Kristen Stewart e Katy O’Brian protagonizam um neonoir que flexiona os músculos, pinga sangue e expira paixão
Texto por Tais Zago
Foto: Synapse/Divulgação
Estamos no final dos anos 1980 e Lou (Kristen Stewart) é a gerente e faz-tudo de uma academia encardida nos confins do Novo México. O ambiente, frequentado principalmente por fisiculturistas, é austero e pouco convidativo. Suas paredes são forradas com frases de motivação no estilo no pain no gain, embarcando nos clichês divulgados em uma época em que os heróis de aventura nos cinemas eram Arnold Schwarzenegger e Sylvester Stallone. Em sua rotina mundana, Lou funciona no piloto automático. Na vida pessoal, cultiva a solidão. Eventualmente ela se encontra com Daisy (Anna Baryshnikov) mais por insistência da mesma do que por vontade própria.
Isso tudo muda com a chegada de Jackie (Katy O’Brian), uma jovem mochileira que está de passagem a caminho de um concurso de bodybuilding em Las Vegas. Ela começa a treinar na academia de Lou e já no primeiro dia as duas começam um caso amoroso. Jackie se muda para a casa da gerente e a ajuda a se preparar para a competição, com ajuda de (muitos) anabolizantes que a protagonista trafica na academia. A atração entre as duas mulheres parece aumentar com o ganho muscular de Jackie. Lou não esconde a fascinação pelo corpo da namorada.
A relativa paz do casal é interrompida quando Lou descobre que Jackie está trabalhando como garçonete no Rancho de Treinamento de Tiros de Lou Sr. (Ed Harris), que além do rancho comanda o tráfico de armas da região. Para ficar ainda pior, Jackie envolveu-se brevemente com JJ (Dave Franco), o cunhado violento e abusador de Lou e parceiro de trabalho de Lou Sr. A tensão chega ao primeiro ápice quando a irmã de Lou, Beth (Jena Malone), é espancada por JJ e vai parar no hospital. Lou confessa a Jackie que gostaria de ver o cunhado morto.
A diretora Rose Glass, que debutou em 2019 com seu primeiro longa Saint Maud, também tem coautoria no roteiro de Love Lies Bleeding – O Amor Sangra (Love Live Bleeding, Reino Unido/EUA, 2024 – Synapse) junto com Weronika Tofilska. Já em Saint Maud, Glass nos mostrou que não é dada a romantizações desnecessárias e não suaviza os personagens para angariar simpatias. Suas mulheres são fortes e quebram tabus mesmo quando enquadradas como vilãs ou anti-heroínas. E isso é bastante claro nas escolhas que faz na direção desta obra mais recente. Em uma intricada mistura tarantinesca, ela nos oferece gore, sexo, paixão e crime. Os frames se alteram entre a realidade e fantasia tornadas palpáveis pelos olhos de Jackie e Lou. A adoração dos músculos salientes e besuntados de óleo, as cores fosforescentes do final dos anos 1980, o uso da luz como um determinante do caráter dos personagens se mistura ao drama e ao sangue que as escolhas das mesmas nos levam a ver jorrar sem timidez.
Glass é inspirada pela iluminação dura e pontual dos sexy thrillers das décadas de 1980 e 1990 e a sonoplastia é digna do melhor dos slasher movies. O drama é marcado pelo exagero e pelo absurdo, podendo nos arrastar à gargalhadas aparentemente involuntárias – porém até essas risadas são calculadas e fazem parte da ambientação criada pela autora e diretora. A química na tela entre Kristen e Katy é incrivelmente sexual. O desejo de Lou é devorar e ser devorada e a fisicamente forte Katy, muitas vezes, é o elo frágil em suas mãos. Para completar a fórmula de sucesso a trilha sonora é espetacular, uma recorrência nas produções da A24 pelas mãos de Clint Mansell, compositor já consagrado pelos seus trabalhos junto ao cineasta Darren Aronofsky.
O Amor Sangra pega Thelma & Louise (1991), Assassinos por Natureza (1994) e Ligadas Pelo Desejo (1996); joga tudo no liquidificador; coloca um casaquinho de tactel, um par de Reeboks e mullets; passa pelo filtro de Tarantino e depois adiciona uma pitada de Breaking Bad (2008), virando um neonoir de um casal de lésbicas que atua irracionalmente guiado pelos traumas de suas histórias familiares. O resultado é espetacular, o cast maravilhoso (menção honrosa para o “careca com rabinho de cavalo” Ed Harris) e visualmente delicioso. Para mim, já é um dos melhores filmes de 2024 e certamente tem grande potencial de entrar para o rol dos cult movies.
