TV

Orlando Drummond

Ator fez história na TV brasileira como o Seu Peru da Escolinha do Professor Raimundo e dublando muitos seriados e desenhos animados

Texto por Fábio Soares

Foto: Reprodução

Para quem nasceu nos anos 1970 como eu, assistir à TV era um dos principais passatempos da criançada. Por isso, o papel dos desenhos animados nos canais abertos ocupou especial lugar em corações e mentes.

Scooby-Doo, o Vingador de A Caverna do Dragão, Popeye, Gargamel de Os Smurfs, além do “ETeimoso” Alf: todos estes personagens, apesar de distintos entre si, possuíam algo em comum: a voz. Nascido no Rio de Janeiro em outubro de 1919, Orlando Drummond Cardoso teve em Paulo Gracindo seu grande incentivador, sobretudo para a dublagem. É inexato afirmar em quantos episódios de seriados e cartoons sua voz esteve onipresente. Unanimidade entre dubladores, viu três de seus filhos (Eduardo, Alexandre e Felipe) seguirem o mesmo caminho, aliás 

Mas foi em 1952, recrutado por Chico Anysio, que ele começou a forjar seu mais marcante personagem para a fase ainda radiofônica da Escolinha do Professor Raimundo. Ali fazia o Seu Peru, estereótipo do afetado homossexual que a todo custo tentava “tirar do armário” célebres figuras da história e atingiu o ápice da popularidade na Escolinha da TV, exibida pela Rede Globo nas tardes de segunda a sexta. Suas roupas de cores berrantes, o gestual exagerado e a fita na cabeça fizeram com que o delicado tema da homossexualidade fosse abordado de forma leve. Seu Peru era adorado pelas crianças, jovens, senhoras. Era o tio-avô que fazia todos rirem. Um dos únicos casos em que o personagem engoliu seu criador.

Em outubro de 2019, ao completar um século de idade, concedeu entrevista ao jornal O Estado de São Paulo e foi indagado sobre o segredo de sua longevidade. “Antes do humor, tem o bom humor, que eu sempre tive. Por isso, andei pelos caminhos que andei e cheguei onde cheguei. Na verdade, sempre defendi a tese de que as duas coisas mais importantes da vida são amor e humor. A alegria sempre esteve na minha vida. Então, a melhor forma de retribuir tanta alegria que a vida me deu foi espalhando a alegria com o meu trabalho”, afirmou.

Nos desenhos animados, seriados, na Escolinha, nos comerciais de TV ou na vida real, Orlando Drummond quase nos deu a utópica ideia da imortalidade. E quer saber? Nem é tão utópica assim. Afinal, de uma forma ou de outra, o gigante da dublagem brasileira e da atuação permanece vivo, mesmo depois de sua morte, ocorrida aos 101 anos de idade, na última terça-feira, 27 de julho de 2021.

Movies

Um Lugar SIlencioso: Parte II

Segundo capítulo da trilogia parte do fim do filme anterior para um misto de cenas de tensão com roteiro repleto de conveniências

Texto por Leonardo Andreiko

Foto: Paramount/Divulgação

Um Lugar Silencioso atraiu o olhar do público com uma proposta refrescante no cenário do horror. Como todo o movimento que muitos entendem como pós-horror, o primeiro capítulo dessa trilogia anunciada é tematicamente adensado e entrega sequências agoniantes. A expectativa para Um Lugar Silencioso: Parte II (A Quiet Place Part II, EUA, 2020 – Paramount), portanto, não poderia ser maior.

O ponto de partida do longa, dirigido e roteirizado por John Krasinski, é exatamente após o fechamento de seu antecessor, quando parte para um thriller com sequências pontualmente enervantes enquanto a família Abbott se refugia após os eventos anteriores. Eles encontram abrigo em uma fábrica onde se esconde Emmett (Cillian Murphy), que passa a acompanhá-los.

