Movies

E.T. – O Extraterrestre

Quarenta curiosidades sobre o clássico de Steven Spielberg que há 40 anos estreava nos cinemas brasileiros

Texto por Carolina Genez

Fotos: Universal Pictures/Divulgação

Um dos marcos do cinema pop, E.T. – O Extraterrestre (E.T., The Extra-Terrestrial, EUA, 1982 – Universal Pictures), completou 40 anos de lançamento no Brasil no último dia 25 de dezembro. O filme é até hoje lembrado com grande apreço e emoção por ter conseguido conquistar tanto as crianças quanto os adultos. O longa, assinado por Steven Spielberg, consolidou nas grandes telas, naquele começo dos anos 1980, o termo blockbuster. Passadas quatro décadas de sua chegada, até hoje segue ganhando fãs de novas gerações.

Em homenagem ao aniversário da cultuada obra, o Mondo Bacana elenca 40 curiosidades a respeito dela.

>> E.T. contou com um orçamento estimado de US$ 10,5 milhões de dólares. Bateu recordes de bilheteria, faturando 792,9 milhões de dólares nos cinemas de todo o planeta.

>> O longa, inclusive, ocupou por onze anos o posto de maior bilheteria da História por 11 anos. Foi superado apenas em 1993, por Jurassic Park: Parque dos Dinossauros. Por sinal, outro filme de Steven Spielberg.

>> Este foi um dos marcos da carreira do diretor. Tanto é que a emblemática cena da silhueta do personagem E.T. e o garoto Elliott na bicicleta à frente da Lua foi escolhida para servir como logomarca da produtora de Spielberg, a Amblin Entertainment.

>> E.T. foi indicado a nove estatuetas do Oscar e, 1983, incluindo diretor e filme do ano. Levou para casa quatro delas, todas em categorias técnicas: som, edição de som, efeitos especiais e trilha sonora.

>> As estatuetas de melhor filme e direção em 1983 acabaram ficando com Gandhi. Mas nem mesmo o cineasta Richard Attenborough se convenceu com a vitória nas duas categorias, já que ele considerava o trabalho de Spielberg mais completo.

>> Foi também durante essa premiação que o compositor John Williams, parceiro de Spielberg, conquistou seu terceiro Oscar de trilha sonora. Os outros dois vieram pelos trabalhos realizados em Tubarão (1975) e Star Wars: Episódio IV – Uma Nova Esperança (1977)

>> As conexões de E.T. com a saga de George Lucas também não param somente aí. Em uma das cenas, Spielberg colocou uma criança vestida de Yoda, com direito até a trilha do personagem também composta por John Williams.

>> Em Star Wars: Episódio I – A Ameaça Fantasma (1999), Lucas devolveu a homenagem colocando a espécie de E.T. participando de uma reunião do Senado.

>> Ainda sobre o parelho com a saga Star Wars: Harrison Ford (intérprete de Han Solo), quase entrou no filme de Spielberg. O ator chegou a rodar uma breve participação como o diretor da escola de Elliott. Contudo, a cena acabou ficando de fora da edição final. 

>> Ford também foi o responsável por apresentar Spielberg a Melissa Mathison, que viria a se tornar roteirista de E.T. – O Etraterresetre. Os dois se conheceram porque Mathison era namorada do ator e estava presente nos sets de Indiana Jones e os Caçadores da Arca Perdida (1981), também dirigido por Spielberg.

>> Nas primeiras versões do roteiro, o personagem E.T. seria uma espécie de planta sem gênero.

>> A fisionomia do rosto de E.T. foi criada pelo designer italiano Carlo Rambaldi, tendo como modelos o poeta Carl Sandburg, o físico Albert Einstein, o escritor Ernest Hemingway e um cão da raça pug.

>> Em seus outros filmes o diretor sempre gostou de trabalhar com efeitos visuais e práticos. Além de ter uma parte animatrônica, o extraterrestre também foi interpretado pelos atores Matthew de Meritt, que nascera sem pernas, mais Tamara de Treaux e Pat Bilon, que tinham nanismo.

>> Responsável por dublar o alienígena, o ator Pat Welsh foi escolhido para o papel por causa de sua rouquidão, fruto dos dois maços de cigarro que fumava por dia. O criador de efeitos sonoros Ben Burtt também usou vozes de outras pessoas, incluindo a de Spielberg, para chegar ao timbre do personagem.

>> Durante a história, o alienígena utiliza um comunicador. O aparelho foi construído pelo especialista em ciência e tecnologia Henry Feinberg. De fato, ele funcionava.