Irmãos youtubers Danny e Michael Philippou estreiam no cinema com história de premissa e ingredientes clássicos do terror
Texto por Carolina Genez
Foto: Diamond Films/Divulgação
Um grupo de amigos descobre uma mão embalsamada que permite que eles conversem com espíritos. Em busca de emoção, eles, um a um, passam a se divertir, permitindo que esses espíritos entrem em seus corpos. Até que algo dá errado…
Fale Comigo (Talk To Me, Austrália/Reino Unido, 2022 – Diamond Films), que estreia hoje em circuito nacional, tem uma premissa clássica de filmes de terror: adolescentes com ideias idiotas que você já sabe que vão dar errado desde o primeiro momento. O longa tem direção dos estreantes Danny e Michael Philippou, conhecidos por seu canal no YouTube chamado RackaRacka, que conta com mais de 6 milhões de inscritos. Os irmãos, inclusive, recusaram dirigir um filme do DCU para que Fale Comigo fosse a estreia no cinema.
Em relação à direção, este filme tem momentos bem interessantes, principalmente levando em consideração que essa é a primeira obra dos dois diretores para a telona. A história, inclusive, tem início com um plano sequência bem interessante, que mostra em uma festa e já deixa claro o tom que vai imperar mais para a frente, com cenas fortes, violentas e muito, muito sangue. Por se tratar de uma obra pequena, com orçamento barato e poucos atores, existe uma sensação bem pessoal, até por fazer uso de efeitos práticos, aumentando o realismo e fazendo com os espectadores sintam diversas agonias mostradas na projeção.
O roteiro – encabeçado por Danny – talvez seja o aspecto mais fraco, já que ele nada mais é do que mais um filme de terror genérico com adolescentes tomando as decisões mais sem noção de todas. Assim como todo bom exemplar do gênero, aqui encontram-se espíritos, um objeto misterioso e enigmático que garante essa conexão e, claro, regras para que a brincadeira não passe do controle.
Entretanto, sente-se a falta de explicações para todas essas coisas. A posse da mão, por exemplo, é algo explicado de qualquer jeito, assim como sua própria origem. Também não se explica como essas regras foram estipuladas e nem mesmo investiga-se como destruir a tal mão. Talvez todos esses fatos sejam melhor explicados na sequência, que já foi confirmada pela produtora A24.
Fale Comigo também demora bastante para engatar seu ritmo como uma obra de terror. A narrativa, genérica, apoia-se em sentimentos como luto, trauma e solidão. Os personagens até têm potencial de serem melhores desenvolvidos, porém a maioria recebe poucas características, basicamente sendo presentes e relevantes em alguns recortes, quase passando a sensação de que existem somente naquele determinado. Já Mia, a protagonista, é a exceção: ela é quem mais conhecemos dentro do filme, porque aparecem um vislumbre de seu passado e as angústias partilhadas pela garota. Embora toda a história já vivida antes por Mia seja superficial, ainda assim isto é suficiente para entendermos suas ações e emoções ao longo da projeção.
Apesar de poucas características, os atores conseguem fazer um trabalho maravilhoso com performances naturais e reais. Dentre os principais destaques entram Sophia Wilde e Joe Bird. Wilde interpreta Mia. A garota vive com o luto pela morte “acidental” da mãe pairando pela cabeça, além de se sentir sozinha e buscar essa emoção que o contato com os espíritos garante. Já Bird faz Riley, o mais jovem dos adolescentes, e consegue arrepiar o espectador durante uma das cenas mais violentas.
A estreia cinematográfica dos Philippou tem coisas boas, potencial e um final interessante. Para quem gosta de filmes de terror sobrenatural, Fale Comigo é uma boa pedida. É compreensível seu sucesso de bilheteria ao redor do mundo, principalmente em comparação com as outras obras do gênero lançadas no ultimo biênio. Mas a sensação que fica ao final é que o longa peca em não explorar diversas camadas da história. O que pode ser corrigido na sequência, aliás.
