Music

Phil Anselmo & The Illegals

Vocalista resgata músicas do Pantera e fala com o Mondo Bacana sobre próximos projetos e sua luta contra as doenças mentais

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Texto por Abonico R. Smith e entrevista por Janaina Azevedo Lopes

Foto: Divulgação

Um Pantera está à solta no Brasil, vociferando como sempre. Phil Anselmo veio ao país para realizar três shows nestes últimos dias de janeiro. Neste último final de semana, ao lado dos Illegals, o vocalista apresentou-se em São Paulo e Brasília. Nesta terça, dia 30, ele encerra a miniturnê em Porto Alegre (clique aqui para ter mais informações sobre este show).

Marcada por um repertório especial, que consta com metade do set list reservado ao resgate de antigas músicas do Pantera, a tour também é uma homenagem aos irmãos Dimebag Darrell e Vinnie Paul, ambos já falecidos e os fundadores da clássica banda de heavy metal, que teve seu auge na primeira metade dos anos 1990.

Em entrevista para o Mondo Bacana, o músico, atualmente com 50 anos de idade, relembra um pouco do passado musical, adianta os novos projetos para um futuro próximo e ainda abre um pouco de sua intimidade com a saúde, falando sobre sua luta, tão particular quanto uma herança familiar desde os tempos de infância, contra as doenças mentais.

Os shows que vocês trouxeram para o Brasil são formados por parte do repertório do Illegals, parte do Pantera. Como se deu isso?

Desde o ano passado, quando Vince morreu, nós vínhamos tocando algumas das músicas do Pantera, em tributo. Então, depende do público. Eles querem ouvir, nós tocamos.

O público é quem pede as músicas?

Eles podem pedir, mas não sei se vamos saber tocar… (risos)

Como tem sido revisitar essas composições?

É interessante. Às vezes, meio estranho. Eu olho lá de cima e vejo jovens que nunca tiveram a chance de ver o Pantera curtindo tanto as músicas…

E como é relembrar tanto o Vinnie quanto o Dimebag enquanto a banda toca essas músicas?

Como eu disse, pode ser bem estranho. Eu nunca tinha considerado fazer isso, tocar de novo essas músicas, reaprender as coisas velhas. É estranho! Estamos apresentando isso [o show] como eu cantando as músicas do Pantera. E são minhas músicas. Acho meio estranho ficar pensando nos caras originais. Mas ao mesmo tempo, [as músicas] são do público, que cresceu com elas. É a música deles também. É meio estranho, mas quando eu vejo o público curtindo eu curto também.

Quais os planos para o Illegals esse ano?

Tem sempre algo acontecendo com o Illegals. São caras ótimos, muito humildes e fáceis de trabalhar. Tá todo mundo na mesma fase. Então… Temos esta tour na América do Sul, em março vamos para a Austrália e no verão vamos para a Europa fazer os festivais. Depois disso, quero escrever um pouco, fazer o que eu chamaria de um verdadeiro disco de heavy metal. Não me pergunte o que isso quer dizer. Eu ainda tô formulando na minha cabeça. Quero experimentar com a minha voz.

O mais recente álbum do Illegals se chama Choose Mental Illness As a Virtue [Escolha a Doença Mental Como uma Virtude, em português]. O que isso significa?

Bem, não tenho problemas em admitir que eu sofro de doenças mentais desde que era criança. E se não fosse pelo heavy metal não sei onde eu teria canalizado toda a negatividade. Por exemplo, uma letra que escrevi, que é “Mouth For War”. Ela concentra toda escuridão e todos os pensamentos ruins em algo produtivo. Portanto, se você tem alguma doença mental e a reconhece, precisa entender que ela não vai simplesmente embora. Você tem de manter isso sob controle. Administrar isso e fazer algo produtivo, útil, como música, é muito importante. Eu sei que nem todo mundo tem o talento musical, entre os que sofrem de doenças mentais. Mas eu peço que todos achem algo produtivo.

