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Eu, Tonya

Como foi construída a personalidade egocêntrica e obsessiva da patinadora envolvida em um dos maiores escândalos dos esportes olímpicos

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Texto por Abonico R. Smith

Foto: Califórnia Filmes/Divulgação

O título desta cinebiografia não poderia ser mais preciso. Começa com o pronome que indica a primeira pessoa, aquela que fala ou escreve, que é o sujeito da oração. Depois, no aposto (aquilo que explica melhor ainda o termo pronominal anterior), vem o nome da pessoa. Esta não é qualquer pessoa. É Tonya. E Tonya sou “eu”.

Tonya Harding ficou famosa por uma das passagens mais vexaminosas do esporte olímpico em todos os tempos. No dia 6 de janeiro de 1994, pouco mais de um mês antes da Olimpíadas de Inverno na cidade norueguesa de Lillehammer, a patinadora Nancy Kerrigan sofreu um covarde e violento ataque logo após uma sessão de treinamento, ainda no ginásio. Alguém, munido com u cassetete de polícia, deu-lhe uma pancada forte na coxa direita, para que ficasse de fora do torneio. O responsável por isso foi o ex-marido de Tonya, principal concorrente de Nancy dentro da própria equipe norte-americana. Kerrigan recuperou-se em tempo recorde e ainda conseguiu ganhar a medalha de prata. Harding sempre sustentou que nada tinha ver com a história e sequer sabia dos planos de seu ex. Mas acabou, logo depois, banida do esporte ao qual se dedicara desde criança.

Eu, Tonya (I, Tonya, EUA, 2017 – Califórnia Filmes) conta toda a história da construção do “mito às avessas” Tonya Harding. Desde a sua mais tenra infância, quando foi levada obrigada pela mãe para começar a treinar nos patins – LaVona não forçara apenas a filha; também, praticamente, obrigou a treinadora a aceitar a pequena Tonya como sua discípula. Aos poucos, a jovem vai sentando em cima de uma personalidade extremamente narcisística, obsessiva e egocêntrica. A ponto de desenhar e fabricar as suas próprias roupas para as competições. A ponto de dar chilique na frente dos jurados, cobrando-os por não ter dado notas mais altas em sua exibição. Ela precisa ser o centro das atenções sempre.

Em muito contribuiu para tudo isso a desgraçada vida particular de Tonya. Primeiro ela nunca deixou de ser um fantoche nas mãos da abusadora LaVona, que nunca hesitava em humilhar e bater em sua filha desde pequena, inclusive em público. Depois, sofreu o pão que o diabo amassou nas mãos do não menos violento marido Jeff, que lhe batia frequentemente e o cara sem qualquer pudor que armou o ataque que desgraçou a sua carreira quando já estavam separados.

Com performances marcantes de Margot Robbie (a protagonista) e Allison Janney (a mãe da protagonista, papel pelo qual faturou o Oscar de atriz coadjuvante e todos os outros principais prêmios da temporada), a cinebio consegue driblar com inteligência a chatice comum ao gênero quando a pessoa enfocada é um profissional dos esportes olímpicos. Primeiro porque o diretor Craig Gillespie coloca a câmera para bailar junto com a patinadora nas cenas gravadas no rinque de patinação no gelo. Assim, convida o espectador a ir junto com Tonya e ter a sua visão de dentro do próprio espetáculo, como se fosse uma parceria sobre rodinhas. Depois, espertamente, a edição transforma tudo em um falso docudrama, com depoimentos posteriores dos personagens entrecortados pela ação da história ocorrida lá atrás – chegando ao primor de dividir a tela e colocar Harding e o marido falando ao mesmo tempo sobre um determinado momento.

O único senão de Eu, Tonya é a sua longa duração. Duas horas cheias acaba sendo um pouco demais e o filme começa perder o pique e cansar após o ataque sofrido por Nancy Kerrigan. Mesmo porque sua melhor parte (isto é, Allison Janney) praticamente some a partir da metade da trama, voltando apenas para uma “pequena participação” mais do que fulgurosa para reforçar o caráter mais do que dubio de LaVona.

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