Music

Rick Wakeman – ao vivo

Ícone do rock progressivo traz a Curitiba sua turnê de despedida com o repertório montado para emocionar os seus fãs

Texto por Daniela Farah

Fotos: Abonico Smith

De todas as promessas de turnê derradeira de um artista, a Final Solo Tour de Rick Wakeman é, com certeza, uma das únicas com as qualificações para cumpri-las. O show, que passou por Curitiba no dia 15 de abril, na Ópera de Arame, é uma homenagem muito sensível e delicada para os fãs. E é tão bonito quando essa relação entre artista e fã atinge esse nível de respeito.

O conforto que a vida digital proporciona pode se tornar um impedimento para que os fãs saiam de casa e encontrem o artista tête-à-tête. E ainda assim, Rick conseguiu praticamente encher a casa em plena segunda-feira chuvosa na cidade. Aliás, essa foi a parte fácil, o difícil mesmo foi fazer as pessoas irem embora depois das luzes se acenderem.

De outro ponto de vista, há muitas turnês finais que se tornam extremamente lucrativas e é visível os olhos dos artistas brilharem em dólar enquanto fazem estripulias no palco. Mas não para Wakeman. O gênio compositor dos teclados montou um concerto belíssimo, para quem é fã ver. Ele repassou grande parte de suas obras e deu o melhor de si no palco, ainda que visivelmente debilitado pela idade.

Uma das frases mais impactantes ditas pelo músico foi a que ele dividiu o palco com diversas pessoas, incluindo orquestras e coros, mas que dessa vez estaria sozinho. E ele fez isso em um palco limpo, sem qualquer uma das grandes afetações que ele tanto gostava quando era mais novo.

Rick é um conversador nato e entre as poucas coisas que conhece sobre o Brasil estão os craquesde futebol Pelé e Rivelino. E no palco da Ópera de Arame ele se dividiu entre um piano e dois sintetizadores, enquanto compartilhava algumas poucas histórias. As primeiras foram o fato de que Henrique VIII teve seis esposas mas ele, apenas quatro. Uma brincadeirinha leve para anunciar que tocaria “Catherine Howard”, de seu álbum solo The Six Wives Of Henry VIII, lançado em 1973.

“Eu toquei em muitos discos, para muitas pessoas. Alguns eram muito bons, outros eram terríveis, provavelmente por causa de mim. Tem uma pessoa que eu adorei tocar, que foi o David Bowie. Aqui vão duas peças que eu gravei com ele: uma é ‘Space Oddity’ e a outra é ‘Life on Mars?’”, disse Wakeman, já na metade do repertório.

As marcas autobiográficas do show vão desde as histórias ao set list, que é constituído basicamente por um resumo de sua obra. Assim, ele incluiu sua carreira como pianista de estúdio, aqui foi representada pelos trabalhos com o Bowie, mas ele também tem em sua lista de preferidos nomes como Elton John, Lou Reed, Cat Stevens, entre outros. Na sequência da dobradinha de Bowie veio o álbum de 1975, The Myths And Legends Of King Arthur And The Knights Of The Round Table, representado pelo medley de “Arthur”, “Guinevere”, “The Last Battle”, “Merlin The Magician”.

E quanto ao Yes? Seria uma tarefa um tanto árdua escolher uma ou outra música entre suas idas e vindas com uma das bandas mais famosas do rock progressivo. Wakeman não escolheu, portanto. Eis que faltava um traço de seu grandiosismo no show e isso foi representado justamente na hora do Yes.

“Desta vez eu queria fazer algo diferente”, declarou ao microfonou no momento reservado ao grupo britânico. “Em vez de tocar uma peça do Yes, vai ser cerca de 30. E o que fiz foi pegar os temas e melodias e colocá-los em uma longa peça musical, chamado “Yessonata’. É longo, leva cerca de quatro horas… (risos) Então veja quantas peças do Yes você consegue identificar”. E os fãs responderam cantando, aplaudindo ou gritando ou mesmo fechando os olhos e jogando a cabeça para trás para entrar em delírio cada vez que reconheciam uma melodia.