Fazer este disco te ajudou?

Claro! Todo disco ajuda. Mas esse em particular foi um mergulho bem fundo no meu passado familiar e a luta com doenças mentais, em ambos os lados, tanto do meu pai quanto da minha mãe. Então, sim, foi um vazio a ser descoberto, por assim dizer.

E o que você tem feito além de se dedicar à banda?

Eu tô sempre me recuperando de um ou outro machucado.

Qual é o teu último machucado?

Ah, um negócio no ombro.

Mas tá bem agora?

Tô ok. Melhor do que há duas semanas.

Pros shows no Brasil, vai estar bem?

Espero que sim. Se não, vou lutar para isso, como sempre faço. Além disso, tenho tantos projetos [musicais] que nunca foram lançados…

Tipo o quê?

Bem… Existem algumas bandas. Uma é death metal, que eu formei em 2014, com alguns amigos de várias partes do mundo. Nunca tive tempo de lançá-la. Mas acho que posso fazer isso em breve. Daí tem o En Minor, que não é metal. Tem um cello, um piano, teclado, três guitarras. É bem diferente, obscuro, moroso, pessimista. Um negócio bem real. Estamos finalizando [a gravação]. É só questão de tempo.

Movies

A Esposa

Glenn Close comanda um time com brilhantes atuações em densa história com fragilidades no roteiro e na direção

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Texto por Leonardo Andreiko

Foto: Pandora Filmes/Divulgação

Escrito por Jane Anderson, o novo filme do desconhecido (por aqui) diretor sueco Björn Runge retrata o casal de longa data Joe (Jonathan Pryce) e Joan Castleman (Glenn Close). Ele é um influente escritor, que acaba de ganhar o Nobel de Literatura. Ela, a subestimada esposa.

Desde o início de A Esposa (The Wife, Reino Unido/Suécia/Estados Unidos, 2018 – Pandora Filmes), quando Joe recebe a notícia de que ganhará o prêmio Nobel, é possível perceber a rica dinâmica do casal. Close representa uma forte mulher, oscilando entre seu amor pela família e seu reprimido desejo de reconhecimento, enquanto Pryce encarna um detestável escritor, evidenciando suas diferentes formas de tratamento das pessoas: o bom esposo, aos olhos externos, e o controlador e prepotente gênio da família. Num personagem difícil de conectar-se com a audiência, o aclamado ator se supera, numa clara demonstração de seu talento. O foco em Joan durante os eventos narrativos, sutil marca do diretor, possibilita que Glenn Close desenvolva as camadas de sua personagem sem a necessidade de longos e profundos diálogos. Os monólogos da também aclamada atriz se dão em seus olhos, não no discurso.

Outros personagens, porém, como o biógrafo Nathaniel Bone (interpretado pelo ótimo Christian Slater) e o filho do casal, Daniel (Max Irons), servem como facilitações narrativas. O ressentimento contido deste, porém, é trabalhada na trama de forma a adicionar elementos para a relação do casal protagonista.

A fotografia lavada produz belos planos no filme, sem escapar do realismo proposto na obra. A câmera fluida e inteligente, mesmo em zooms e dollies, sabe muito bem onde focar em que momento da trama, amplificando a imersão naturalmente entregue por Close. Infelizmente, a brilhante sutileza de Runge parece se perder completamente quando este embarca em flashbacks, com fotografia quente e diálogos óbvios e mal desenvolvidos. Toda a riqueza dos personagens idosos é reduzida em suas versões das décadas de 1950 e 1960, efeito de um roteiro simplista e expositivo e de atuações rasas.