Aqui, Krasinski passa a integrar a fala com mais recorrência, valendo-se de diversos artifícios narrativos ao longo do filme para validar decisões, conveniências e ações de seus personagens. Embora não haja qualquer novidade surpreendente no andamento e na trama desta segunda parte, a decisão de separar os acontecimentos em duas linhas narrativas oferece um dinamismo extremamente necessário ao ritmo do longa.

Isso porque ele enfrenta um desafio complicado, pois, ao revelar a fraqueza de seus alienígenas, é forçado a abandonar o medo que ofereceriam aos personagens. Há claras indicações e possibilidades de matá-los, o que os torna, quando muito, conflitos genéricos numa trama que pretenderia abordar outros temas. Contudo, por já explorar a dinâmica familiar e suas implicações no primeiro longa, Krasinski não tem material suficiente, em última análise, para oferecer uma perspectiva engajante em algum conflito de ordem psicológica. Se começamos esperando um suspense conectado às tendências do horror contemporâneo, encontramos uma trama de ação com a interessante e eletrizante abordagem sonora da mise-en-scène.

O quadro de um filme outrora esquecível expande-se, aqui, para além da tela, uma construção tridimensional do espaço ao redor que efetivamente constrói a tensão e o drama. Justamente por isso, os ocasionais jumpscares são uma das melhores utilizações da técnica no horror moderno. Há, de fato, uma quebra de ritmo e não a construção de tensão que os torna previsíveis em muitos filmes. E, claro, nossa atenção à esfera sonora do longa nos torna propensos ao susto da crescente sonora.

Embora seja uma experiência engajante de início, com sequências de tensão primorosamente conduzidas, o roteiro repleto de conveniências faz de Um Lugar Silencioso: Parte II um longa morno. Ele não chega a ser ruim, mas também não é memorável.

Music

Amy Winehouse

Seis meses antes de sua morte, que completa exatos dez anos, cantora procurou a paz no Brasil mas encontrou o inferno em seu lugar

Texto por Fábio Soares

Foto: Divulgação

O ano de 2011 não começou nada fácil para este que vos escreve: simultâneos golpes financeiros em minha conta bancária e cartão de crédito. Um par de bólidos de amigos enviados a UTIs automotivas após barbeiragem causada por minha pessoa, problemas com o álcool e infindáveis crises existencias. Enfim, o fundo do poço materializado.

Dois meses antes destes infortúnios acontecerem, um negativo fato marcou-me naquele fatídico ano de “zero onze”. O festival caça-níquel Summer Soul, realizado no Anhembi em 15 de Janeiro, tinha um confuso line up mas um nome de respeito para encerrá-lo. Com 27 anos completados quatro meses antes, Amy Winehouse atravessava irregular momento em sua carreira. Com o psicológico abalado, vilipendiado e torturado por seu atual-ex-atual-ex-namorado-marido-namorado-namorido, queria apenas encontrar a paz em sudacas terras tropicais. Encontrou o inferno em seu lugar.

Formado em sua grande maioria por um público arrogante, acéfalo e inebriado com os recém-chegados smartphones ao Brasil, o público da pista premium do festival (setor para o qual adquiri ingresso) estava pouco se lixando para o que acontecia no palco. A coletiva imbecilidade era tanta que grande parte dos presentes não se ateve ao fato de que uma estrela do r&b estava ali, materializando-se diante dos olhos de todos. Antes da apresentação de Amy, Janelle Monáe fez uma apresentação impecável, apresentando ali o rumo que a nova safra da soul music tomaria dali para a frente. Mas ninguém percebeu. Noventa por cento do público estava preocupado em registrar selfies, tomar cerveja quente e gargalhar em rodinhas de bate-papo. Muitos, inclusive, de costas para o palco. Tão irritado fiquei que quase fui embora. Mas ainda havia um motivo para que eu aguentasse aquela tortura à minha volta. Ainda havia Amy.

