Filme italiano baseado em história de Jack London faz a grande atuação do protagonista Luca Martinelli superar a falta de coesão narrativa
Texto por Leonardo Andreiko
Foto: Pagu Pictures/Divulgação
Como de costume, os cinemas brasileiros trazem filmes aclamados em festivais com um grande atraso. Esse foi o caso de Martin Eden (Itália/França/Alemanha, 2019 – Pagu Pictures), que chegou aqui no início de março (antes de estourar o isolamento social por conta da pandemia do novo coronavírus), mesmo tendo estreado no Festival de Veneza, onde desbancou o Coringa de Joaquin Phoenix e angariou o prêmio de Melhor Ator a seu protagonista, Luca Marinelli.
Martin Eden é um longa-metragem italiano, dirigido por Pietro Marcello e baseado no romance homônimo de Jack London. O roteiro, de Marcello e Mauricio Brauzzi, adapta a história, que se passava na Inglaterra, ao panorama italiano do início do século 20. O arco de Martin não é, de forma alguma, ruim. O caminho do marinheiro rumo ao sucesso como escritor, às custas de seu amor e seu desejo de viver, tem tudo para render belíssimos momentos emocionantes, críticas sociais e, de forma geral, um belo filme. Contudo, esse potencial encontra uma barreira absolutamente constitutiva da estética e direção: a má construção das cenas, sua falta de coesão e, principalmente, seu fim antecipado.
As repetidas escolhas de cortar diálogos com “frases de efeito” (das quais a resposta é vital para o avanço da narrativa) e alternar entre elipses longas e montagens insuficientes para avançá-la temporalmente não deixam espaço para a imaginação do espectador, mas um vazio que falha em ser preenchido pelos pequenos indícios do que ocorre enquanto não estamos por lá. A escolha criativa de uma narrativa não somente permeada, mas primariamente construída por elipses, não é, a priori, ruim. Infelizmente, faltou a ela, neste filme, uma cola capaz de atar os espaços produzidos pela não-informação. Isto é, boas cenas.
Deixa a desejar, também, o comentário político que o longa busca fazer, inspirado pelo seu material-fonte. Pela mesma falta de coesão narrativa, os flertes de Eden com o individualismo e sua recusa ao socialismo, que é defendido por seu grande amigo (que aparece pouco e de maneira abrupta; ou seja, mais uma relação completamente desenvolvida nas elipses) Russ Brissenden, interpretado com maestria por Carlo Cecchi.
Nesse sentido, é importante ressaltar que as premiações angariadas por Marinelli são justíssimas. Sua atuação desponta das demais – que são bastante competentes, não me entenda mal – pela densidade que o ator traz às emoções flutuantes de seu personagem. Sua raiva e indignação são sentidas, suas perdas também. No entanto, deixa um gosto amargo na boca, pois teríamos testemunhado uma atuação tão mais potente caso a obra não sofresse de seus males narrativos.
Martin Eden conta com a linda fotografia de Alessandro Abate e Francesco Di Giacomo, uma colagem de diferentes milimetragens de película, movimentação de câmera e padrões de cor, munida de uma belíssima mise-en-scène, que ilustra a expertise de seu diretor. Por mais belo que seja, entretanto, o longa não consegue prender o espectador com tanta potência. Muito mais do que ver os três estados de espírito de seu protagonista e entender o porquê dele ter mudado tanto, queremos vê-lo passar por essa mudança. É a clássica regra do “mostre, não conte” adaptada para “mostre, não pule transformações vitais como se fossem partes de menor importância da trama”.