Em uma demonstração do que Claire Foy brilhantemente citou em seu discurso no Critic’s Choice Awards deste ano, The Wife mostra ao seu público que o papel da esposa na cinematografia não é ser “a esposa”. Demonstrando muito bem a dinâmica de reconhecimento versus esforço da sociedade machista, a obra apresenta ricos personagens em oscilações de eventos bem e mal trabalhados. Sem escapar de certos clichês, o filme não explora todo seu potencial, ainda que suas atuações ricas salvem os cem minutos, entregando uma densa história ao espectador.

Music

Sepultura

Em entrevista exclusiva, Andreas Kisser fala sobre o ano da banda, a gravação do novo álbum, o Rock In Rio e a paixão por motocicletas

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Texto e entrevista por Abonico R. Smith

Foto: Rafael Mendes/Divulgação

O mês de abril será intenso para o Sepultura. Serão seis datas em países que formavam parte da extinta União Soviética. Três shows iniciais na Ucrânia, mais um na Rússia (em uma cidade menor, por onde a primeira parte da turnê internacional do álbum Machine Messiah, que já esteve antes em Moscou e são Petesburgo), outro no Cazaquistão e outro no Quirguistão. Na “República de Borat”, então, será a primeira vez do quarteto brasileiro em ação. Logo depois, haverá uma pequena esticada para o Oriente Médio, com passagens por Líbano e Emirados Árabes Unidos.

Este calendário especial, entretanto, é só começo de um ano agitado para Andreas Kisser, Paulo Jr, Derrick Green e Eloy Casagrande. Para agosto estão marcadas as sessões de gravação em estúdios do novo disco da banda. Antes disso, muitos rascunhos e reuniões para as primeiras definições quanto ao repertório. Logo depois, ensaios para a noite do dia 4 de outubro, quando a banda abre os trabalhos do palco Mundo no Rock In Rio, em uma das noites mais aguardadas pelos fãs do heavy metal. Fechando, mais algumas datas que deverão ser marcadas o decorrer da temporada. E, como aquecimento para a maratona, dois shows agora em fevereiro: dia 2 no balneário de Iguape, no estado de São Paulo; e 9 em Curitiba, no Curitiba Motorcycles, evento que reunirá amantes do universo dos roncos dos motores sobre duas rodas, além de shows de grandes bandas da cidade, como Motorocker, Secret Society, Hillbilly Rawhide e Didley Duo (mais informações aqui)

Para carregar as baterias, o guitarrista Andreas Kisser partiu para Los Angeles para passar alguns dias de férias com a família e, de quebra, visitar uma feira de música realizada na Califórnia no fim de janeiro. Horas antes de embarcar, ele atendeu ao telefone para conversar rapidamente com o Mondo Bacana e antecipar um pouco do que está por vir.

Já dá para adiantar algo sobre o próximo álbum? Existe alguma direção encaminhada? Conceito, nome?

Vamos gravar em agosto. Enquanto isso temos algumas demos feitas a partir de ideias iniciais. Fizemos recentemente obras temáticas com influências de livro ou filme, mas acho que mais importante do que isso agora é ir coletando que estamos vendo pelo mundo. A cada nova turnê visitamos países que onde nunca havíamos tocado antes, como, por exemplo, o Cazaquistão agora. Destas observações saem coisas importantes que acabam sendo transformadas em música depois. Machine Messiah surgiu disso, da dependência cada vez maior que as pessoas têm da tecnologia.

Falando sobre o Brasil e sobre o binarismo zero um da tecnologia, de que forma você vê toda esta polarização que domina o país já há algum tempo. Parece que tudo se transformou em binário por aqui: ou é azul para meninos ou rosa para meninas, ou PT ou PSDB (e agora o PSL no lugar)…

Já rodamos muito pelo Brasil e te digo isso não é uma cultura nacional recente, não. Sempre foi assim, não vejo como algo diferente de uns tempos para cá. Este discurso não se tornou diferente nos últimos anos. Só que não podemos nos esquecer que tudo vem sendo muita ideologia. Precisa ser mais realista. Nosso país é algo bem maior do que qualquer divisão. Tomando como exemplo a imigração: o Brasil sempre recebeu os estrangeiros de braços abertos. Minha família, por parte de avó, veio da Eslovênia, por exemplo. Assim como também veio gente de outros países para construir uma nova vida no Brasil: japoneses, italianos, alemães. Entretanto, existem e existirão pessoas que pensam diferente da gente. E democracia é isso, é o debate de ideias.

