários (Pina, Sebastião Salgado, papa Francisco) e mais alguns curtas e vídeos musicais. Tanto que o alemão arrebatou indicações para importantes premiações como o Oscar, o Cesar e a Palma de Ouro. E Wenders possui um fascínio tão grande pela imagem que “homenageou” a palavra com um filme delicado e singelo, que retoma a qualidade de seu cinema de alto impacto visual.

Rodado em Tóquio em apenas 17 dias e com uma câmera na mão, Wenders, com a ajuda do roteirista nipônico Takuma Takasaki, juntou quatro pequenos contos sobre o cotidiano de um simpático sexagenário cuja função é limpar os banheiros públicos da cidade e desfruta sua vida de modo bem modesto, completamente desprovido de qualquer ambição. Dia após dia. Simples assim.

Como já cantava Chico Buarque naquela canção sobre o cotidiano, aqui todo dia o senhor Hirayama acorda e faz tudo sempre igual. Ou pelo menos tenta. O que aparece de novidade com certeza não vem de suas atitudes ou buscas, mas sim da interferência alheia por onde ele passa. Não há exatamente aquela tradicional sucessão de começo, meio e fim na narrativa de Dias Perfeitos. Como no komorebi, as folhas estão sempre balançando com o vento, mas o resultado da cintilância nunca sai igual para Hirayama. Uma hora é a aventura amorosa do jovem colega de profissão. Na outra, a chegada de surpresa de uma parente adolescente. Em outro, um breve retorno à infância com a diversão proporcionada por um jogo de sombras na calçada somado a interpretações gestuais, sonoras e corporais.

No meio disso tudo Wenders vai espalhando, por meio de discretos códigos suas paixões. Uma delas é o rock’n’roll e isto está representado pelo uso de velhas e defasadas fitas cassetes originais (aquelas oferecidas em um formato da indústria fonográfica e que quem é bem mais velho já podia comprar pronto diretamente nas lojas de discos). Lou Reed, Patti Smith, Janis Joplin… Vem junto com as cenas ainda uma deliciosa trilha sonora com cânones do gênero. Tem “The House Of Rising Sun” (em duas versões, uma dos Animals e outra em japonês), “(Sittin’ On) The Dock Of Bay” (Otis Redding), “Redondo Beach”(Patti Smith), “(Walkin’ Through The) Sleepy City” (Rolling Stones), “Sunny Afternoon” (Kinks),  e “Feeling Good” (Nina Simone), além de dose dupla de Lou Reed (a faixa que “empresta” o nome para o filme, que também fala da simplicidade do amor cotidiano, e uma dos tempos de Velvet Underground, ”Pale Blue Eyes”).

Outra das paixões são os livros e Wenders faz cita brevemente William Faulkner (“The Wild Palms”), Aya Koda (“Trees”), Patricia Highsmith (“Eleven”). Outra, claro, é a expressão pessoal do olhar por meio da fotografia. Retomando aquilo que já aparecera em alguns de seus inspirados clássicos longas, Wenders agora faz de Hirayama seu alter ego. O protagonista possui em casa caixas e mais caixas de cliques de folhas e árvores produzidos diariamente em rápidas idas a parques e praças públicas de Tóquio. No registro de das cenas, inclusive utilizado na montagem, um sem-teto chega de surpresa e dá aquele abraço em um tronco.

Por fim é impossível não dizer que rodar um filme em Tóquio, com referências e personagens japoneses, é a principal oportunidade para o cineasta germânico tecer mais reverências ao seu ídolo Yasujiro Ozu, quem já dissecara no documentário Tokyo-Ga (1985). Estando na mesma cidade e falando o mesmo idioma do diretor (que exatas seis décadas antes de Wenders fizera em Tóquio seu derradeiro filme) funciona como um encerramento de ciclo para o autor de Dias Perfeitos, que já beira os 80 anos de idade.

Não é coincidência que o protagonista tenha sido batizado com o mesmo sobrenome da família de An Autumn Afternoon (1962). Não é coincidência que o título original da obra de Ozu faça referência à mesma estação do ano em que o komorebi é algo bastante comum. Não é coincidência que boa parte do diálogo final entre Hirayama e um desconhecido descreva o fato que, em dezembro de 1963, encurtara a vida de Ozu quase treze meses depois do lançamento de A Rotina Tem Seu Encanto (nome dado ao filme em português). Também não é nada coincidência que Dias Perfeitos, já disponível em streaming no Brasil, seja uma louvação a todos os encantos de uma rotina diária.