Para finalizar, ele fez sua própria versão de “Help!” e “Eleanor Rigby”:“eu faço um pouco diferente do que eles (John Lennon e Paul McCartney) fizeram.”, disse um divertido e até atrevido Rick. “Eleanor Rigby”, então, veio como um mamute de peso absurdo.

O concerto poderia muito ter acabado aqui e o público já estaria em êxtase. O pianista até agradeceu e saiu do palco. Mas como encerrar a última turnê sem tocar Journey To The Centre Of The Earth? O álbum de 1974 foi um marco tanto em sua carreira, quanto na história da música – que, aliás, muitas vezes se confundem.

Mas Rick Wakeman fez esse show para os fãs, e essa é sua última turnê. Portanto, ele voltou ao palco, ovacionado, claro! “Em 1974, quando eu era bem pequeno… (risos) eu escrevi uma peça que se chama Journey To The Centre Of The Earth. Eu gravei com uma grande orquestra, um grande coro, uma grande banda. Mas eu a escrevi no piano e assim é como eu criei”, disse se sentando-se ao instrumento de cauda.

Rick agradeceu, foi novamente ovacionado e, enfim, retirou-se do palco. Já o público demorou mais um tempo e se dividiu entre os que precisaram absorver o processo do que acabara de acontecer e entre os que formaram uma longa fila pedindo para que alguém da produção carregasse um disco ou um pôster para o músico autografar ou mesmo aguardando no portão que levaria à entrada para o camarim. 

Set list: “Jane Syemour”, “Catherine Howard”, “Space Oddity/Life On Mars?”, “Arthur/Guinevere/The Last Battle/Merlin The Magician”. “Yessonata” e “Help!/Eleanor Rigby”. Bis: “The Journey/Recollection”.

Drama

Traidor

Gerald Thomas e Marco Nanini voltam a trabalhar juntos em espetáculo com jorro intenso de lembranças da vida de um velho e solitário ator

Texto por Abonico Smith (com colaboração de Daniela Farah)

Foto: Annelize Tozetto/Festival de Curitiba/Divulgação

Dentre todas as palavras que cumprem a função de sinônimo para o título deste espetáculo, a que melhor se encaixa é “enganador”. Afinal, não pode haver descrição para o velho ator, que, solitariamente, vê-se envolto em uma névoa mental onde fluxo ininterrupto de pensamentos, vozes, luzes e reflexões passam toda a sua vida a limpo, pessoal e profissionalmente falando. Enquanto tudo isso ocorre, o protagonista também percorre o caminho do engano. A si próprio e também à plateia que está lá diante dele, por conta da mágica da quarta parede quebrada.

Dezoito anos depois, Marco Nanini e Gerald Thomas voltam a trabalhar conjuntamente em uma produção, que ocupou os dias de 29 e 30 de março do Teatro Guaíra e da grade da mostra principal do anual Festival de Curitiba. Ator e dramaturgo, na duração de apenas sessenta minutos, provocam um jorro de considerações a respeito de passado, presente e futuro do personagem, “perdido em uma ilha” de ideias e considerações a respeito de muita coisa. Tal qual a torrente apresentada em um feed de rede social. Seja o Facebook, seja o Instagram, seja o X, seja o TikTok, seja o Kwai. O suporte é o que menos importa, mas sim o bombardeio ininterrupto capaz de provocar vertigem. Ou medo. Ou gozo.

Por falar em gozo, Gerald Thomas permanece sem resistir à tentação de provocar a  plateia, colocando atores renomados pronunciando palavras que fazem uma pretensa elite cultural se retorcer por dentro. Sim, os tais termos de baixo calão e com beliscadas na tangente do sexual. No primeiro Festival de Teatro de Curitiba, lá no já longínquo ano de 1992, barbarizou a plateia “republicana” em The Flash and Crash Days, na qual Fernandona (Montenegro) e Fernandinha (Torres) fizeram metade da plateia sair indignada da Ópera de Arame. Três décadas depois, com bem menos incautos na audiência mas ainda assim com um punhado de gente “de bem” que ainda tem a capacidade de se ofender e se chocar com isso, ele coloca Nanini dizer uma, duas, três vezes “cu” do palco do Teatro Guaíra. E não apenas isso. O mesmo ator (“enganador”) que  ficou no imaginário de milhões de brasileiros na pele do recatado, tímido, discreto e certinho pai de família Lineu, um dos personagens de destaque na série de TV A Grande Família, segura uma linguiça gigante durante uma memória de comercial e passa a disparar considerações sobre como é gostoso sentir a tal linguiça quente entrando (no forno?). É o enfant terrible confrontando de frente e com humor bastante afiado os traidores da pátria e os defensores da moral e dos bons costumes da família verde e amarela.