Perto da meia-noite, Amy surgiu ao palco lindíssima, num vestido preto com detalhes brancos. Sua cabeça, no entanto, estava longe dali. Executando as canções numa obrigação digna de uma funcionária de cartório às quatro da tarde de uma sexta-feira, visivelmente encontrava-se fora de sintonia com sua excelente banda de apoio. O público da pista premium, por sua vez, teve um comportamento NOJENTO ao vibrar (como se fosse um gol!) a cada vez que a cantora levava uma das mãos ao nariz ou bebericava algo em sua caneca. Resumindo: o nojento público da pista premium daquele maldito festival não estava ali para presenciar o talento de Amy. Estava ali apenas para vibrar com sua auto e pública destruição. A poucos metros de mim, observei a cantora Pitty visivelmente indignada como eu com o imbecil comportamento daquele bando ali instalado. Amy não merecia, Pitty não merecia, eu não merecia. Era uma noite para esquecer.

Corta pra 23 de julho de 2011. O time do qual eu era fundador, manager e técnico tinha apenas sete anos de vida mas uma gloriosa história de títulos e memoráveis apresentações nos campeonatos de futsal de nossa empresa. Estávamos num período de jejum e aquele dia poderia representar nossa volta aos tempos áureos. Semifinal do campeonato interno contra um tradicional rival interno. O conglomerado Cachaçamba era a pedra em nosso sapato há algumas temporadas mas naquele 23/07 seria tudo diferente e carimbaríamos nosso passaporte à final do torneio. Certo?

Não! O dia já havido começado mal. Acordei deprimido e sem vontade de levantar da cama. Tinha, porém, uma missão a cumprir. Trinta minutos de trajeto separavam minha residência do Nacional Atlético Clube, na Barra Funda. Naquele momento, eu não precisava de uma trilha sonora que me botasse “para cima” mas, sim, uma trilha sonora que me entendesse sem julgamentos. E na busca de meu velho iPod, nada poderia ser mais adequado ao momento: o álbum era Back To Black e sua intérprete sabemos muito bem quem era.

A ida ao ginásio, local da partida, foi triste, modorrenta e de certa forma premonitória. Jogo iniciado e eu, como comandante, fui um completo FRACASSO. Decisões erradas tomadas por mim levaram nossa equipe a um completo naufrágio. Tomamos um vareio de bola e a tão sonhada vaga à final estava reduzida a uma humilhante goleada sofrida. Após o jogo, não quis falar com ninguém, limitando-me a ficar sozinho nas arquibancadas do ginásio.

Com a cabeça pesando uma tonelada, iniciei meu retorno para casa, não sem antes acessar os portais de notícias pelo celular. Quase em uníssono todos eles reproduziam a mesma manchete: “Amy Winehouse é encontrada morta em Londres”.

Naquele momento, fui invadido por um misto de tristeza e revolta. Revolta por saber que Amy deu seu último suspiro Camden Town. Eu havia pisado por aquelas bandas da capital inglesa dez meses antes e sabia muito bem que ali era o PIOR LUGAR DO MUNDO para um adicto em álcool residir. Em Camden há um pub em cada esquina prontos para abrigarem celebrações marciais de autodestruição. É um convite à loucura, à perda da sobriedade. A literal tradução de “sentença de morte” para um alcoólatra. A morte de Amy quis me arrastar para o fundo do poço… mas eu já estava lá.

Esta sexta-feira 23 de julho de 2021 marca exatos dez amos que Amy Winehouse nos deixou, aos 27 anos de idade. Gata garota que cometeu o hediondo crime de querer ser feliz. Um talento gigantesco a flutuar por um hermético espaço. Mais uma indefesa vítima de poderosos interesses que enriquecem em cima de corpos e talentos alheios.