>> O boneco custou 1,5 milhões de dólares. Aliás, boa parte do orçamento do filme foi gasto somente para “dar vida” ao personagem E.T.

>> Michael Jackson adquiriu um dos bonecos originais criados para o filme.

>> A versão final ficou tão realista que a atriz Drew Barrymore, que na época de rodar o filme tinha 7 anos, realmente acreditava que E.T. era uma criatura de verdade. Para continuar o encanto dela, o diretor, então, pedia que a produção mantivesse o boneco vivo durante os intervalos.

>> Apesar de muito nova para o ofício, Drew Barrymore improvisou diversas falas dentro do filme. A fala dela quando vê E.T. (“Eu não gosto dos pés dele”) foi tão espontânea que o diretor que decidiu mantê-la no filme. 

>> O papel da pequena Gertie lançou a carreira de Drew Barrymore. Só que a atriz quase não ficou com o papel. Sarah Michelle Gellar e Juliette Lewis também fizeram testes para interpretar a menina.

>> O filme foi gravado em ordem cronológica para passar uma sensação de autenticidade para as crianças do elenco.

>> Antes de chegar em Henry Thomas, Spielberg testou mais de 300 atores para o papel do menino. Thomas conquistou o papel após emocionar o diretor encenando a cena em que Elliott teme que o agente do governo leve E.T. embora.

>> O diretor também optou por rodar grande parte do filme no nível do olhar de Elliott e E.T., justamente para aumentar a conexão entre os personagens e os espectadores. 

>> O sobrenome de Elliott nunca é mencionado. Em uma entrevista de 2015, foi revelado por Spielberg que seu nome completo é Elliott Taylor.

>> Apesar de E.T. – O Extraterrestre ser uma história infanto-juvenil, o diretor chegou a desenvolver uma história de terror para dar base ao filme, com o título de Night Skies.

>> A ideia de uma continuação chegou a existir. A Universal queria muito uma continuação para a história e Spielberg chegou até a pensar em um roteiro. A história se passaria no planeta do alienígena. O projeto, entretanto, acabou sendo arquivado, por medo de “sujar” o original.

>> O diretor fora convencido a fazer um filme infantil por François Truffaut. Segundo o francês, Spielberg também era uma criança.

>> Foi durante o trabalho em Contatos Imediatos de Terceiro Grau (1977) que surgiu a primeira premissa do filme. Steven Spielberg ficou intrigado com a ideia do que aconteceria se um alien ficasse para trás aqui na Terra.

>> Naquela mesma temporada de 1982, Spielberg também lançou o filme Poltergeist: O Fenômeno, desta vez assinando apenas o roteiro. Segundo o cineasta, E.T. é uma representação dos sonhos do subúrbio americano, enquanto Poltergeist representa os pesadelos.

>> Em 2002, celebrando o aniversário de 20 anos do longa-metragem, o diretor resolveu alterar uma cena digitalmente para retirar as armas dos policiais que perseguiam as crianças. Anos depois, porém, ele voltou atrás na ideia e deixou a cena como ela era originalmente.

>> Também para celebrar este aniversário de duas décadas, E.T. foi relançado nos cinemas com cinco minutos de novas cenas que ficaram de fora da versão original. Além disso, foram utilizados novos efeitos especiais e uma remasterização digital realizada em todo o longa.

>> Spielberg manteve muito sigilo em torno do filme antes do seu lançamento em 1982. Nem mesmo o responsável por produzir o cartaz de E.T. sabia como era o visual do extraterrestre.

>> Para aumentar o segredo, no começo das filmagens o diretor trocou o nome do filme para A Boy´s Life, para impedir que copiassem o enredo.

>> Para dar mais realismo à cena do hospital, foram contratados médicos e enfermeiros de ofício para examinar o extraterrestre. O diretor ainda pediu que os profissionais tratassem o personagem como um paciente de verdade.

>> Inicialmente o diretor queria usar os chocolates M&M’s pra atrair o extraterrestre em uma das cenas. Só que a marca controlada pela Mars negou a participação por achar que o alienígena iria assustar as crianças.

>> A produção usou então os chocolates Reese’s Peices. Isso fez com que as vendas da marca fabricada pela Hershey Company disparassem.

>> Por conta deste grande sucesso, muitas marcas começaram a pedir que seus produtos fossem usados em filmes. Esse feito também já tinha sido comprovado em alguns dos filmes de 007.

>> Quando lançado em VHS em outubro de 1988, o filme veio com fita, protetores e hubs na cor verde, justamente para diferenciar as cópias originais das piratas. Em homevídeo, vendeu mais de 15 milhões de unidades nos EUA, arrecadando mais de 250 milhões. Durante as duas primeiras semanas nas prateleiras das videolocadoras, E.T. foi alugado mais de 6 milhões de vezes no país.