Também não dá para imaginar Gerald Thomas dirigindo e criando uma narrativa fechadinha, convencional, com começo, meio e fim. O jorro de pensamentos que aflige Nanini (o personagem, batizado com o sobrenome do ator) vem com significados bem abertos, tabelando com o cenário que flerta com o steampunk, o nonsense e o hiperrealismo e o diálogo com uma voz feminina pré-gravada que o alerta de algumas situações. Tudo dura exatamente uma horinha só. Pode até parecer pouco perto da média de duração dos espetáculos teatrais em geral. Mas a intensidade é tamanha que quem se joga e curte a viagem de Nanini de cabo a rabo (ops!) sai recompensado. E nem precisa procurar muito sentido em tudo.

Aliás, quando o assunto é Gerald Thomas, como se brincava na estampa daquela velha camiseta, tudo o que você menos precisa é entender um espetáculo seu. A maioria de quem se propõe a fazer isso, por sinal, levanta a bunda (ops!) da cadeira e sai mais cedo do recinto.

***

Três perguntas para Marco Nanini

Com Traidor, Você e Gerald estão retomando uma parceria depois de quase vinte anos. Como foi o processo de criação deste espetáculo?

Nossa relação sempre vai sendo feita aos poucos. Aqui foi se modificando conforme eu também ia sugerindo a ele algumas coisas, intercalando textos irreverentes com outros mais contemplativos. É uma peça cotidiana, sem aquela coisa de coisa, meio e fim, Então o personagem alterna ideias, alucinações. Tudo acontece muito rápido. Gerald é muito bom parceiro mas durante os ensaios, em um estúdio que temos na zona portuária do Rio de Janeiro, o Fernando [Libonati, meu diretor de produção, com quem estou há muitos anos] deu muita opinião por causa do traquejo que ele também tem. É tanta coisa que é dita no palco que eu acabo saindo esgotado mentalmente de cada espetáculo. Nanini é um personagem bastante complicado, custei a encontrar um sentido geral para ele., que fica na solidão, revivendo personagens, como se estivesse perdido em uma ilha. Meio que como o Próspero, de A Tempestade de Shakespeare.

Há um momento durante o espetáculo em que você faz referência a uma velha cafeteira que faz parte do cenário da peça mas não é usada para nada. Para aumentar o nonsense você nunca pensou ou sugeriu trocar a tal cafeteira por uma jarra de plástico em formato de abacaxi tal qual aquela que ficou famosa na mesa da família do Lineu n’A Grande Família?

Graças a Deus, não! Quero continuar me livrando do peso do Lineu. Quando digo peso, claro que isso é algo que existe de melhor para qualquer ator. O reconhecimento, afinal, do trabalho. Mas também ao longo do tempo sempre me pautei pela diversidade na carreira. Sempre foi algo pensado, sabia que não queria ser só ator de chanchada no início. Eu vou fazendo coisas diferentes conforme elas vão aparecendo. Outra coisa que também me afasta bastante do Lineu na peça é a maquiagem do personagem, inspirada numa mistura do maestro russo Shostakovich com o pássaro pardal. Isso me ajuda a pensar ainda mais que não sou eu que estou ali.

Recentemente você teve uma biografia sua lançada, assinada pela jornalista Mariana Filgueiras. O que achou desta experiência?

Rememorar minha vida foi um processo muito agradável. Já fiz tanto e ainda tenho aquela vontade de fazer mais. Gostei muito do jeito que ela escreveu o livro. Mariana é muito cuidadosa e competente. Eu não a conhecia, foi meu editor que sugeriu o nome dela.

