Music

Johnny Hooker – ao vivo

Filho legítimo da Tropicália, pernambucano tremula a bandeira da liberdade em show do novo disco em Curitiba

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Texto e foto de Abonico R. Smith

Sexta-feira, 27 de abril de 2018. No palco do Teatro Marista, em Curitiba, já na parte final do show, Johnny Hooker não resiste à tentação e faz a analogia, ressaltando como ele acha bom cantar na cidade, “justamente a mesma onde um grande ícone do Brasil encontra-se preso”. Enquanto a plateia começa a entoar o coro de Lula Livre!”, ele continua, com  seu habitual bom humor. “Independentemente dos processos, quer se queira ou não, ele é um ícone. Isto não mudar. Quem não concorda com isso, apenas respira!”.

Um show de Johnny Hooker é – e sempre foi – um ato essencialmente político. Não me refiro à política partidária ou aquela que reduz às pessoas de maneira simplista como sendo de esquerda, direita ou centro. Esta foi, aliás, a única menção ao ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva em toda a noite. Mas esteve longe de ser a única menção ao tema chamado liberdade. Pelo contrário. No palco, Hooker ergue e tremula esta bandeira o tempo todo. A liberdade de ser, agir, pensar como quiser.

E vai falando sobre essa tal liberdade em recados dados diretamente ao público, falando sobre a força feminina no dia a dia, os haters que teimam em gastar o seu ódio pessoal na internet, os segredos desse país descobertos por quem vai de caminhão percorrendo as estradas brasileiras, a música de cunho pessoal que sempre o emociona na hora de cantar. Em toda a sua mise en scène. Nos vários figurinos trocados a cada punhado de músicas. Na comunicação com a plateia representada pelas mais variadas combinações entre identidade e orientação sexual. No pedido apenas gestual, já na primeira canção do set list, para todo mundo se levantar das cadeiras, quebrar os protocolos solenes do confortável e simpático do teatro e se amontoar no gargarejo, colado ao palco, juntinho a ele, e dançar sem parar.

Esta proximidade física com seu público reforça a identidade musical marcada por letras cantados na primeira pessoa, quase sempre contando histórias de paixões e amores, dores e sofrimentos, perdas e superações – e que, justamente por estas características conectam-se de prontidão com os fãs, que respondem cantando verso por verso emocionadamente e a plenos pulsões. Johnny Hooker é assim nos seus dois álbuns (a estreia Eu Vou Fazer Uma Macumba Pra Te Amarrar, Maldito!, de 2015, e o mais recente Coração, de 2017). Explosivamente emocional, pungente, confessional. O tom se equilibra entre as faias do primeiro e do segundo. As mais antigas ainda com um gosto amargo na boca, pontuadas pela tristeza e pelo lamento. Já as mais novas – que marcam o período de vitória contra uma forte depressão que o abateu por um longo tempo – sugerem um Johnny Hooker revigorado, apagando do coração os relacionamentos quebrados (“Página Virada”, uma espécie de “versão brasileira” do espírito da letra de “I Will Survive”, acreditando em si próprio e no seu poder de conquistar e fazer as coisas (“Corpo Fechado”), celebrando seus grandes ícones (Caetano Veloso vira até nome de música; David Bowie serve como elo sugestivo para uma reflexão a respeito da morte em “Poeira das Estrelas”) e cantando o seu “renascimento” embalado por esticadas guitarreias que o levam ao rock (“Touro”).

E é justamente este up emocional da nova fase que dá ao show de Johnnny Hooker maior variedade rítmica. O set list do show mistura rumba, ska, rock, bolero, jazz, blues, pop, soul, samba, samba-reggae, ijexá. Claro que, como todo bom pernambucano, ele deixa que tudo acabe escandalizado e desbundado em frevo. Em frevos, aliás, porque emenda ao final do show um medley das faixas derradeiras de seus discos.

Claro que para o bis fica guardado o hit maior de Hooker. “Flutua” é uma balada bluesy que sintetiza a principal bandeira política do cantor e grande parte de seus fãs: a da liberdade de sexual. No caso desta música, os personagens são explicitamente dois homens, como diz a letra. Mas o verso final do refrão (“Ninguém vai poder querer nos dizer como amar”) é de um poder inacreditável. Criativo (alguém aí se lembra de uma outra frase tão ousada, composta em bom português, que reúna quatro verbos no infinitivo?), espiritual (vira um mantra quando executada ao vivo por Johnny e sua banda e cantada coletivamente pela plateia inteira), transformador (depois desta experiência quem haverá de confrontar isso).

Toda essa geleia geral com intensa variedade musical, questões de gênero, coração pulsando inquietude e inconformismo e todo o seu desejo intenso por liberdade transforma Johnny, exato meio século depois, em um filho legítimo da revolução proposta pela Tropicália. A sociedade de nosso país encontra-se também tão tolhedora e conservadora quanto aquela do pós-guerra. Justamente por isso, o nome de Hooker representa um poderoso artífice dessa nova onda tropicalista que toma conta da música autoral brasileira. É sempre válido lembrar também que ele só tem dois discos e um futuro imenso pela frente. Isso tudo é muito bom, Basta segurar a ansiedade e aguardar as próximas novidades deste pernambucano.

Set List: “Intro”, “Touro”, “Alma Sebosa”, “Corpo Fechado”, “Chega de Lágrimas”, “Caetano Veloso”, “Volta”, “Você Ainda Pensa?”, “Página Virada”, “Amor Marginal”, “Poeira de Estrelas”, “Coração de Manteiga de Garrafa”, “Eu Não Sou Seu Lixo”, “Boato”, “Escandalizar/Desbunde Geral”. Bis: “Flutua”.

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