>> Inicialmente, o longa seria produzido pela Columbia Pictures, porém a produtora achava que o filme fracassaria e o roteiro era muito fraco. O diretor acabou assinando com a Universal Studios, para qual vendeu o script por 1 milhão de dólares. Spielberg ainda cobrou 5% da bilheteria.

>> Tentando construir a trilha do longa, John Williams foi incentivado por  Spielberg a conduzir a orquestra da mesma maneira que faria em um concerto. O diretor, mais tarde, chegou até a reeditar o filme para combinar melhor com a música que hoje é conhecida como uma das mais clássicas obras sonoras do cinema.

Music

Michael Bublé – ao vivo

Em Curitiba, canadense mostra na voz toda a gratidão por ter superado as adversidades enfrentadas pela família desde um pouco antes da pandemia

Texto e foto: Janaina Monteiro

Existe uma fórmula simples para constatar o caminho da nossa evolução: traçar paralelos. Feche os olhos e assista à sua vida em retrospectiva. Eu, por exemplo, era tímida, com baixa autoestima e, ingênua, acreditava em príncipe encantado. Ou seja, bem diferente da minha versão atual. 

Portanto, se o tempo serve pra alguma coisa – além de nos botar rugas na cara – é nos permitir comparar o passado e o presente, sobretudo em relação ao modo como enfrentamos as adversidades, os furacões, os tsunamis da vida. Porque num piscar de olhos, o chão pode ruir. O cantor e compositor canadense, Michael Bublé, que esteve no Brasil recentemente com a turnê denominada An Evening With…, sabe muito bem como lidar com esse cenário apocalíptico e cair na fenda provocada por um terremoto.  

A vida de Bublé virou de cabeça para baixo antes mesmo da pandemia. Em 2016, seu primogênito Noah foi diagnosticado com câncer no fígado aos 3 anos de idade. Para ele, esta notícia significou muito mais que um soco no estômago. Abalou o contagiante bom humor e por pouco custou sua carreira. Tanto é que o artista prometeu a si mesmo que só retornaria aos palcos quando o menino se curasse. 

Depois dessa rasteira, ele afirmou que a pandemia foi capaz de unir ainda mais sua grande e linda família (hoje Michael tem quatro filhos com a atriz argentina Luisana Lopilato). Por isso, quem sobe ao palco hoje com a turnê baseada no álbum mais recente, Higher, não é mais aquele rapaz boa-pinta, capaz de arrancar suspiros de multigerações. Quem sobe ao palco não é um crooner, aquele sucessor dos clássicos natalinos eternizados por Frank Sinatra. É, nitidamente, um artista que evoluiu. E nenhuma canção seria mais apropriada para iniciar a apresentação em Curitiba, realizada em 8 de novembro último na Arena do Athlético Paranaense, do que “Feeling Good”. Bublé não só demonstra sentir-se bem consigo mesmo e com seus fãs cada vez mais apaixonados – muitos deles de longa data, aliás – como mostra encarar a vida de outro jeito.

A confiança e a gratidão transbordam da sua voz e da sua performance, acompanhada de uma animada orquestra (formada boa parte por jovens e músicos locais). Bublé entretém, dança, “se joga” na plateia, faz piadas e atende ao pedido de um fã para cantar um trechinho de “Me and Mrs. Jones”, faixa que, aliás, não estava no roteiro. “Ainda bem que você escolheu uma que eu sabia”, brincou. Humilde, agradece à plateia por ter pago ingressos caros e confessa: “Quando eu vou dormir, rezo e agradeço a Deus por ter essas pessoas lindas na minha vida. Sentirei falta de vocês”. 

 Entre o “hi” e o “goodbye”, emenda um clássico no outro, temperando o set list com suas composições autorais como “Haven´t met you yet”, “Everything”, “Home” e “Higher”. Essa última, além de batizar o disco mais novo, foi composta em parceria como filho Noah. Bublé mostra ainda completo domínio da voz, sem cometer excessos, sem ao menos tomar água para refrescar a garganta. Tirando o terno violeta (um pouco justo), tudo é sob medida em sua apresentação. Sua voz, seus passos de dança aprimorados por conta da participação no programa Dancing With The Stars. A sintonia também aparece na interação com a plateia, com os músicos e o maestro da orquestra. 