Music

Men At Work

Oito motivos para não perder o show do grupo que ajudou a colocar o rock australiano no mapa-múndi durante o início dos anos 1980


Texto por Janaina Monteiro

Foto: Divulgação

O que a Austrália tem? Canguru, bumerangue, didgeridoo, kiwi, coala, Crocodilo Dundee e… Men At Work. Sim! A banda que aterrissa novamente no Brasil neste mês de fevereiro é como se fosse uma entidade no país “continental”. Tal qual outras bandas que nasceram em terreno australiano como INXS, Midnight Oil, Bee Gees, Crowded House, Nick Cave & The Bad Seeds, Hoodoo Gurus… E o AC/DC, claro!

Com influências de reggae e sobretudo do pós-punk, o MAW atraiu a atenção do mundo e se tornou um verdadeiro fenômeno na primeira metade dos anos 1980, tendo alcançado mais de 30 milhões de discos vendidos e levado o Grammy de melhor artista novo de 1983. Entre os hits que marcam a história da banda estão “Down Under”, “Overkill”, “Who Can It Be Now?” e “Its a Mistake”. Seus clipes criativos, irreverentes e bem-humorados, fizeram muito sucesso nos anos iniciais da MTV americana.

Apesar de alcançar grande fama mundial, o MAW se separou em 1985. Colin Hay, que era o vocalista e também compositor, guitarrista e baixista, decidiu seguir carreira solo. Em 1996, a banda, como uma dupla, voltou à ativa (sem lançar material inédito), até se separar de novo seis anos depois. Greg Ham (teclados e sopros) morreu em 2012, após perder uma disputa judicial por conta de plágio. Ele fora acusado de ter se apropriado de uma canção folclórica australiana para criar o riff de “Down Under”. Portanto, da formação original sobrou apenas Hay, dono de um timbre inigualável e que agora chega em uma pequena turnê brasileira (Rio de Janeiro, Curitiba, São Paulo) com uma banda de apoio herdada de sua carreira solo – mais informações sobre datas, locais e ingressos você encontra clicando aqui.

Para quem pretende fazer essa viagem ao suprassumo do rock radiofônico daquele começo dos anos 1980, o Mondo Bacana lista oito motivos para não perder o show desses homens (e também duas mulheres) que estão a serviço da boa música pop.                               

Cria dos musicais da TV

Já parou para pensar em quantas bandas você costuma escutar e que vieram daAustrália? Pois é, esse país formado sobre uma gigantesca ilha na Oceania tem uma grande tradição pop, muito por conta de programas televisivos populares no estilo do Top Of The Pops, que faziam sucesso local entre os anos 1970 e 1980. Os adolescentes australianos que viveram essa época curtiam, sobretudo, as bandas britânicas – muitas delas, inclusive, chegavam a gravar vídeos exclusivos para se apresentar nesses programas. Colin Hay e Greg Ham, os cabeças do Men At Work, eram dois destes “discípulos” criados pela TV.

Pós-punk australiano 

O MAW faz parte de uma geração de bandas australianas que surgiram bebendo da fonte do punk e pós-punk norte-americano e britânico daquele finalzinho dos anos 1970. Contudo, deram uma pitada de criatividade aussie, experimentando novos sons à influência “estrangeira”. Muitas bandas da época, como Choirboys, Midnight Oil, Divinyls, Spy Vs Spy e Hoodoo Gurus foram influenciadas por grupos como Cure, Blondie, Television, Talking Heads e Joy Division. O que explica terem produzido discos de alta qualidade no decorrer dos 1980s.