E quanto a mim? Como estou eu, dez anos depois daquele nublado sábado de 2011? Triste da mesma forma. Mas ainda mais triste por saber que a incólume lacuna aberta por Amy Winehouse permanece aberta dez anos depois. E quer saber? Ainda permanecerá assim por um bom tempo…

Movies

Viúva Negra

Depois de alguns adiamentos por conta da pandemia, a heroína vingadora ganha seu primeiro filme solo tanto nos cinemas quanto no streaming

Textos por Andrizy Bento e Leonardo Andreiko

Fotos: Marvel/Disney/Divulgação

Previsto para estrear originalmente em abril de 2020, Viúva Negra (Black Widow, EUA, 2020 – Marvel/Disney) sofreu adiamentos devido à pandemia de covid-19, que obrigou as salas de cinema e vários outros estabelecimentos a fecharem as portas temporariamente a fim de evitar aglomerações e, portanto, preservar a saúde e segurança da população. A ansiedade resultante dos constantes reagendamentos da estreia fez com que as expectativas dos fãs com relação ao longa se tornassem cada vez mais altas, já que eles mal podiam esperar para conferir uma das integrantes originais dos Vingadores ganhar o tão merecido protagonismo. Todas essas situações de adiamento e espera poderiam ser fatores prejudiciais para seu desempenho nas telas (o filme poderia não corresponder às expectativas projetadas pelos fãs), mas ainda havia outro complicador: o timing de lançamento dentro da cronologia do MCU, independente de pandemia, parecia inadequado após o desfecho trágico de Natasha Romanoff em Vingadores: Ultimato.

Entretanto, esse ainda se tratava de um aspecto contornável – bastava que os produtores e roteiristas tivessem acertado na tônica e abordagem assumidas pela produção. Viúva Negra seria um tributo à heroína abatida, com um provável sabor agridoce de encerramento do arco da vingadora? Ou exploraria sua origem e legado, de modo a dar continuidade com outra personagem assumindo seu posto, considerando que Natasha foi uma das várias meninas treinadas na Sala Vermelha no Programa Operação Viúva Negra? As perguntas são devidamente respondidas no filme que segue, sabiamente, pelos dois caminhos.

Como ainda estamos atravessando um momento pandêmico, a solução para Viúva Negra enfim ganhar as telas, foi lançá-lo simultaneamente nos cinemas e na plataforma Disney+; claro que no streaming ele ainda não está disponível para todo e qualquer assinante, podendo ser conferido por um valor adicional. Dessa forma, aqueles que não podem ir ao cinema e não se rendem aos meios ilegais, têm de desembolsar alguns reais a mais para ter o acesso premium. É o modo que a casa do Mickey encontrou de não sair no prejuízo.

Para quem já conhece um pouco do background da personagem, o filme protagonizado por ela é facilmente entendível e não necessita de muitas exposições, escapando do caráter didático de grande parte das produções solo de origem. Para quem não se lembra do momento em que ela revela brevemente seu passado em Vingadores: Era de Ultron, basta ter em mente que Natasha foi treinada na Sala Vermelha (programa desenvolvido por uma organização da União Soviética), juntamente com outras jovens órfãs para o combate e espionagem. Lá também foi biológica e psicotecnologicamente aprimorada. Bem como as demais garotas, ainda teve de passar por um procedimento invasivo de histerectomia, de modo a evitar distrações e “obstáculos” em seu trabalho como espiã.

Tornando-se o “projeto” mais bem-sucedido desenvolvido pelo Programa Operação Viúva Negra, ela passou a figurar como uma ameaça à segurança global e entrou no radar da S.H.I.E.L.D. Para matá-la, Nick Fury enviou o agente Clint Barton, conhecido pela alcunha de Gavião Arqueiro, mas reconhecendo seu potencial, habilidades e destreza, Clint recuou em sua missão e aconselhou Fury a integrá-la à SHIELD. Trabalhando juntos, Natasha e Barton desenvolveram um vínculo poderoso de cumplicidade e uma ótima dinâmica de equipe, o que os levou a uma missão em Budapeste, citada primeiramente no longa original dos Os Vingadores (2012) e finalmente explicada no filme solo da Viúva Negra. Aliás, no primeiro longa da equipe, pudemos testemunhar a trajetória de Natasha de agente da SHIELD à vingadora.