Obra que José Mojica Marins não conseguiu concluir chega agora aos cinemas como homenagem ao legado do mestre do horror nacional
Texto por Frederico Di Lullo
Fotos: Elo Studios/Divulgação
A Praga era uma produção dirigida por José Mojica Marins, o magnânimo Zé do Caixão, que nunca conseguiu concluir a obra. Eis que agora a mesma A Praga (Brasil, 1980/2023 – Elo Studios) ressurge post-mortem. Finalizada e lançada hoje em circuito nacional de cinema.
Até onde se sabe este é único título inédito do mestre do horror brasileiro, falecido há três anos. Além do filme em si, o contém cenas de bastidores e do making of, além de depoimentos exclusivos e imagens da HQ que originou o filme. Sim, a última praga de Mojica está mais viva do que nunca. E documentada.
Narrado por Zé do Caixão, que curiosamente não aparece em cena, o média-metragem conta a história de Juvenal, um jovem que, após provocar uma misteriosa velha senhora, é amaldiçoado e passa a ter uma fome insaciável por carne crua. Enquanto luta para se livrar da praga e procura ajuda médica e espiritual (e também de forças ocultas), ele vai definhando. Tudo é bem limitado materialmente, mas compensa pela cultuada assinatura do diretor, que mistura à veia trash todo um erotismo que explode na tela tal como o sangue das imagens do horror.
Esta peça foi, originalmente, produzida como parte da antologia Além, Muito Além do Além, no final da década de 1960. Entretanto, as imagens de A Praga se perderam no grande incêndio da TV Bandeirantes, o que obrigou Mojica a começar novamente do zero. Ele filmou novamente o curta em 1980, mas infelizmente nunca finalizou. Assim, terminar o filme ficou por conta de Eugênio Puppo e da Heco Produções, que, não só restauraram os negativos em 4k, como remasterizaram a trilha sonora e terminaram a montagem do mesmo.
Tudo isso torna esta “nova” A Praga algo muito necessário, um must-see para os fãs do gênero e amantes do cinema de horror de nosso querido Zé do Caixão. Sem sombra de dúvida, uma última homenagem ao legado de José Mojica Marins como o maior mestre do terror nacional.
Oito motivos para não deixar de ver a turnê de Portas, o nono e mais recente álbum de estúdio de Marisa Monte
Texto por Abonico Smith
Foto: Leo Aversa/Divulgação
Neste ano de 2022 Marisa Monte abriu as portas do palco para seu retorno às atividades musicais ao vivo. Depois de lançar o novo disco Portas ainda no auge da pandemia aqui no Brasil, ela começou em janeiro, pelo eixo Rio-São Paulo a turnê que leva o novo trabalho para o Brasil e ao mundo. Depois de muitas viagens por outras capitais e cidades brasileiras e também dos Estados Unidos Unidos, América do Sul e Europa, ela desembarca nesse final de semana de feriadão em Curitiba para dois shows às 21h dos dias 9 e 10 de setembro no Teatro Positivo. Para a segunda sessão não há mais ingressos – mais informações sobre o que ainda resta para a primeira você encontra clicando aqui).
O Mondo Bacana publica oito motivos para não perder o concerto, caso você ainda não tenha adquirido o ingresso.
Portas digitais
O disco já estava quase todo concebido, só faltava entrar em estúdio. Mas aí veio a pandemia da covid-19 em março de 2020 e o mundo parou e fechou todas portas. Mas, aos poucos, com a ajuda da internet, Marisa foi reunindo colaborações e parceiras aqui e lá e gravando o novo álbum reunindo gente nos mais variados cantos do mundo. Assim, gente como Arto Lindsay, Jorge Drexler, Marcelo Camelo, Seu Jorge e outros convidados foram se unindo ao time de artistas da ficha técnica. Com paciência e conexões, as portas foram se reabrindo para a música voltar a vencer e se transformaram em um 16 boas faixas.