Entre o palco principal e o secundário, ele desfila na passarela, olhando nos olhos das fãs (inclusive tem um apelo enorme com o público masculino!), que arremessam seus lenços e echarpes, emulando um ritual ao estilo de Elvis. Do ídolo de Memphis, emociona ao interpretar “Always On My Mind” e “Can´t Help Falling In Love”, que surge no meio de um medley com “You´re The First, The Last, My Everything”, famosa na voz potente de Barry White, e “To Love Somebody”, clássico dos Bee Gees. Sua nova roupagem para “Smile”, de Charlie Chaplin, arrepia.

Enfim, esse canadense, romântico inveterado, é capaz de costurar um repertório eclético, com arranjos modernos e sofisticados, esbanjando nostalgia, como se nessa salada só existissem as melhores frutas da estação. Tanto é que em seus 20 anos de carreira, gravou versões que vão de Queen, George Michael, Eric Clapton, Marvin Gaye e Stevie Wonder a, claro, Frank Sinatra. 

Agora, observando a vida em retrospectiva: se este show fosse realizado há três anos, quando minha mãe pediu para que eu comprasse as entradas (bem lá na frente), provavelmente um outro Bublé subiria ao palco. Provavelmente uma outra eu assistiria ao espetáculo. Mesmo porque nós duas também enfrentamos nosso próprio câncer.

Por isso, quando vou dormir, rezo e agradeço a Deus por ter acompanhado a dona Silvia nesta noite. Um espetáculo de show.

Set list: “Feeling Good”, “Haven´t Met You Yet”, “L-O-V-E”, “Such a Night”, “Sway”, “When You´re Smiling”, “Home”, “Everything”, “Higher”, “To Love Somebody”, “Hold On”,“Smile”, “I´ll Never Not Love You”, “Fever”,  “One Night”, “All Shook Up”, “Can´t Help Falling In Love”, “You´re The First, The Last, My Everything”,  It´s a Beautiful Day”, “Cry Me a River”, “How Sweet It Is (To Be Loved By You)”, “Save The Last Dance For Me” e “You Are Always On My Mind”.

Movies, Music

A-ha: True North

Introspecção do novo disco do trio é antecipada nos cinemas com muitas imagens da natureza imponente e gélida do norte norueguês

Texto por Janaina Monteiro

Foto: Cinemark Brasil/Divulgação

A long, long time ago, os oceanos eram cristalinos e azuis como a voz e os olhos de Morten Harket, o frontman do A-ha, banda originária da Noruega, país nórdico dos vikings, guerreiros que tinham fama de serem brutais e ferozes mas, contraditoriamente, permitiam o divórcio às mulheres. 

Neste país das maravilhas, as estátuas e barcos naufragados estão por toda parte. A felicidade está estampada no rosto das pessoas. A aurora boreal proporciona um espetáculo surreal. Enfim, a paz reina na Noruega. Nos museus, a História se solidifica. Contudo, não se pode dizer o mesmo das calotas polares do Círculo Ártico que derretem numa velocidade assustadora. Enfim, o meio ambiente vem sendo degradado a passos de troll

Justamente essa preocupação e a conexão tão rica com a mãe natureza serviram de pretexto para que Morten Harket, Pal Waaktaar-Savoy, Magne “Mags” Furuholmen, finalmente se reunissem para lembrar suas raízes e produzir um novo álbum de inéditas, depois de um hiato de sete anos desde o lançamento de Cast In Steel

O filme A-ha: True North (Reino Unido/Noruega, 2022 – Cinemark Brasil) deixa claro, sobretudo no behind the scenes, que essa foi uma ideia de Mags, ligado a causas ambientais assim como Morten. Como ele já tinha um punhado de músicas compostas, decidiu e conseguiu reunir os colegas para a nova missão. Mas, em vez de simplesmente lançar o álbum (previsto para chegar às plataformas digitais em 25 de outubro), o trio norueguês preferiu inovar e exibir ao público em primeira mão as novas composições nas telas do cinema.

E assim nasceu o audiovisual que documenta dois dias de gravação na cidade de Bodø, ao lado da orquestra Arctic Philharmonic. A produção, no entanto, vai além de um mero registro do trabalho do grupo e das cenas de bastidores: funciona também como uma carta de amor à terra natal da banda. 

Dirigido pelo também norueguês Stian Andersen (fotógrafo oficial da última turnê do A-ha), True North foi exibido nos cinemas do mundo todo em 15 de setembro, um dia após o aniversário de 63 anos de Morten. No início, traz um dos singles do novo álbum e que serviu como uma espécie de teaser do filme. “I’m in” é canção de resiliência e empatia, serve de pano de fundo para narrar a história de uma família que perde um ente querido. E que, aliás, faz muito sentido nesse momento pandêmico (“Whatever you think you’re worth/ However much you hurt/ Whatever you have to believe/ I’m in/ Begin”). A mensagem se estende em sentido macro: nos lembra as baixas da covid e nos faz pensar sobre futuras perdas que teremos de contabilizar se medidas mais enérgicas não forem adotadas no sentido de cumprir os objetivos do desenvolvimento sustentável da ONU.