Nem vou entrar no mérito de que uma personagem tão fascinante e que, para completar, foi intensamente ativa e onipresente em filmes pregressos do MCU, merecia um longa individual muito antes. Pois teria de considerar as perspectivas mercadológicas de bem poucos anos atrás, quando executivos de estúdios eram terminantes em afirmar – sem nem ao menos fazer alguma tentativa – que filmes solo de heroínas (ainda mais uma relativamente desconhecida do público que não consome HQs) não seriam capazes de render altas cifras como as produções protagonizadas por personagens do gênero masculino e já familiares ao público, a exemplo de Homem de Ferro, Thor e Capitão América. Antes tarde do que nunca, pelo menos.

Viúva Negra agrada e empolga quem curte a fórmula da Marvel Studios e surpreende quem assiste de maneira descompromissada. O longa protagonizado por Scarlett Johansson consegue ir um pouco além de apenas um bom entretenimento de fim de semana, com uma trama sólida, ritmo fluido, resultando em uma eficiente tradução da heroína dos quadrinhos para as telas.

A narrativa começa em 1995, quando Natasha e sua “irmã” Yelena têm suas infâncias interrompidas, ingressando forçosamente em uma iniciação cruel que visa transformá-las em assassinas perfeitas. O prólogo se concentra na falsa família infiltrada em Ohio, composta pela jovem Natasha Romanoff, a irmã caçula Yelena Belova, o pai Alexei Shostakov (conhecido como o Guardião Vermelho) e a ex-viúva negra Melina Vostokoff, que assume o papel de mãe das garotas. Esses minutos iniciais já deixam aparente que Natasha tem conhecimento de que aquele núcleo familiar no qual está inserida é fake. Mas Yelena, de apenas seis anos, não faz a menor ideia. Posteriormente, durante os créditos iniciais, temos lampejos do treinamento e da rotina brutal aos quais Natasha, Yelena e outras órfãs são submetidas, destacando que a missão das jovens mais aptas é converterem-se em espiãs e assassinas, enquanto as demais são friamente executadas. O começo sombrio é embalado por um cover inusitado de “Smells Like Teen Spirit”, clássico do Nirvana, interpretado por Malia J em uma toada bastante melancólica que corresponde perfeitamente às imagens mostradas na tela.

Vinte e um anos depois, vemos Natasha escapando dos homens do General Ross, que a acusa de violar o Tratado de Sokovia e ferir o rei de Wakanda. A vingadora é bem-sucedida em sua fuga e retira-se para um lugar isolado a fim de permanecer reclusa por um tempo. No entanto, seus planos não saem exatamente como ela desejava e seu caminho se cruza novamente com o de Yelena e de seus pais adotivos, aos quais ela deve se unir a fim de executar uma nova missão: ir atrás de uma figura aterrorizante de seu passado do qual ela acreditava já ter se livrado há anos. Ninguém menos do que Dreykov, o chefe da Sala Vermelha que, para surpresa de Nat, continua ativa. O filme narra o que houve com Natasha durante esse período em que permaneceu afastada dos Vingadores e foi para Budapeste confrontar seus fantasmas – situando-se entre os eventos de Capitão América: Guerra Civil e Vingadores: Guerra Infinita. Sem muitos spoilers: a localização da Sala Vermelha é um achado e todo o plano para derrotar o responsável pelo programa é bem orquestrado na tela.

A produção é recheada de sequências de explosões, tiros, perseguições por terra e ar e muita pancadaria para deleite dos fãs do gênero. As cenas de ação são bem conduzidas e, apesar de toda a pirotecnia e situações surreais e inverossímeis, não apenas funcionam como conseguem soar bastante plausíveis dado o acuro da direção de fotografia, do desenho de produção e do preciso emprego dos efeitos especiais. Se há algum demérito no departamento visual, está no fato de a Marvel Studios insistir em apresentar cenas de luta com demasiados cortes, o que tira um pouco da “magia” desse tipo de sequência. O espectador tem a ciência de que os embates corporais ilustrados na tela tratam-se de pura coreografia e são resultantes de um árduo trabalho de montagem, não transmitindo a sensação de legitimidade esperada. Todavia, o clímax ágil e eletrizante mais do que compensam essa deficiência.