Álbum visual
Com a palavra a própria Marisa Monte. “Acompanhar a produção de artistas plásticos, visitar exposições e conhecer as novidades são sempre um prazer pra mim. Mas nesse período isso só foi possível filtrado pelas telas do computador. A Marcela Cantuária é uma das artistas que eu seguia há cerca de dois anos e suas pinturas foram uma das janelas que eu mantinha aberta para o mundo durante o isolamento. Sem que ela soubesse, a vi pintar mulheres, animais, histórias, natureza e seu universo cheio de mistérios, fantasias, oratórios, símbolos, feminismo, cores e imagens me encantou e seduziu. Como o meio musical é majoritariamente masculino, quis, no álbum visual, tentar promover um equilíbrio e convidar uma parceira mulher. Trabalhamos numa troca intensa de referências, num diálogo profundo entre nossos diferentes campos artísticos, durante dois meses, para que ela criasse essa série de pinturas chamada ‘Portas’. Com seu olhar e traço virtuoso, ela criou um imaginário que potencializou e deu forma às canções.”
Do disco ao palco
Apuro visual sempre foi uma constante nas turnês de Marisa, desde os seus primeiros discos. Cenografia, iluminação, figurinos. Tudo é extremamente bem cuidado e com estilo. Como se o concerto fosse uma extensão do trabalho fonográfico, só que mais extenso e cercado de calor humano com uma grande plateia em frente aos músicos.
“Portas”
O nome da canção – que também batiza o disco – serve como metáfora para uma bela letra que fala sobre diversidade e multiplicidade em tempos nos quais reina a sombra da austeridade de uma ditadura que quer impor a você o que (não) pensar e o que (não) fazer. A balada levada ao piano também serve como ilustração para dizer que o percurso é muito mais importante e interessante que o resultado final. O videoclipe, assinado pelo diretor de arte Giovanni Blanco (brasileiro radicado em Nova York, que já trabalho com gente como Anitta e Madonna), é uma bela experiência de cores, luzes e movimentos performáticos da cantora quase sempre à frente de um fundo todo branco trabalhando com perspectiva.
“Feliz, Alegre e Forte”
Quando o disco estava pronto, Marisa tomou a decisão de guardar essa música para lançar no palco, já no primeiro show da turnê – só depois ela ganhou as plataformas digitais. A letra do samba começa assim: “O que importa se o tempo passou/ O que importa se vai demorar/ O que importa se o dia chegou/ O que importa se nunca virá/ O que importa se alguém falou/ O que importa se ninguém falar”. E o refrão é taxativo e gruda num instante: “Sou feliz, alegre e forte/ Tenho amor e sorte/ Aonde quer que eu vá”.
“Calma”
No início da carreira, Marisa cantou muito Tim Maia. Canções icônicas dele, como “Chocolate” e “Não Quero Dinheiro (Só Quero Amar)”, pipocaram muito no repertório de seus shows. Agora Marisa gravou uma música que é totalmente Tim Maia early seventies que não é de Tim Maia. Parceria dela com Chico Brown, “Calma” revisita o groove malemolente de Sebastião Rodrigues Maia com direito a arranjo luxuoso de naipe de metais e aquela batidinha dançante e lenta que clama para ser sampleada num futuro bem breve. Não é nada difícil você fechar os olhos durante a execução da canção e imaginar aquele vozeirão que bate fundo lá na alma e faz vibrar o corpo inteiro. Sob o comando de Marisa, porém, o pedido de calma e paci6encia nascido sob a tempestade pandêmica ganha mais sensualidade.
Superbanda
Na bateria, Pupillo, ex-Nação Zumbi e atualmente assinando a composição de trilhas sonoras e produção de outros artistas importantes brasileiros (erasmo Carlos, Gal Costa, Céu, Otto, Lirinha, mundo livre s/a, Mombojó, Nando Reis, Edgar). Na guitarra, Davi Moraes, considerado um dos grandes nomes das seis cordas na música pop nacional de hoje. Filho de Moraes Moreira, é apadrinhado por grandes instrumentistas baianos e acostumado desde cedo aos palcos. Chico Brown – que carrega no sangue o DNA de Carlinhos Brown (pai e também integrante dos Tribalistas ao lado de Marisa) e Chico Buarque (avô) fica se revezando na guitarra, baixo e teclados. Dadi, o eterno vizinho e mosqueteiro de palcos e estúdios de Marisa, também está lá na formação, segurando os mesmos três instrumentos que Chico Brown. Pretinho da Serrinha, ex-diretor da banda de Dudu Nobre, é um craque da percussão e já trabalhou com gente do quilate de Caetano Veloso, Lulu Santos e Seu Jorge. Completa o time um trio de metais.