Aliás, o filme se sustenta nas canções, bastante introspectivas. Portanto, não espere nenhum riff a la “Take On Me”. As apresentações da banda são intercaladas pelos depoimentos dos três integrantes, cobertos por takes aéreos que passeiam por paisagens deslumbrantes.

Fiordes, oceanos, orcas emocionam e intimidam pela beleza imponente e gélida. O frio de Bodø é tão avassalador que parece tomar conta da sala de projeção. E para mostrar essa exuberância natural, fria e magnífica, inclusive nas cenas de estúdio, o diretor optou por tons mais sombrios – que, aliás, é das características da banda, seja em muitas das composições ou em se tratando da convivência entre os três. Para quem vive nos trópicos e não é descendente de vikings, o calor humano é algo normal. Morten, Mags e Pal, entretanto, continuam sem trocar abraços, até mesmo quando posam para a foto oficial no estúdio.

As rugas e rusgas também não ficaram de lado neste filme (assim como ficaram explícitas no documentário A-ha: The Movie, produção pré-pandêmica, lançado seis meses atrás – leia mais sobre este filme aqui). No A-ha, Mags sempre faz questão de frisar que ele e Päl são os principais compositores. De qualquer forma, o tecladista declarou que não consegue imaginar outra voz interpretando suas músicas se não a de Morten. Por sua vez, o vocalista replicou em um de seus depoimentos que enaltece as criações dos parceiros mas também compõe, sim, embora prefira lançar suas canções em trabalhos solo. Ou seja, nem o aquecimento global derrete o gelo entre os três. De qualquer forma, Morten (antes de cortar as madeixas e com barba por fazer) foi devidamente brindado com lindos planos contra-plongée ao interpretar as canções do novo álbum.

Em termos de conteúdo, True North é construído em camadas que tentam mesclar não ficção e ficção em seu arco narrativo. Uma ficção, aliás, que se tornou realidade para muitos durante a pandemia: a morte.  Em termos de forma, é um híbrido de concerto, ficção e documentário. A questão ambiental é o fio condutor dos depoimentos, quase sempre sutis e polidos, sem desbancar para o tom político. Quem leu a autobiografia de Morten Harket sabe que sua forte conexão com a natureza vem da infância. No início, ele resume seu pensamento: “poluir a natureza é como poluir o útero”. Por isso, a contradição ainda impera. Líder em energia limpa, modelo a ser seguido na proteção do meio ambiente, e até então um dos maiores patrocinadores do Fundo Amazônia (verba que foi congelada), a Noruega é um dos principais exportadores de petróleo do mundo. Ou seja, para não enterrar o planeta Terra é preciso agir.

Em relação a isso, Mags não esconde sua decepção, mas também não cria expectativas nem obriga ninguém a levantar bandeiras. Segundo o tecladista, infelizmente podemos dizer para as próximas gerações que nós falhamos. A partir de agora, quem quiser contribuir para manter o mundo mais sustentável, que faça o seu melhor. Quem não quiser, ok. Que espere sentado no sofá, assistindo TV, o derretimento da sua própria vida, da vida de seus filhos, de seus netos.

festival, Music

Rock in Rio 2022 – ao vivo

Oito grandes concertos para você se lembrar (positivamente) da mais recente edição do festival

Texto por Abonico Smith

Fotos: Cadu Oliveira/Portal RockPress (Gilberto Gil, Ratos de Porão, Gangrena Gasosa); Produção Rock In Rio/Célula Pop (Green Day, Racionais MCs); Reprodução/G1 (Måneskin, Coldplay, Homenagem a Elza Soares)