Sucesso no Brasil

O MAW começou a fazer sucesso por aqui no início dos anos 1980, muito por conta dos programas esportivos da TV. E é por causa disso que o som desses grupos australianos foi classificado pelas bandas de cá como surf music. Nessa época, a TV aberta tinha uma tradição de exibir programas de esportes radicais. E, para cobrir as imagens dos surfistas e skatistas, os editores incluíam músicas de artistas australianos que estavam no topo das paradas. Só que o MAW fez tanto sucesso, mas tanto sucesso, que ainda segue aparecendo diariamente na programação de rádios de classic rock de várias capitais brasileiras

Empurrãozinho da Fluminense FM

Por falar em rádios nacionais, o Men at Work estourou no Brasil justamente por causa da Fluminense FM, que foi a grande responsável por impulsionar a carreira de nomes que desenharam o cenário rock dos anos 80 (Blitz, Kid Abelha, Paralamas do Sucesso, Lulu Santos, Ultraje a Rigor). A emissora carioca gostava de arriscar e adotava aqueles artistas que eram uma espécie de prediletos da casa. Por isso, no dial, os ouvintes jovens podiam curtir “novidades” como Police, Dire Straits e MAW, por exemplo.  

“Down Under”

Do seu álbum de estreia (Business as Usual, lançado em 1981 na Austrália), o MAW emplacou nas paradas os singles “Who Can It Be Now?” e “Be Good Johnny”. Mas foi “Down Under” que colocou os aussies de vez na boca da galera. O disco é considerado um dos mais bem-sucedidos do rock de lá, tendo vendido mais de 6 milhões de cópias apenas nos Estados Unidos, onde ficou por 15 semanas no topo da Billboard. A expressão down under é um apelido carinhoso dado à Austrália e se tornou uma espécie de hino extraoficial do país, ao refletir o estilo de vida dos jovens locais. Só que, além do sucesso, A canção trouxe uma dor de cabeça enorme, especialmente para Greg Ham, que chegou a ser processado por ter supostamente plagiado o riff de saxofone. O caso afetou demais a banda e o próprio Ham. Ele acabou perdendo o caso na justiça, passou a ter crises severas de depressão e ansiedade e morreu logo em seguida, vítima de um infarto.  

Sensação no US Festival

Tendo como um dos produtores o próprio Stevie Wozniak, cofundador da Apple, o US Festival, organizado em setembro de 1982 em San Bernardino (Califórnia, EUA), trouxe o Men at Work como uma das atrações principais, que proporcionaram um desfile de sensações do “novo rock”da época (Clash, B-52s, Gang Of Four, Talking Heads, Police, Cars, Oingo Boingo, Ramones). A apresentação de Colin Hay (guitarra e vocais), Ron Strykert (baixo), Jerry Speiser (bateria), Greg Ham (flauta, saxofone e teclados) e John Rees (baixo e violão) foi um marco para a banda e é relembrada na série documental This is Pop, da Netflix. O US Festival trouxe o crème de la crème das bandas de new wave que estavam estouradas nas rádios americanas naquela época. O evento abriu caminho para outros festivais ao redor do mundo. Entre eles, o nosso Rock in Rio, cuja primeira edição seria realizada em janeiro de 1985. 

Estreia brasileira no Rock in Rio

Único sobrevivente da banda, Colin Hay tocou pela primeira vez no Brasil na segunda edição do Rock in Rio. Ele estava em carreira solo e, logo no primeiro dia do festival, enfrentou uma multidão de fãs no Maracanã, que também assistiram naquele 18 de janeiro de 1991 a artistas como Jimmy Cliff, Joe Cocker e o headliner Prince. Para muitos, esta foi a melhor escalação de todos os tempos do RiR. Além de Prince, vieram muitos artistas internacionais que faziam enorme sucesso na época, tanto nas rádios como na recém-inaugurada versão tupiniquim da MTV. Entre estes nomes estavam INXS, A-ha, Faith No More, George Michael, Deee-Lite, Run DMC, Billy Idol, New Kids On The Block, Happy Mondays, Information Society… e o Guns´n Roses, com Axl e Slash debutando em terras brasileiras.  Ê tempo bom de nomes chamados para esse festival

Retomada pós-pandemia

Desde que parou com o Men At Work, Hay seguiu solo e até chegou a integrar por um tempo a All Starr Band, de Ringo Starr. Até que, em 2019, às vésperas da pandemia, decidiu retomar o repertório clássico do MAW com um time de músicos de acompanhamento de palcos e estúdios de Los Angeles, bem ao esquema do que fazem muitas outras bandas famosas por aí. Agora, entre 17 e 21 de fevereiro, eles aterrissam em São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba trazendo a nostalgia daquela veia pop dos anos 1980 de um aussie rock cheio de criatividade e irreverência.