Set list
Com mais de trinta anos de carreira fonográfica, Marisa Monte é sinônimo de um desfile imenso de sucessos, daqueles de serem cantados de cabo a rabo pela plateia. Tanto que o encerramento com “Bem Que Se Quis” já se tornou um item obrigatório de seus shows: ela dá a deixa cantando o primeiro verso e deixa os fãs no comando dos vocais de todo o resto, sem qualquer acompanhamento instrumental, enquanto ela sai do palco pouco tempo depois. O repertório desta turnê traz outras 29 canções antes dessa despedida a capella. Onze delas vêm do nono e mais recente álbum. O que significa que mais da metade é composta por clássicos de sua carreira solo e também com os Tribalistas. Dá só uma olhada na lista das obras que ela canta neste repertório: “Beija Eu”, “O Que Me Importa”“Eu Sei (Na Mira)”, “Infinito Particular”. “Já Sei Namorar”. “Velha Infância”, “Preciso Me Encontrar”, “Ainda Lembro”, “Ainda Bem”, “Depois”, “Não Vá Embora” e “Vilarejo”.
Homem-Morcego volta às telas interpretado por Robert Pattinson e persegue Pinguim e Charada ainda em seu início de carreira mascarada
Textos por Andrizy Bento e Leonardo Andreiko
Fotos: Warner/Divulgação
Lendária criação dos quadrinistas Bob Kane e Bill Finger para a editora DC Comics no longínquo ano de 1939, Batman é daqueles personagens que sobrevivem ao teste do tempo, constituindo seu próprio multiverso – ou, melhor, o seu batverso. Não à toa, já passou por reboots em sua mídia de origem, os quadrinhos, sendo reimaginado por roteiristas e desenhistas em outros universos e linhas temporais alternativas; além de já ter ganhado inúmeras releituras e adaptações para formatos distintos, como filmes, séries, jogos e animações.
No que diz respeito às adaptações live action, podemos citar uma lista respeitável de atores que já vestiram o manto do morcego, alguns mais bem sucedidos do que outros: Adam West, Michael Keaton, Val Kilmer, George Clooney, Christian Bale, Ben Affleck e Robert Pattinson – este, o atual, que está no filme Batman (The Batman, EUA, 2022 – Warner) que chega oficialmente aos cinemas na próxima quinta-feira, dia 3 de março, mas já tem sessões pagas de pré-estreia nesta terça de carnaval. E apesar do descrédito dos detratores e do receio dos mais céticos, o ator britânico é um ótimo Batman. Aliás, está melhor como Batman do que como Bruce Wayne… Mas Pattinson na pele do Homem-Morcego está longe de ser o único destaque do longa de Matt Reeves.
O diretor se pronunciou diversas vezes em entrevistas, não apenas sobre quais histórias estreladas pelo herói serviram de base para composição de seu filme, como também sobre quais seriam suas grandes influências no território cinematográfico. Reeves é um grande fã de Dennis O’Neil, um dos roteiristas fundamentais de Batman nos quadrinhos, especialmente quando ele estava à frente da fase “detetive” do herói. Além disso, o trabalho deste é marcado pelo caráter mais sombrio conferido ao personagem e por tratar de temáticas mais realistas, cotidianas e urbanas em suas tramas. Além da era O’Neil, as clássicas histórias Ano Um, Terra Um e O Longo Dia das Bruxas (com especial destaque para a última) também serviram de referência para Reeves compor seu Batman, bem como os filmes French Connection, Taxi Driver e longas noir em geral produzidos na década de 1970 – não podendo ser esquecidos os trabalhos mais antigos de David Fincher. Para completar, Reeves é um excelente realizador e soube equilibrar elementos narrativos e referências visuais de cinema e quadrinhos, jamais se distanciando brutalmente de nenhuma das duas linguagens, dosando-as com impressionante destreza na tela. O resultado é um feliz encontro de um filme policial no melhor estilo noir com os melhores anos do Morcego nos quadrinhos.
Batman é um longo conto do Morcego de aproximadamente três horas de duração. Muito mais um filme sobre o herói encapuzado do que sobre o homem por trás da máscara, Bruce Wayne, o longa dispensa o caráter introdutório, trazendo o vigilante noturno já atuante em Gotham City desde as sequências iniciais, mas ainda em começo de carreira. Não, não temos a já saturada cena da execução dos pais de Bruce na saída do teatro ou do cinema (já exaustivamente utilizada em outras adaptações) e nem o herdeiro de Thomas e Martha Wayne desenvolvendo seu uniforme e seus famosos bat-apetrechos. O roteiro parte do princípio de que o espectador disposto a conferir o filme já sabe o básico da essência do Cavaleiro das Trevas, conhecendo de antemão alguns dos traços de sua personalidade e elementos mais característicos de sua mitologia.