Mais um Rock in Rio realizado (no Rio de Janeiro, é bom deixar claro, apesar de parecer óbvio demais isso e não ser!) e mais uma coisa grandiloquente marcada por muitos show que, se comparando com as três primeiras edições do evento, mancham a história do evento. Teve Post Malone cantando sem qualquer acompanhamento instrumental ao vivo e ganhando o cachê mais fácil da História. Teve Justin Bieber com a cabeça dando tilt e sendo obrigado a se apresentar para não pagar uma multa altíssima, antes de cancelar todo o resto de sua turnê sul-americana. Teve Megan Thee Stalion enchendo o palco de gente vinda da plateia para compensar a mais profunda falta de performance cênica. Teve Demi Lovato botando uma banda de capacitadas instrumentistas de turnês e estúdios para dar a sensação de que seu power pop era mesmo a última bolacha do planeta. Teve Ivete Sangalo declarando seu voto no 13 (até que enfim!). Teve a esquecida Pabllo Vittar sendo ovacionada ao cantar como convidada no show de Rita Ora. Teve Ludmilla gastando rios de dinheiro em produção para ser headliner do último dia. Teve Luisa Sonza dançando muito e também dublando muito a sua própria voz pré-gravada. Teve Billy Idol se atrapalhando com o som e, segundo disseram as más línguas, esquecendo a letra de um de seus maiores hits, “Eyes Without a Face”. Teve o famoso dia do metal levando um mar de camisetas pretas na primeira das sete noites. Teve neste mesmo dia do metal headliner (Iron Maiden, em sua 765ª vinda ao país) pedindo para tocar antes da penúltima atração (Dream Theater) porque, conforme consta, a idade pesa pro sexteto clássico e eles não queriam ficar pr lá até depois das duas da manhã. Teve o Sepultura fazendo outro crossover musical, agora tocando em conjunto, na abertura oficial do evento, com a Orquestra Sinfônica Brasileira. Teve como primeiro um show de fato do evento um belo cartão de visitas: os power trio Black Pantera e Devotos se unindo para mostrar a força do rock preto brasileiro. Teve Cee-Lo Green fazendo James Brown reencarnar e soltando o vozeirão em grandes clássicos do godfather do funk, acompanhado por uma banda space jazzy viajandona e encantadora. Teve uma homenagem aos artistas nacionais do primeiro Rock In Rio (Ivan Lins, Pepeu Gomes, Alceu Valença, Evandro Mesquita) escanteando os próprios no meio do sanduíche. Teve Dua Lipa sem feder nem cheirar. Teve Djavan pela primeira faz um show para chamar de seu no festival. Teve erros de escalação e transmissão, ambos relacionados à apresentação de Avril Lavigne: ela superlotou o Sunset Stage quando cairia melhor no palco principal, o Mundo e o Multishow cortou o fim da performance dela para mostrar outra que estava começando. Teve obviedades (até quando aturar Capital Inicial e Jota Quest fazendo pela enésima vez o mesmo show?) e teve quem foi muito além da obviedade mas derrapando para o absurdo no meu sentido (como será explicado adiante, no trecho sobre o Coldplay). Ah, sim! Teve ainda o Guns N’Roses vindo pela décima terceira vez ao evento, mais uma vez com a voz de Axl sendo mais rara de ser encontrada do que a barra de ouro dos chocolates de Willy Wonka.

Mas para não perde tempo com aquilo sobre o qual realmente não vale a pena falar, o Mondo Bacana lista aqui os oito concertos que, sim, podem fazer você se lembrar para sempre da ediçãoo 2022 do Rock in Rio (2 a 4 e 8 a 11 de setembro) de um modo positivo.

Coldplay

Existem dois Coldplays na face da terra. Tem o old school, uma grande banda vinda do universo indie, com clássicos que arrepiam multidões até hoje como “The Scientist”, “Viva La Vida”, “Clocks” e “Yellow”. Existe também, infelizmente, o Coldplay 2.0, feito sob medida para a geração Z, aquela para qual festivais de música viraram experiência e concertos devem trazer muito mais do que boa música (aliás, a qualidade dela nem importa mais também!). A atual turnê do grupo de Chris Martin é um circo tecnológico no qual o figurino combina com a cenografia dos instrumentos e das imagens no telão. Tem um palco menor no qual a banda se aproxima bastante do público e pode tocar pertinho lá do miolo. Tem pulseiras distribuídas para toda a audiência presente ao local e que pisca e muda de cor conforme comandados disparados por técnicos da banda, formando assim um pulsante cenário tridimensional abaixo dos músicos, também na horizontal. Tem o grito pela sustentabilidade, algo do qual esses ingleses não abrem mão.  Mas também tem programações eletrônicas que descambam pro playback puro, completado por quatro horrorosas máscaras de animais (ou seriam ETs?) usadas pelos instrumentistas. Tem, nesta hora, um flerte ao TikTok, no qual Chris Martin, depois de cantar, fica simulando uma dancinha como se estivesse correndo sobre o solo do palco que vai formando desenhos abstratos. Tem uma música cantada por uma marionete manipulada em pleno palco (?!?!?!). A entrega de entretenimento do Coldplay foi prejudicada por uma chuva torrencial, que estragou a roupa de cores fosforescentes de Martin e ainda fez pifar um piano eletrônico colocado lá no palco menor junto à plateia mas de nada alterou a euforia do vocalista em voltar a se apresentar no Brasil. Ah também teve erros técnicos de gravação que fizeram o quarteto tocar na sequência duas músicas de novo (“A Sky Full Of Stars” e “Viva La Vida”) e a tenebrosa tentativa de cantar “Magic” todinha em português. No fim das contas, contudo, fã que é fã continua chorando copiosamente ao assistir de perto à banda. Mas quando o senso crítico começa a se fazer valer, percebe-se que eles passaram do ponto do exagero.