Além de contar com bons acréscimos ao elenco, cuja presença que mais se destaca é a de Florence Pugh que interpreta Yelena, além de nomes como Rachel Weisz e David Harbour, a inserção do personagem Taskmaster (traduzido como Treinador nas HQs em português), agrada aos fãs de quadrinhos, ainda que apareça no longa com identidade e background bem distintos das de sua contraparte na mídia original. E, obviamente, há numerosas referências aos Vingadores.

Embora seja um espetáculo visual e sonoro, o que realmente se sobressai em Viúva Negra é o fato de o filme humanizar a protagonista. O roteiro explora muito mais do que seu lado vingadora, propondo um mergulho em sua psique e deixando bem aparente os esforços descomunais que ela faz em ordem de manter seu emocional estável, ainda que este esteja comprometido. Contudo, não deixa de manter alguns de seus sentimentos nebulosos, considerando que o mistério é parte essencial do charme da personagem. Ao introduzir o plot da família de Natasha, mesmo que esta se trate de uma família fake, temos acesso à intimidade da heroína de um modo que ainda não havíamos tido a oportunidade em longas que o precederam na cronologia do MCU. E, felizmente, é um plot que não soa artificial.

De forma bastante sutil, pontual e orgânica, a produção ainda lança luz sobre questões pertinentes e atuais, como o papel da mulher na sociedade, o insistente controle sobre nossos corpos, comportamentos e os questionamentos diante de nossas condutas, o quão valiosa é nossa autonomia e poder de escolha, bem como a representação das super-heroínas na cultura pop. O longa até se permite um momento de autossátira, como quando Yelena zomba da pose de Natasha para lutar – o modo característico de jogar o cabelo para trás em câmera lenta, que se trata de pura estética, mas tornou-se algo emblemático da personagem, visto pela primeira vez no hoje longínquo Homem de Ferro 2, lançado em 2010. O melhor? Aborda pautas fundamentais com relação ao espaço e representação da mulher, mas passando bem longe do discurso panfletário.

O resultado é um bom thriller de espionagem e ação, que coloca em evidência temas de hoje e bem relevantes, e retrata na tela tanto o que faz de Natasha Romanoff uma lutadora poderosa e perspicaz, quanto uma pessoa sensível e, por vezes, vulnerável. Dirigido, roteirizado e protagonizado por mulheres, o longa de Cate Shortland, escrito por Jac Schaeffer é um filme feito especialmente para os fãs da heroína, mas não se reduzindo a uma “carta de amor” destinada a eles.

Há um anacronismo na origem da espiã – aspectos de sua história que conflitam com o que já foi apresentado sobre ela em filmes predecessores da estrutura MCU – para o qual é difícil fazer vista grossa. E o longa também tem aquele jeito de “meio do caminho” como a maioria esmagadora das produções da Marvel Studios – a aventura isolada que não faz tanta diferença no todo. Assim são também os outros filmes solo dos heróis da Marvel, como os do Thor, Homem-Aranha e mesmo os longas protagonizados pelo Homem de Ferro. No entanto, Viúva Negra tem um enredo muito mais consistente do que os filmes do Homem-Formiga ou da Capitã Marvel, para citar alguns exemplos. De qualquer forma, apesar das falhas, o conjunto da obra é bastante agradável.

Para completar, a trilha sonora é outro de seus atrativos. Inclui, além da citada cover do Nirvana, a versão original de “American Pie”, de Don McLean, que garante alguns momentos de leveza em meio ao caos que se desenrola ao redor de Natasha e sua família.