Com uma atmosfera realista, soturna, repleta de embates violentos que abrem mão de coreografias pomposas e modesto no que diz respeito a pirotecnias, Batman traz uma proposta bem diferente dos filmes de super-heróis da atualidade, não se preocupando em inserir momentos de humor e leveza em sua narrativa ou abusar de cores vibrantes e um visual estilizado para fisgar um público mais abrangente. Não que o longa-metragem seja conduzido com mão pesada ou projete-se como altamente denso, complexo e maduro tal qual Coringa de Todd Phillips. Trata-se de um ótimo entretenimento, com argumento interessante e assertivo ao harmonizar o drama e a ação. Confesso, ainda, que em meio a tantos longas de super-heróis que soam por demais episódicos, passando a impressão de serem grandes teasers para um filme-evento posterior, é muito bom ver uma produção do gênero que se fecha em si mesma e que, por mais que tenha sequências futuramente, ainda poderá ser vista como um filme independente da cronologia na qual está inserido. Temos uma trama com início, meio e fim. Como eram os filmes antigamente.
Dentre as cenas e aspectos marcantes ofertados pelo novo longa do Homem-Morcego, temos a sequência inicial, na qual Charada mira em seu primeiro alvo; a perseguição automobilística envolvendo Batman e Pinguim; o fato de o bom-mocismo de Thomas Wayne ser questionado, mostrando o personagem como um sujeito passível de falhas irreparáveis; e a evolução e o amadurecimento de Bruce como o misterioso herói mascarado, que começa a compreender as linhas borradas entre a vingança e a justiça. Reeves é perspicaz ao trabalhar o conceito de fumaça e espelhos nessa história de Batman. Visualmente, além de conferir uma aura soturna funcional à trama e ao estilo do personagem, a ideia de optar por cenas bastante sombreadas e imagens, muitas vezes, turvas e nevoentas ajudam a atenuar a violência – uma decisão inteligente no que concerne a manter a classificação indicativa no PG-13 (equivalente ao 14 anos no Brasil).
Todo o elenco está muito bem, composto por nomes que emprestam suas carismáticas estampas a personagens emblemáticos dos quadrinhos e apresentam uma química explosiva na tela. Além de Pattinson, Zoë Kravitz é uma das melhores em cena, conferindo a sagacidade e a sensualidade exata à sua Selina Kyle. Colin Farrell (irreconhecível na foto acima!) e Paul Dano surgem se divertindo além da conta nos papéis de Pinguim e Charada, respectivamente. Para completar, temos Jeffrey Wright cumprindo direitinho o dever de casa na pele do incorruptível Jim Gordon. Andy Serkis como o mordomo e tutor de Bruce, Alfred Pennyworth, e John Turturro, interpretando Carmine Falcone, completam o elenco estelar.
Infelizmente, a produção não é desprovida de deméritos. Ótima ideia a de investir em uma trama detetivesca que remete às origens do personagem nos quadrinhos como um grande investigador. O problema é que nem a resolução da charada chega a surpreender e nem Bruce Wayne/Batman se mostra assim tão dotado do brilhantismo e intelecto que se espera daquele que em sua mídia original foi considerado um dos maiores detetives do mundo.
A caracterização de Pattinson como Bruce Wayne também é bastante discutível. Primeiro porque o visual o aproxima mais de Terry McGinnis (o Batman do futuro) do que do Wayne clássico. E, pelo menos neste filme, não vemos Robert incorporar aquela figura charmosa, arrogante, sedutora e orgulhosamente bilionária tão típica de Bruce quando não está trajando seu uniforme e combatendo o crime pelas ruas de Gotham. Na verdade, em Batman, Bruce se mostra bem desinteressado de relações pessoais e eventos sociais, mantendo uma postura mais arredia e reservada, nem mesmo contribuindo como filantropo em sua decadente cidade natal. Mais melancólico do que de costume, o famoso órfão de Gotham alçado ao patamar de celebridade devido à herança e sangue, é uma lacuna não preenchida neste filme. Entendo que, com um ator no auge dos 35 anos, a ideia era que Pattinson passasse a impressão de um pobre garoto rico, imaturo e aborrecido e que jamais pudesse passar pela cabeça de alguém que ele seria capaz de se converter em Batman. Ainda que por vias tortas, Batman acerta nesse quesito.