Green Day

Show do trio californiano é sempre um petardo. Neste Rock in Rio  não foi diferente. Não tiveram o menor medo de começar com um de seus maiores hits, “American Idiot” e depois enfileirar clássico atrás de clássico, sem dar tempo para a plateia respirar ou os fãs pararem de cantar e se recomporem. Billy Joe Armstrong não é apenas um entertainer de primeira. Ele comanda uma banda repleta de bom humor, que não se leva a sério na hora em que não tem de se levar a sério, que tem um repertório poderoso e sabe equilibrar-se perfeitamente entre a pegada punk e a crocância de uma melodia perfeita levada por guitarras do power pop.

Gilberto Gil

Aos 80 anos de idade recém-completados, Gil não precisa fazer mais nada nos palcos para provar sua genialidade. Por isso mesmo, ao optar pela simplicidade de passear por clássicos das mais diversas fases de seu repertório e escalar uma banda de apoio repleta de integrantes de sua família (filha/os, neta/os, nora), fez um show mezzo dançante mezzo contemplativo e algo de primeira grandeza no Palco Mundo, honrando o passado de glórias e retomando o gostinho daquela fase bem pop mostrada lá no primeiro Rock in Rio, em 1985. Sua generosidade ainda vai além ao chamar a neta Flor, de apenas 13 anos de idade, para sair da linha das backings e dividir os vocais principais em uma versão bilíngue de “Garota de Ipanema” em ritmo de reggae e depois consolá-la durante o choro de emoção da garota. Assim, forma mais uma artista de futuro enquanto revisita eternas pérolas semprepreciosas como “Aquele Abraço”, “Palco”, “Andar Com Fé”, “Não Chore Mais”, “Drão”, “Expresso 2222”, “Tempo Rei”, “Vamos Fugir” e “Toda Menina Baiana”. De quebra, colocou dois b sides como “Barato Total” e  Estrela” para contrabalançar o hit parade e mostrar às gerações mais novas a riqueza e a diversidade de sua trajetória musical.

Måneskin

O Rock in Rio é um festival que prima por apostar no certo e no óbvio. Quase não arrisca em suas escalações e faz questão de manter boas novidades do universo da música de fora da Cidade das Artes. Então que este quarteto de vinte e poucos anos de faixa etária tenha vindo nesta edição para fazer a família Medina repensar um pouco os rumos artísticos. Para um evento que já trouxe grandes artistas em seu auge (como B-52’s, Faith No More, Prince, George Michael), ver o Måneskin em ação promovendo uma balburdia cênica e sonora das boas foi o grande alento deste ano. Misturando glamhard rock e power pop com piadas de fluidez de gênero, fizeram a massa cantar em italiano algumas de suas composições (aliás, desde os tempos de Rita Pavone que o Brasil não se entregava tanto a este idioma na música pop), escolheram um seleto conjunto de covers bacanudas e turbinadas (Who, Stooges, Britney Spears, Frankie Valli & The Four Seasons) e ainda encantaram meio mundo de quem estava in loco ou mesmo vendo pela TV. A baixista Victoria de Angelis é um show à parte, com seu ativismo e atitude: adepta do Free Niples, não teve o menor pudor de tocar quase sem roupa e ser tocada por desconhecidos em um duradouro momento de mosh. Ela e seus três mosqueteiros mostraram que rock’n’roll, de fato, é isso daí – atitude, boa música e performance incendiária. Para todo o resto dá para mandar um belo dedo do meio.