Books, Music

Britney Spears

Um dos livros mais esperados dos últimos anos, a recém-lançada autobiografia apresenta a todo mundo as várias faces da popstar

Britney em foto recente publicada em suas redes sociais

Texto por Lilian Santos

Fotos: Reprodução

O público parece acreditar que sabe tudo sobre a cantora americana, que dominou as paradas no final dos anos 1990 e início dos 2000. Afinal Britney sempre foi presença frequente nos tabloides e revistas de fofoca. Mas com o livro A Mulher em Mim (lançado no Brasil pela Buzz Editora), Britney toma posse de vez da sua narrativa. Autobiografias são difíceis de entender: afinal, não dá pra saber até onde existe verdade e o que é ficção. Este livro não foge à regra, mas a descida ao universo Britney é, sem dúvida, interessante.

Como todo mundo, ela é complicada, cheia de virtudes e defeitos. A menina interiorana, a filha obediente, a girl next door, a namoradinha da América, a mulher e mãe, a superestrela: são as muitas faces de Britney. A popstar é fácil de se entender. Simples como as letras de suas músicas, uma melodia fácil com um refrão pegajoso. A pessoa por trás dos holofotes, entretanto, é muito mais interessante. A mulher Britney Jean Spears é um indivíduo complexo. Um lado seu está em constate busca por atenção, ao mesmo tempo em que a garotinha se esconde no armário, fugindo do pai alcoólatra e abusivo e do julgamento materno.

Em A Mulher em Mim, Spears não se esquiva dos assuntos polêmicos que permeiam sua vida. O relacionamento com Justin Timberlake, o aborto provocado quando se descobriu gravida do cantor. O casamento-relâmpago com Jason Allen Alexander e a união com Kevin Federline, pai de seus dois filhos. Ela não se esquiva dos detalhes e é fácil ter empatia com o breakdown sofrido em 2007, quando raspou o cabelo e atacou fotógrafos com um guarda-chuva. Britney descreve o evento como resultado da pressão psicológica sofrida pela constante perseguição da imprensa e aos efeitos da depressão pós parto.

Britney se apresentando no VMA em 2001 com uma cobra píton

Segundo a cantora, tanto a adolescente quanto a mulher Britney tiveram sua história mal interpretada e são vítimas do patriarcado. Desde a narrativa do rompimento com Timberlake, quando ele a acusou de traição em várias de suas músicas, ao relacionamento com K-Fed, no qual ele a acusou de ser uma mãe inapta, passando pelo próprio pai, Jamie Spears, e a bizarra tutela que extirpou Britney do controle de sua própria vida. Todo mundo pegou carona no sucesso dela e cuspiu os restos aos paparazzi.

Segundo ela mesma descreve, os homens podem tudo: trair, fumar maconha em quantidades absurdas. Só que a mulher, a mãe, a pessoa mais famosa do planeta, é tachada de piranha, bêbada, viciada. Double standards existem para celebridades também. E não apenas aos olhos do mundo inteiro, mas especialmente no convívio íntimo, entre familiares e amigos.

Enquanto conta seus problemas causados pelo vicio em adderal, Britney nos deixa entrar no horror do circo sua interdição. O pai e os advogados dela entraram com o processo para interditar a cantora. A galinha dos ovos de ouro da família Spears passou a não ser nem mais a dona de seu nariz. Jamie e uma linha de advogados determinavam o que ela fazia, onde gastava seu dinheiro. Dinheiro, aliás, que ela continou a fazer, uma vez que não estava proibida de trabalhar e excursionar pelo mundo. Fuck the patriarchy!

A tutela durou treze anos e a artista, agora, vive o ostracismo da indústria. Desde 2016 não lança um novo material sequer e os filhos Sean Preston e Jayden James vivem com o pai. Quem sabe, então, esta biografia não vira o próximo passo para o esperado comeback da eterna princesa do pop? Depois da “liberdade”, isso é tudo o que a sua legião mundial de fãs deseja.

It’s Britney, bitch!

