Oito motivos para você não perder a nova vinda ao Brasil do quarteto que em meados dos anos 1980 expandiu os limites sonoros do pós-punk gótico

Texto por Abonico Smith
Foto: Divulgação
O nome da turnê, Déjà Vu, é irônico. Afinal, esta expressão originária na língua francesa, significa a sensação subjetiva de já ter visto ou vivido algo que, apesar de tudo, é a primeira vez que ocorre. De qualquer modo, para muita gente que estará presente ao concerto, será mesmo a primeira vez. Afinal, não são apenas oito anos que separam esta vinda ao Brasil da última. O Mission também é aquela banda que muita gente acha que conhece mas não conhece de fato. Quem já é iniciado nos principais hits do quarteto não conhece direito o resto do trabalho espalhado pelos álbuns da carreira. E muita gente que tem uma certa tendência para o rock britânico de raízes góticas apresentado ao mundo pelo pós-punk oitentista com certeza conhece mais outros conterrâneos e contemporâneos do que o próprio grupo fundado em 1986 pelo vocalista, guitarrista e compisotr Wayne Hussey, quando este decidu abandonar o Sisters Of Mercy e levou consigo para a nova empreitada o amigo e baixista Craig Adams.
Agora é grande chance de ver o Mission novamente em ação pelos palcos brasileiros. São seis datas marcadas em nosso país na perna latino-americana da Déjà Vu Tour. A primeira, em São Paulo, no Carioca Club, em 22 de outubro próximo, já está com as entradas esgotadas. Depois, na rota de escalas, vêm Rio de Janeiro (Sacadura 154, dia 23), Curitiba (Ópera de Arame, 26), Porto Alegre (Oculto, 27), Goiânia (Bolshoi Pub, 29) e, por fim, de novo em São Paulo (Carioca Club, agora em um show privado, sem disponibilidade para o público). Mais informações sobre ingressos, horários e outras especificações sobre cada o concerto de cidade você pode ter aqui).
O bom é que o Mission, após idas e vindas, chega com a formação original quase completa. Além de Wayne e Craig, quem também sobe ao palco é o guitarrista Simon Hinkler. O trio, já sessentão, conta com um reforço de peso e juventude: o baterista Mike Kelly, de apenas 31 anos (metade da idade dos outros!). E o quarto também não toca sozinho nessas noites. Quem fará dobradinha com ele será o Gene Loves Jezebel, outra banda britânica que fez bastante sucesso naqueles meados dos anos 1980 e que, de uma maneira ou outra, continua até hoje na ativa após breve período de separação). Dos dois fundadores, os irmãos gêmeos Jay e Michael Aston, até hoje, inclusive judicialmente, disputam a paternidade da criança e o direito por usar o nome do grupo.
O Mondo Bacana preparou oito motivos pelos quais você não pode perder a vinda ao país desta nova encarnação do Mission, que já lançou onze álbuns de carreira, fora vários títulos ao vivo e coletâneas de singles, regravações, hits e raridades. Caso você ainda não saiba, aqui vai uma curiosidade: Wayne Hussey é casado com uma brasileira (a atriz, cantora e artista visual Cynh Hussey) e há muitos anos mora no Brasil, inclusive já tendo feito várias apresentações sozinho no palco, rodando o país.
Nada tão escuro assim
Com o esgotamento rápido da verborragia do punk lá no biênio 1978/1979, veio uma nova turma de bandas interessada em manter a energia sonora mas adicionando novas propostas estéticas, como temas e conceitos de várias correntes da arte vanguardista da primeira metade do século 20. Uma delas foi o gótico, que abrigava na literatura os elementos de medo e barbárie das artes plásticas para enfrentar os temores e desafios da população europeia ao enfrentar as mudanças tecnológicas que vieram a partir do final do século anterior para assombrar a vida cotidiana de então e os medos a respeito do futuro. Então, no pós-punk britânico vieram bandas como Joy Division, Cure, Siouxsie & The Banshees e Bauhaus para pintar de preto as cores da new wave que abria as portas do mercado fonográfico para selos e artistas vindos do mercado independente, do do it yourself. Passados alguns anos, porém, veio uma nova safra de bandas para adicionar novos elementos às nuances sombrias, como umas pinceladas ensolaradas do psicodelismo (guitarras dedilhadas; pedais com efeitos como ecos, feedback e reverb), cabelos compridos e muitos (mas muitos mesmo!) anéis, brincos e pulseiras. Seria algo como se o hippie tomasse conta do dark e vislumbrasse. Então, aos poucos, já para meados da década de 1980, ao que era muito escuro foram sendo adicionadas novas cores por meio de bandas como Cult, All About Eve, Echo & The Bunnymen e Mission. O que era mais underground passou ficar mais conhecido sobre a superfície.