No geral, o filme se distancia bastante da concepção de Christopher Nolan com seu O Cavaleiro das Trevas. O problema é que o que aproxima as produções é justamente um de seus fatores negativos: o excesso de explicações e didatismos. Por vezes, vemos os personagens narrando aquilo que já estamos vendo acontecer na tela. Outra característica incômoda é a forma como o protagonista se movimenta, especialmente em cenas de crime – sempre de modo muito lento e solene. Ok, pode ser que o peso do traje contribua para isso, o que seria mais um exemplo de que Reeves erra tentando acertar (!!!). Além disso, a direção de fotografia abusa de close-ups e planos detalhe, o que torna algumas cenas um tanto cansativas.
A produção, entretanto, é composta de mais acertos do que erros. A quebra de expectativa ao finalizar uma cena exuberante de voo do Homem-Morcego com um pequeno acidente só nos faz ter mais simpatia tanto pelo personagem quanto por seu realizador. Para os fãs de filmes de ação, as emblemáticas sequências de perseguições em alta velocidade, explosões e lutas violentas estão todas lá, intercaladas por diálogos objetivos e afiados, excelentes dinâmicas entre os atores e momentos dramáticos que passam bem distante de qualquer pieguice. A despeito de suas quase três horas, o longa jamais perde o ritmo e é exemplar em manter o interesse do espectador. Para completar, a trilha sonora combina Nirvana com o tema musical do herói que nos faz lembrar de imediato da popular série animada do Batman, produzida no início dos anos 1990 e exibida por aqui na TV aberta. Outro enorme acerto em uma lista de mais prós do que contras.
Batman é, sim, um grande filme. Talvez não seja o melhor do Cavaleiro das Trevas, mas merece um lugar de destaque na lista das adaptações cinematográficas de quadrinhos de super-heróis. (AB)
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É seguro dizer que estamos falando de um dos filmes mais aguardados dos últimos anos. Batman (The Batman, EUA, 2022 – Warner) foi anunciado por Ben Affleck quando ele ainda assumia o manto do Homem-Morcego e sofreu muitas reviravoltas até parar nas mãos de Matt Reeves (diretor dos capítulos 2 e 3 da nova saga de O Planeta dos Macacos). Seu herói, não mais Affleck, seria Robert Pattinson, popularmente conhecido como o vampiro Edward, de Crepúsculo, mas com maior e maior reconhecimento com o passar dos anos.
Reeves, além de dirigir o longa, escreveu seu roteiro com Peter Craig. Nele, o vigilante mascarado investiga uma série de assassinatos brutais cometidos pelo Charada (Paul Dano), que também se esconde por trás de uma máscara e deixa mensagens crípticas para o protagonista em cada cena do crime. Esse Batman, então, é mais detetive que lutador – o mistério é parte essencial de sua trama. Mais do que um mero filme de super-herói como os mais de trinta que vimos nas últimas décadas, Batman é um bom thriller.
Como tal, ele se estabelece na tênue linha entre tensão e medo. A angústia crescente dos momentos que podem acontecer, não dos que acontecem. Ao mostrar o Charada (foto acima) em ação antes de explicá-lo à audiência, ocupando as sombras como nosso herói, Matt Reeves constrói um suspense atemorizante, manipulando nossas expectativas. Se Batman emerge à tela nas sombras e as habita, seu antagonista faz o mesmo. Não há descanso, portanto, em um filme que se passa majoritariamente na noite de Gotham.
Parte central da mitologia do Homem-Morcego, a cidade é um grande tema de debate nas inúmeras adaptações dos quadrinhos à tela. Com o controle criativo de praxe da DC nos últimos anos, o diretor articula uma Gotham que não peca pelo realismo nova-iorquino como a que Christopher Nolan construiu, mas também não deixa de fundar sua ação, horror e mistérios sobre uma selva de pedra escura, suja e perigosamente verossímil. As luzes transformam a jornada num noir, alçando as composições arrojadas e envolventes de Reeves. Em mais um ótimo trabalho, o diretor de fotografia Greig Fraser (do novo Duna) brilha com dinamismo e inventividade. Seu uso de lampejos, chiaroscuro e, principalmente, do absoluto “sangrar” da tela em vermelho fazem desta uma abordagem requintada do personagem mascarado. Há um charme mórbido em todas as ambientações da cidade, muito disso causado pelo belo trabalho conjunto de direção e fotografia.