Movies, Music

Nosso Sonho – A História de Claudinho & Buchecha

Não há como não se emocionar com a trajetória de sofrimento e perseverança da dupla que levou o funk carioca a outro patamar

Texto por Abonico Smith (com colaboração de Luciano Vitor)

Foto: Manequim Filmes/Divulgação

Na segunda metade dos anos 1980, quando o hip hop se popularizou nos Estados Unidos para muito além dos guetos, seus versos também sofreram um processo de transformação. Passaram das crônicas do dia a dia de seus habitantes – que variavam entre a celebração das festas dos finais de semana ao vício em drogas – para críticas sociais bem mais pesadas em profundas, retratando preconceito racial e os frequentes confrontos violentos com a polícia pelas ruas dos bairros de periferia. Até que o gangsta rap tornou-se praticamente sinônimo desse gênero musical.  Entretanto, uma turma oriunda de Miami e região começou a fazer sucesso ao optar por outra vertente lírica: a temática sexual, muitas vezes de modo bem explícito.

Logo, o miami bass – o nome foi dado por conta dos graves pesados embalados por uma batida eletrônica minimalista extraída de uma Roland TR-808, a mesma utilizada por nomes clássicos do electro como Afrika Bambaataa e Mantronix  – foi o incorporado ao léxico sonoro dos bailes funk realizados nas favelas e morros do Rio de Janeiro por equipes de som como a Furacão 2000 (que também investia em programas de TV). A malícia e a malemolência do jeito carioca de ser encontraram identificação imediata e então o funk caiu no gosto do carioca, a ponto de se tornar uma nova vertente musical acoplando o gentílico ao batismo.

Com o Plano Real e a troca definitiva do formato usado pelo mercado fonográfico (os compact discs substituindo os vinis nas lojas e se multiplicando feito chuchu na serra nos ambulantes com produtos piratas), o funk carioca logo cruzou fronteiras tanto estaduais quanto socioeconômicas, emplacou os primeiros hits nas rádios de todo o país e fabricou seus primeiros ídolos, como Abdullah, Mr Catra e Cidinho & Doca (“Rap das Favelas”). Aos poucos, por causa de linhas melódicas mais adocicadas e letras de cunho romântico, uma turma instaurou o segmento do funk melody. Assim se consagraram MC Marcinho (“Glamurosa”, “Garota Nota 100”) e Claudinho & Buchecha (“Quero Te Encontrar”, “Só Love”). Esta última dupla chegou a ultrapassar a marca do disco triplo de platina (750 mil cópias) com os dois primeiros álbuns e duplo de platina (500 mil) com o seguinte. Tudo isso num espaço de apenas três temporadas, entre os anos de 1996 e 1998. O quarto trabalho, registrado ao vivo e com repertório que pegava o melhor já feito até então, foi lançado no comecinho de 1999 e ganhou o disco de ouro (100 mil).

Onipresentes em quase todos os programas musicais da TV (inclusive os mais famosos, como os de Faustão, Xuxa, Gugu, Hebe e Eliana), os dois amigos do complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, voltariam a experimentar o gostinho de mais um hit nacional, “Fico Assim Sem Você”, composta pelo funkeiro pioneiro Abdullah. A letra citava duplas e dobradinhas impensáveis se rompidas (futebol sem bola, Piu-Piu sem Frajola, circo sem palhaço, beijo sem amasso, Romeu sem Julieta, queijo sem goiabada) para falar sobre solidão e incompletude. Contudo, como uma espécie de premonição (tão involuntária quanto sorrateiramente certeza), havia aqui também um verso como “Buchecha sem Claudinho”. A faixa foi incluída no sexto álbum Vamos Dançar, lançado no primeiro dia de abril e 2002. Pouco mais de três meses depois, ao retornar de uma apresentação na cidade paulista de Lorena, situada no Vale do Paraíba, próxima do sul do estado do Rio de Janeiro, veio a tragédia: o carro de propriedade de Claudinho saiu da estrada naquela madrugada chuvosa de 13 de julho e chocou-se violentamente contra uma árvore. O cantor, que dormia no banco do carona, morreu na hora com o impacto do acidente. A van em que estavam Buchecha e o resto da equipe dos artistas, viajava logo atrás. Encerrava-se desta maneira a trajetória de glória, fama e conquistas de uma das duplas mais queridas da música brasileira dos anos 1990.