Lançado tardiamente, Viúva Negra não só cumpre o esperado, como supera expectativas e não desaponta os fãs. É o filme ideal para inaugurar a Fase 4 do MCU nas telonas. (AB)

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Um Universo Cinematográfico, em especial de proporções tão grandiosas quanto o da Marvel, impõe uma série de limitações a seus filmes e em especial às aventuras solo, em virtude de seus épicos crossover e de uma narrativa geral que se estende por anos. Nesse caso, as constrições narrativas são muitas: a protagonista cuja morte já está anunciada; a necessidade de uma trama simples o suficiente para passar despercebida no tempo em que se insere (entre Guerra Civil e Guerra do Infinito), mas espalhafatosa o bastante para caber na fórmula Marvel; a introdução de uma nova protagonista, sua história e o anúncio de sua próxima participação. Justamente por isso, esse não é tanto um filme da Viúva Negra, Natasha (Scarlett Johansson), como é de Yelena (Florence Pugh).

Assim, Viúva Negra (Black WIdow, EUA, 2020 – Marvel/Disney) retrata o reencontro das irmãs para enfrentar o abusivo vilão que as transformou em Viúvas, Dreykov (Ray Winstone), superagentes com as mesmas aptidões da heroína. Para isso, precisam recuperar contato com sua família “adotiva”, com quem estiveram por alguns anos como disfarce para uma missão de Melina (Rachel Weisz) e o Guardião Vermelho (David Harbour).

Conduzido como qualquer blockbuster da Marvel, o enredo é fraco e serve somente como cola gasta entre cenas de ação “engajantes”, cuja lógica interna comete inúmeras adaptações convenientes às protagonistas (a já conhecida armadura de enredo ou plot armor). Se havia alguma tentativa de estudo emocional ou psíquico de Natasha, ela não sobrevive ao ritmo constantemente quebrado por piadocas e alívios cômicos fora de hora.

A princípio, o que descrevo pode ser a análise de muitos longas multimilionários de super-heróis e heroínas dos últimos anos. Tal sensação não se distancia de um diagnóstico já esperado: de fato, este é somente um entre tantos lançamentos desprovidos de um discurso profundo. Costuma-se admitir um bom filme do gênero quando há um conflito interessante. Por exemplo, Thanos é um bom vilão porque somos capazes de entender suas motivações.

No entanto, Dreykov, além de não interagir com a trama até seu clímax, é plástico e unidimensional, providenciando ao longa um pretenso embate moral confuso e politicamente complicado. Líder estratégico da União Soviética, ele se refugia numa base espacial após um atentado de Natasha que supostamente o mata. Embora ecoe o estereótipo de crueza moral do regime socialista aos olhos do Ocidente, acompanhado da estética soviética mesmo que tenha se refugiado nos ares após o fim do regime, o patético plano de dominação mundial do antagonista o concede “o poder de manipular o preço de petróleo, água e afins” – um controle absoluto do capital, portanto, mas nunca utilizado ou sequer percebido pelas agências de inteligência do Universo Marvel. Confuso, não?

Ao mirar no repetitivo artifício de entregar riscos astronômicos ao conflito vigente buscando conferir-lhe legitimidade ao público, ou seja, buscando a empatia e atenção dos espectadores, Viúva Negra comete o mesmo erro que diversos filmes de seu gênero, e alcança seu mesmo resultado: o desinteresse. Parece-nos então que, ciente da fraqueza do roteiro que lhe é entregue, a diretora Cate Shortland foca sua atenção – além das longas e repetitivas batalhas e fugas – na interpretação de seu quarteto estelar. Contudo, não há bons personagens sem um bom roteiro. Os diálogos travados e as já comuns interrupções para alívio cômico resultam em quase-personagens dramáticos, com pouquíssimo impacto e traços caricatos, como o sotaque russo forçado das três novas adições ao UCM.

Sendo assim, a personagem mais surpreendente é Alexei, o Guardião Vermelho, a quem é dada a menor expectativa narrativa e o papel mais simples: atenuar o tom pretensamente dramático com uma personalidade deslumbrada e atrapalhada. David Harbour está extremamente confortável no papel, assim como todas as atrizes com quem contracena. É de se supor que, caso o elenco não tivesse nomes de tamanha força, as dobradinhas entre Natasha e Yelena, além de toda a dinâmica familiar frustrada, não teriam sido ruins, mas desprezíveis.