Inclusive, o diretor, que vem demonstrando sua sobriedade e controle nos últimos O Planeta dos Macacos, não comete o terrível erro esterilizante que assola os filmes de super-herói das últimas décadas. Sem enquadramentos que gritam aos quatro ventos “isso aqui é tela verde!”, Reeves faz da linguagem audiovisual sua maior aliada na construção simbológica da história. O espectador lembra constantemente o peso alegórico das personagens nas posturas, silhuetas e interações.
Contudo, longe de uma abordagem mais contida e meramente reflexiva das tramas do vigilante, aqui a ação também tem peso. Quem luta respira, sente a porrada e se machuca. Parte desse êxito se dá pelo controle do diretor da câmera, que não se move de cá pra lá sem nexo, entrecortando takes tremidos como se fossem atirados num liquidificador. A outra parte vem da incrível corporalidade de Pattinson e Zoë Kravitz (foto acima), que parecem habitar os corpos de suas personagens há muitos e muitos anos.
No caso do Homem-Morcego, se essa é uma versão mais garota, enraivecida e dotada de um moralismo ainda ancorado na decadente figura de seu pai “cidadão de bem”, não poderia ser diferente a caracterização de um Bruce Wayne claramente perturbado, de poucas aparições e palavras. A atuação de Pattinson é estelar, capaz de construir com o olhar angústia tamanha em seus silêncios como Bruce, temores tais em seus silêncios enquanto Batman – ou, melhor, Vingança.
Enquanto isso, Kravitz propõe uma Selina Kyle diferente das que já vimos em tela – e seu arco distancia-se de uma egoísta ladra rumo a uma interpretação mais compreensiva e bondosa com a futura Mulher-Gato. A atriz é a âncora emocional da relação entre Batman e a anti-heroína. Sendo assim, carrega com primazia a intensidade dramática dessas cenas e sequências.
Muito bem pode ser tido de todo o elenco coadjuvante, mas cabe ainda estender aplausos ao trabalho aterrorizante de Paul Dano. Seu vilão opera pelo medo e, mesmo com a veia terrorista, afasta-se muito do caos pelo caos que consagrou o eterno Coringa de Heath Ledger. Sua aura justiceira e obsessão pela verdade por trás da propaganda, que o tornam uma figura com seguidores (para manter a trama mais vaga possível), são, talvez, as dimensões mais “reais” de todo esse conflito.
Matt Reeves é sutil em localizar a trama em uma série de discussões bastante atuais sobre os perigos da era da informação. Tematicamente, Batman trata (entre outras coisas, é claro) da transformação das redes sociais e fóruns em armas psicológicas de terror, do “culto” à violência enquanto meio para um fim supostamente puro e, ainda nesse campo da moral, as implicações de vingança e justiça que pautam a maneira com que Bruce Wayne vê sua atividade como o Batman com o passar da trama.
Muito poderia ser dito desses e outros conflitos que se traduzem do universo fílmico para o universo real, ilustrando a potência do cinema, bem como de toda arte em geral, em tecer comentários sociais que se fazem eficientes dentro de um discurso maior. O filme, para muito além da adaptação, é um thriller com muita solidez, tensão e suspense. Sem esquecer a ação, a montagem de William Hoy e Tyler Nelson estabelece um ritmo engajante e convidativo nas quase três horas de duração do longa-metragem. Se é verdade que há muita coisa acontecendo em Batman, definir um tempo de tela tão extenso confere o certo respiro a cada uma das partes da complexa e intrincada narrativa.
Resta afirmar que essa versão do Homem-Morcego me parece uma das mais concretas e monumentais da personagem. O mesmo pode ser dito da interpretação bastante distinta de Wayne sem sua máscara. Com uma densa e crua atmosfera, Matt Reeves é capaz de conferir a intensidade temática dos conflitos de terror e máfia sem desvincular Batman da verve criativa do cinema. (LA)