Nosso Sonho – A História de Claudinho & Buchecha (Brasil, 2023 – Manequim Filmes) chega nesta semana aos cinemas justamente para contar esta trajetória. Da sólida amizade de infância ao instante fatal, passando pelo sonho adolescente de vencer na vida (fosse como artistas ou, no caso de Buchecha, trabalhando com carteira assinada como office boy) e superar traumas pessoais ligados a problemas de violência familiar e a tênue proximidade com o crime. De um lado o garoto expansivo e descontraído, que se joga nas atividades e inventa soluções criativas para fazer as coisas darem certo (como na já famosa cena do orelhão público servindo como telefone da “firma de agenciamento artístico”). Do outro, um guri mais tímido e racional, mas não menos talentoso e habilidoso com as palavras (a ponto de procurar e achar no dicionário termos nada usuais como abjudicar, só para usar em suas letras). Assim, a vida de Claudio Rodrigues de Mattos e Claucirlei Jovêncio de Sousa é contada em quase duas horas de maneira leve, descontraída e tão certeira quanto as canções gravadas por eles.

A química entre os dois protagonistas é tão impressionantes quanto a dos biografados. Poucas vezes, inclusive, foi visto no cinema nacional uma interpretação tão visceral quanto a de Lucas Penteado na pele de Claudinho. O jeito despachado e de eterno moleque, a língua presa, o sonhar que se permite voar alto e ir atrás para cavar as oportunidades e consegui-las. Mesmo não sendo o foco maior na narrativa, acaba por hipnotizar qualquer espectador. Já o contido Buchecha de Juan Paiva também cativa e conquista um lugar especial para quem assiste ao filme. Dividido entre o temor pela instabilidade da vida de artista e o grande respeito às responsabilidades e obrigações carregados junto com o status social de sua profissão (inclusive na hora de compor versos de pura genialidade como “controlo o calendário sem utilizar as mãos”), o jovem também narra várias cenas e tem sua vida pessoal mais esmiuçada no roteiro. Suas dificuldades são transpassadas na tela diretamente ao coração de todos nós, principalmente na turbulenta relação com o pai, que junta na mesma equação amor, perdão, abusos e sofrimento. Curiosidade: os dois atores trabalharam juntos em Viva a Diferença, a mesma (cultuada e bem-sucedida) temporada de Malhação que revelou a forte união em cena das cinco atrizes que depois viriam a fazer a série As 5ive.

O time de coadjuvantes também brilha. Tal como Lucas, Nando Cunha cresce nas cenas intensas em que faz o Buchechão, muitas delas também envolvendo a paixão pela música. Antonio Pitanga (Seu Américo, o dono do bar frequentado pelo pai de Claucirlei); Tatiana Tiburcio (a mãe, Dona Etelma, que sempre quer imprimir ao adolescente Buchecha uma vida correta e digna); Lellê e Clara Moneke (as namoradas/esposas dos astros, em pequenas grandes pontas); Marcio Vito e Isabela Garcia (Seu Toco e Dona Judite, respetivamente o patrão e a chefe do jovem office boy) abrilhantam o elenco com atuações fidedignas. Se o roteiro não sai muito do trivial, o diretor Eduardo Albergaria aproveita diálogos, interpretações e pequenos trechos musicais (cantados pelos próprios Lucas e Juan, diga-se) para fazer seu filme voar junto com a dupla de funk melody.

Acompanhar todo o corre vivido por Claudinho & Buchecha faz a gente traçar paralelos com a perseverança, a luta, o sonho e o sofrimento de outros artistas que vieram do underground da música brasileira, lendas como Cartola e Lupicínio Rodrigues ou gente contemporânea como Negro Leo e Lê Almeida. O longa sobre a inocência e a descoberta de um novo mundo para quem veio de uma das muitas comunidades regionais sem a assistência do poder público é um dos mais belos e emocionantes enredos cinematográficos nacionais deste ano.