Music

O Menino e a Garça

Nova obra-prima de Hayao Miyazaki é uma fábula do Studio Ghibli com história coming of age sobre luto e o poder de laços sanguíneos e familiares

Texto por Andrizy Bento

Foto: Sato Company/Divulgação

Hayao Miyazaki já anunciou aposentadoria algumas vezes nos últimos anos. Quando alguns de seus fãs pensaram que sua retirada fosse definitiva, ele decidiu fazer um retorno em grande estilo com uma nova obra-prima do Studio Ghibli – que, inclusive, concorre ao Oscar de Melhor Filme de Animação neste ano. Aparentemente, O Menino e a Garça (Kimitachi wa dô Ikuru ka, Japão, 2023 – Sato Company) trata-se de uma despedida do cineasta e, conforme descrito pelo próprio, um legado para o seu neto. Fãs das animações do Studio Ghibli acreditam se tratar de uma carta de adeus.

Especulações à parte, O Menino e a Garça assume contornos de fábula para versar sobre o luto, transição e o poder dos laços sanguíneos e familiares. É uma alegoria do crescimento e amadurecimento em uma típica narrativa de formação, mas inventiva em sua abordagem, especialmente ao combinar mitologia, conto de fadas e viagem temporal.

A princípio, a animação guarda ecos de A Viagem de Chihiro. Porém, é mais uma história única contada por Miyazaki – afinal, um filme do cineasta nunca é apenas mais um. Nele, Mahito, um garoto de 12 anos que vive em Tóquio em tempos de Segunda Guerra Mundial e perde a mãe em uma tragédia consequente do conflito. Após esse evento, ele se muda para o interior do Japão com o pai, um empresário que presta serviços para o exército. Lá, o pai o apresenta à Natsuko, sua nova madrasta, que está grávida de seu meio-irmão.

Explorando a nova propriedade em que mora, ainda carregando uma melancolia inerente à perda de sua mãe e com visíveis dificuldades de adaptação – inclusive em se aproximar de sua madrasta – Mahito se depara com uma garça falante que o avisa que sua mãe ainda está viva; com uma torre misteriosa guardada por essa garça; e, para completar, com o súbito desaparecimento de sua madrasta. Ao adentrar a torre, descobre se tratar de um portal para outro mundo.

É interessante perceber que Mahito não é, de fato, um personagem carismático, embora composto de muitas camadas. Ele é atormentado, soturno e vive de cara fechada. Mas desperta o interesse do espectador ao dar vazão à sua natureza curiosa, tão característica de crianças da sua idade, e também porque há empatia com seu momento de dor, que o força a mudanças em sua vida (de cidade, escola e estilo de vida). Daí, a identificação natural com sua figura. Em contrapartida, o protagonista é coadjuvado por uma dezena de personagens carismáticos, como a própria Garça Cinza, a determinada Kiriko (em suas duas versões) e as criadas da mansão de Natsuko, a quem Mahito vê como suas avós.

O roteiro acerta principalmente ao desenvolver a relação do protagonista com a madrasta (que, convém grifar, também é sua tia!) de maneira sutil, sem lançar mão de diálogos expositivos e investindo em silêncios significativos e metáforas visuais. Esses recursos combinados não deixam evidentes, mas sugerem os sentimentos que um nutre pelo outro – mesmo na busca pela madrasta desaparecida em outro mundo, Mahito se refere constantemente a ela como “a mulher que meu pai ama”. Até que as emoções que norteiam o relacionamento se revelam nos entrechos finais.

A animação transita do traço mais realista ao surrealista, apresentando uma jornada a um universo fantástico, com um visual beirando o psicodélico, mas sempre se mantendo fiel ao viés humano, possibilitando ao espectador se identificar com a trajetória de amadurecimento e desapego de Mahito. A atenção aos detalhes e o cuidado com os movimentos são notáveis. A primazia técnica se estende para além de roteiro e visual, com uma edição de som que impressiona.

Primeiro filme de animação a abrir uma edição do Festival de Cinema de Toronto, onde fora apresentado em setembro de 2023, O Menino e a Garça, sabiamente, foge das armadilhas de dramas coming of age e dos clichês de viagens temporais, apresentando humor orgânico e pontual. O longa inicia trágico e devastador e termina emocionante e aquecendo o coração, da mesma forma que Meu Amigo Totoro e outros clássicos Ghibli.