Belas harmonias
No caso do Mission, muito contribuiu para sua popularidade quase instantânea o belo trabalho de criação harmônica de Wayne Hussey, por meio de entrelaçamento de um punhado de acordes que não cabiam no repertório de sua banda anterior, o Sisters Of Mercy. Aliás, Wayne deixou a banda liderada por Andrew Eldritch de modo conturbado, fato que iniciou uma grande rixa entre eles, que envolveu inclusive o uso de nomes e projetos por parte de ambas as bandas. Aliás, um dos fortes do Mission são justamente as melodias fortes e cativantes desde a primeira audição. Por isso a banda acumulou um punhado de sucessos espalhados por seus primeiros álbuns. Aliás, desde o primeiro álbum, God’s Own Medicine, que Hussey explora bastante a sonoridade das guitarras, muitas vezes utilizando uma de doze cordas para dar aquela encorpada nas harmonias. Ouça “Stay With Me” como exemplo.
Letras românticas
O romantismo foi uma corrente que teve seu auge nas artes (sobretudo a literatura) no começo do século 19. Uma das suas subdivisões era o romantismo ultrassentimental, que apresentava tonalidades fortemente depressiva, muitas vezes utilizando a morte ou a loucura como uma possibilidade de fuga da realidade e da razão. Na verdade, a ruptura do equilíbrio da vida anterior, com triunfo da intuição e da fantasia, é um elemento que reforça o contraste entre o real e o idealizado. Exprime-se a insatisfação com o mundo por meio de inquietude, tristeza, inconformismo (social, inclusive), intimismo e egocentrismo. As letras do Mission são sobrecarregadas de tintas do romantismo, assim como as de outras bandas com raízes no pós-punk gótico (Cure, Banshees, Echo, Cult). Sonhos, devaneios, paixões, desejos e ardências pinceladas em versos repletos de frases abstratas e significados abertos a várias interpretações. “Severina” é um dos belos exemplos ultrarromânticos do Mission.
Led Zeppelin
A imprensa britânica nunca perdoou muito o Mission em suas resenhas, sempre usando palavras duras e ríspidas para menosprezar seus discos. Quando o segundo álbum foi lançado, então, choveram críticas dizendo que o quarteto não passava de uma cópia fac simile de Led Zeppelin. Pudera. Quem produziu Children foi John Paul Jones, que ajudou Hussey e seus asseclas a explorar novidades, inclusive flertando com alguns elementos da ex-banda do baixista e produtor do disco. Alguns arranjos ficaram bem mais longos do que o usual. “Beyond The Pale”, a abertura de quase oito minutos, conta com uma cítara lá pela sua metade. “Tower Of Strength”, o single de maior sucesso, é baseado numa percussão mais tribal e traz cordas na parte do crescendo do arranjo que superava os oito minutos. São faixas que alargaram a amplitude sonora da banda, que foi mantida nos dois próximos trabalhos. Antes disso, porém, outra ligação com o zepelim: parte da turnê de divulgação de Children foi como o concerto de abertura para Robert Plant.