Viúva Negra é um filme esquecível que se propõe à difícil tarefa de construir camadas a um personagem falecido e, claro, introduzir uma nova (anti?)heroína ao panteão da Marvel. Sofrendo todos os sintomas do corporativismo exagerado da Disney, não oferece uma história convincente ou qualquer discurso que não se resuma a maniqueísmo barato embrulhado em ação antilógica e explosões aleatórias. (LA)

Movies

Godzilla vs Kong

Filme garante bons momentos de porrada no encontro dos mostrengos mas peca na história e na apresentação dos personagens

Texto por Ana Clara Braga

Foto: Warner/Divulgação

No mundo dos monstros gigantes, quem tem tecnologia é rei. O CGI é capaz de transformar tudo em realidade, inclusive a batalha entre dois dos maiores monstrengos do cinema. Godzilla vs Kong (Godzilla vs. Kong, EUA/Austrália/Canadá/Índia, 2021 – Warner) é grandioso, uma mescla de ação e ficção científica que surpreende pela capacidade técnica. Mas deixa a desejar na história. 

Kong está vivendo em um santuário seu calmo cotidiano de macaco gigante. A sequência inicial, com trilha sonora e tom jocoso, mostra por alguns instantes um lado diferente do famoso monstro. A humanização de Kong já aponta um certo favoritismo inicial na aguardada briga. Ele ganha feições mais expressivas e um arco emotivo com a introdução da personagem Jia (Kaylee Hottle). 

Godzilla vs Kong, entretanto, aposta em duas narrativas paralelas. A primeira acompanha a saga dos doutores Nathan Lind (Alexander Skarsgård) e Ilene Andrews (Rebecca Hall) para levar o gorila de volta para sua casa na Terra Oca. A segunda é uma confusa história de conspiração envolvendo o realizador de podcast  Bernie Hayes (Brian Tyree Henry) e a adolescente inconsequente Madison Russell (Millie Bobby Brown). 

A estranha maneira de dividir enredos é uma frustrada tentativa de trabalhar os dois monstros que dão título ao longa separadamente. Enquanto o Time Kong é liderado por cientistas em uma história de aventura, o Time Godzilla encontra-se uma narrativa de alívio cômico e ficção científica. O último infiltra-se na Apex, empresa cujo dono contrata Nathan Lind para a expedição na Terra Oca. Tirando essa pequena coincidência, os dois grupos encontram-se apenas no final, quando tudo já está bem. É como se fossem dois filmes passando simultaneamente. No primeiro, de fato ocorre a luta entre Godzilla e King Kong; Já o segundo traz vibe Sessão da Tarde em que “uma turma muito atrapalhada” tenta descobrir os segredos de uma gigante da tecnologia. Essa escolha narrativa favorece o esquecimento: entre cortes de cena não lembrar o que estava acontecendo com o outro grupo não é algo difícil.  

Se tivesse sido feito vinte anos atrás Godzilla vs Kong não teria o mesmo valor. A tecnologia permitiu uma extravagância visual com direito a explosões, prédios sendo destruídos e belas paisagens de tela verde. Na hora em que a grande batalha chega, os ânimos já estão altos e ela não decepciona. Para quem gosta de ação, é um prato cheio. Para quem gosta de ação com monstros gigantes, é um banquete. Só que a introdução do mechagodzilla é um erro. O personagem poderia ser melhor apresentado como vilão em outro filme. Seus dez minutos de tela até tem justificativa, mas o robô imortalizado na mente das crianças dos anos 1970 é muito mal aproveitado. 

Godzilla vs Kong entrega o que promete: porrada. Como um bom cavalo de Tróia, dá de presente adolescentes viciados em podcasts. O resultado é mediano. Quem estava ansioso para a tão aguardada briga dos dois icônicos monstros, vai sair satisfeito. Quem queria algo a mais vai continuar querendo.