Racionais MCs

O dia em que os Racionais MCs foi de glória para o rap e o funk nacional. Antes, os cariocas Papatinho, L7nnon e Filipe Ret abriram os trabalhos no Sunset com classe. Depois veio o também carioca Xamã para mostrar a alta qualidade da nova geração do gênero, inclusive chamando o trio de rappers indígenas Bro MCs para mostrar o quão diverso o gênero pode ser sem perder a classe e a verborragia. Depois veio Criolo, mas para mostrar que o hip hop, em São Paulo, também anda de braços dados com o samba. Superprodução com filminho de abertura, cenografia elaborada imitando um vagão de metrô paulistano, citações ao clássico filme de 1979 sobre rap Warriors: Os Selvagens da Noite, muitos figurantes e dançarinos e um repertório bem porrada que é capaz de reduzir o clássico álbum Sobrevivendo no Inferno a apenas uma faixa (a sempre imprescindível “Capítulo 4, Versículo 3”). De resto, os singles mais novos e tão arrasa-quarteirões quanto (“Quanto Vale o Show?”, “Mil Faces de um Homem Leal (Marighella)” com direito a discurso sobre a figura histórica que inspirou a canção) e clássicos de outros álbuns como “Vida Loka partes 1 e 2”, “Cores & Valores”, “Eu Sou 157”,  “Jesus Chorou” e “Nego Drama”. Aqui veio o momento mais catártico da noite, quando os versos disparados por Mano Brown, Edi Rock e Ice Blue, sob as bases do DJ KL Jay, com a projeção de nomes e fotografias de pretos mortos no Rio de Janeiro pela violência da polícia e da mílicia, inclusive, claro, a vereadora Marielle Franco.

Ratos de Porão

Enfim, o Rock In Rio reparou uma injustiça tamanha! Se o Sepultura vem se apresentando há várias edições, por que nunca convidaram João Gordo e sua banda para tocar antes por lá? Outra das grandes instituições do rock subterrâneo brazuca, o RxDxPx precisou completar quatro décadas de carreira para ser lembrado pelo maior (em tamanho) festival de rock do país. OK que o palco reservado ao quarteto não foi nenhum dos dois principais – ironia das ironias, foi espaço chamado Supernova, dedicado a “novas” atrações. Mas João também não deixou barato em sua performance. Detonou o (des)governo bolsominion várias vezes em seu microfone e dividiu o set list entre faixas do novo álbum (o poderoso Necropolítica) e clássicos eternos dos Ratos. Para completar, ainda teve uma bandeira do MST no palco.

Gangrena Gasosa

Outra instituição do underground nacional, desta vez made in Rio de Janeiro. Aliás, o Gangrena só poderia ter nascido no Rio, para saber misturar tão bem a sonoridade do metal com a cultura da umbanda, inclusive com letras explorando (com ironias e sarcasmo) detalhes deste religião de matriz africana e cada um de seus integrantes personificando uma entidade dos terreiros. O saravá metal do Gangrena pode até ter começado sendo encarado como uma piada, um chiste, mas depois de uma trajetória de quase trinta anos, com direito a pausa nas atividades e uma barulhenta briga judicial pelo direito de uso do nome entre o vocalista e alguns ex-integrantes que fundaram o negócio. O novo Omulú da formação (Dave Sterminium) deu um gás nos vocais mais guturais e realça o contraste com o gogó mais malandro e tradicional de Zé Pelintra (Angelo Arede). A percussão rola solta no meio das palhetadas velozes e é impossível não se contagiar pela fusão sonora cada vez mais competente deste (atual) sexteto. Claro que os trocadilhos dos títulos das canções ainda provocam boas risadas, mas a performance precisa e afiada mostrada no palco Espaço da Favela revelou que muito tesouro precioso pode estar escondido nos locais mais periféricos do festival.

Homenagem a Elza Soares

Um line-up integralmente feminino marcou o último dia do festival, tanto no palco Mundo quanto no Sunset. E engana-se que quem fez o melhor concerto do dia foi a headliner Dua Lipa. Aliás, a melhor do dia nem estava presente no local, quanto mais nesta dimensão. Afinal, Elza Soares é daquelas pessoas que nem David Bowie: descarnam mas continuam por aí, preenchendo nossas vidas com tamanha presença como se estivessem ali, do nosso lado, com uma boa velha amizade. Para entoar um punhado de hinos eternizados na voz de Elza foram convocadas seis vozes tão poderosas quanto a da diva: Agnes Nunes, Mart’nália, Gaby Amarantos, Larissa luz, Majur e Caio Prado (foto acima) – vale lembrar que Alcione também estava escalada, mas teve de cancelar sua participação por causa de uma cirurgia recente. “A Carne” abriu o set cheio de discursos entre as canções e nas letras das mesmas. Pela valorização das mulheres, do universo LGBT, dos pobres, dos pretos, dos favelados. Enquanto for necessário bradar contra as injustiças sociais e de gênero, Elza Soares sempre estará muito viva ecoando em nossos ouvidos. Nem que por meio de outras vozes interpretando as suas músicas.