The Joshua Tree
Não foi só a experiência com Plant: nos anos inicias o Mission também abriu os shows de Cult, Psychedelic Furs e o U2. E detalhe: pegou ainda o apogeu da banda durante os eighties, em duas datas da turnê britânica do disco The Joshua Tree, antes da banda estourar com os concorridos e cultuados megaconcertos norte-americanos flagrados no documentário Rattle and Hum. Foi uma convivência curta, bem verdade, mas o suficiente para que ecos da sonoridade da turma de Bono Vox aparecem em discos posteriores como Carved In Sand (1990) e Masque (1992). O principal hit do primeiro trabalho foi a balada “Butterfly On Wheel”, que em muito lembra “With Or Without You” em sua ambientação sonora (uma bateria eletrônica fazendo uma cama percussiva constante, guitarra desenhada com e-bow, voz sofrida e com alto teor emocional e aquela dinâmica mais explosiva no refrão para depois retornar a uma estrofe mais calma). Já “Never Again”, que abre o segundo, soa como o U2 dançante de Achtung Baby.
Like a Child Again
Masque, o quinto álbum da carreira (se for contado como o quarto Grains Of Sand, lançado meses depois de Carved In Sand, em 1990, com dois remixes, dois covers e mais oito faixas gravadas durante as mesmas sessões mas que haviam ficado de fora da seleção final – inclusive a bela “Hands Across The Ocean”, coproduzida por Andy Partridge, vocalista do XTC), chegou às lojas em 1992. Isto quer dizer que, enquanto estava sendo concebido em estúdio, o estrago mundial já havia sido feito pelo grunge. Bandas como Nirvana, Soundgarden e Pearl Jam mudaram o foco do rock alternativo para o misto de punk, metal e rock de arena produzido pelo circuito alternativo elaborado por Seattle, Olympia e arredores. Wayne, então, concebeu o novo trabalho como um disco solo, tirando o peso que havia no Mission até então e experimentando novas linguagens e cores mais fortes na estética visual de videoclipes, instrumentos e figurinos. Por fim, chamou de volta o baixista (Craig Adams) e o baterista (Mick Brown) e resolveu lançar tudo como Mission de novo, agora em trio (Simon Hinkley, o outro guitarrista, havia abandonado a banda durante a perna norte-americana da turnê anterior, por problemas pessoais). Hussey, então, deu ao mundo, mais uma grande pérola do Mission. “Like a Child Again”, com riff tocado no bandolim, muitos floreios de violino, batida tão dançante quanto marcial e aquele refrão irresistível (“You make me happy and I hope you feel the same/ You make me feel just like a child, a child again”).
Deliverance
Quer outro refrão matador do Mission? “Deliverance” traz isso e muito mais. Traz um arranjo poderoso, daqueles de levantar arenas e fazer todos os fãs se abraçarem e cantar em uníssono os versos com o punho cerrado para o alto (“Give me, give me, give me, deliverance/ Brother, sister, give me, give me/
Deliverance, deliver me”). Lançada em Carved In Sand, em 1990, a banda é o Mission em seu estado mais abençoado de união entre o punch do rock e a veia melódica pop. Ainda tem aquela repetiçãozinha básica no final para fazer todo mundo explodir em festa, alegria e adrenalina expelida a plenos pulmões. Por isso mesmo é reservada para encerrar os shows da banda (antes dela voltar para o tradicional bis, claro). Libertação total, como dizem letra e título da obra.
Tomorrow Never Knows
Sim, essa mesmo que você está pensando. Em 1966, quando os Beatles lançaram esta revolucionária canção que expandia toda e qualquer sonoridade já imaginada para o rock’n’roll criado em estúdio (com muitos efeitos e inclusive fitas magnéticas sendo tocadas ao contrário), o mundo ficou boquiaberto. Vinte anos depois o Misison fez uma leitura interessantíssima dela, a seu modo, e a colou como b-side de Severina. Em álbum, ela só apareceu em 2015, quando a Universal Music, detentora do catálogo da Mercury, a gravadora do quarteto inglês naquela época, resgatou os lados A e B dos compactos do quarteto e juntou tudo num disco duplo sob o nome de Singles A’s & B’s. Hussey, Adams e Hinkley, nesta turnê mais recente, resolveram botar a versão para jogo e volta e meia ela vem aparecendo no set list dos concertos (intercalada com “Like a Hurricane”, cover de Neil Young, também gravada e lançada pela banda no início da carreira). Portanto, ouvidos atentos porque nunca se sabe quando ela voltará a ser tocada e pode muito bem vir como brinde aos fãs brasileiros.