Como é o processo de criação do Sepultura?

Eu vou gravando algumas ideias iniciais e o Eloi vai preparando algo focado na parte rítmica. Depois disso o Paulo segue com algumas sugestões. Por fim, Eu e o Derrick sentamos e pensamos nas letras. Passadas estas fases nos reunimos os quatro e arranjamos as músicas todos juntos.

Nas últimas edições do Rock in Rio vocês vem sendo presença constante na programação, inclusive fazendo parcerias inusitadas com artistas como Zé Ramalho e Les Tambours du Bronx…

É, o Rock In Rio é um show único, uma oportunidade de apresentar algo novo e diferente. Como gravaremos o disco em agosto e tocaremos no festival no dia 4 de outubro, com certeza deveremos apresentar em primeira mão algo do disco novo. Pelo menos uma música inédita deverá presente no set. E esta será a noite do metal também. Iron Maiden, Scorpions, Megadeth, Slayer, Anthrax, Nervosa, Torture Squad, Claustrofobia e o vocalista do Testament também se apresentação. Muitos ídolos, mas há também novos nomes do gênero. Eu me lembro até hoje de 1991, quando o Rock In Rio abriu espaço para o Sepultura. A gente havia acabado de gravar o álbum Arise e ali tocamos “Orgasmatron” pela primeira vez. Na mesma noite testavan Guns N’Roses, Judas Priest, Queensrÿche, Lobão e o mesmo Megadeth que voltaá a tocar com a gente agora.

Este encontro de gerações também vem acontecendo dentro do próprio Sepultura desde a entrada do Eloy na bateria, em 2012. Ele nasceu em janeiro de 1991, justamente seis dias depois do show do Sepultura no Rock In Rio 2. Como é o entrosamento de veteranos dentro da banda, como você e o Paulo, com alguém que nasceu quando vocês começaram a fazer sucesso no exterior com os álbum Beneath The Remains (1989) e Arise (1991)?

O Eloy tem uma característica marcante: ele começou bem cedo, muito novinho mesmo. Com 18 anos já estava gravando disco com o André Matos. Depois passou pelo Gloria. Trilhou seu próprio caminho, passando por diferentes estilos, participando de concursos mundiais. Tem técnica, tem groove. Acho o Eloy um cara muito profissional, passional e extremamente organizado. Para mim, ele talvez seja na atualidade o melhor baterista do mundo. E não impressiona só a mim não. Já deixou de boca aberta gos bateristas do Metallica e do Slayer também.

Falando no metal como um gênero extenso, em The Mediator Between The Head And Hands Must Be The Heart (2013) vocês foram produzidos por Ross Robinson. Como é trabalhar com ele?

Já havíamos feito o Roots. Então foi muito legal reencontrá-lo em seu estúdio em Venice Beach. O curioso é que ainda estão lá muitos equipamentos que nós usamos no Rootslá em 1995. Sua metodologia de trabalho é intensa e orgânica. Sem falar que é um cara espiritual e de grande técnica de estúdio. Afinal, o cara participou de toda a história do nü metal, gravando discos com Korn, Slipknot, Machine Head, Limp Bizkit… Fez um álbum com o Cure também, o que é muito interessante.

Quem produzirá este novo trabalho?

Vamos fazer com o mesmo cara que produziu o Machine Messiah, Jens Bogren. De novo nós vamos para o estúdio dele, que fica na Suécia.

Aliás, é uma diferença climática enorme entre gravar em Venice Beach, uma praia californiana, e gravar no interior da Suécia. Se bem que quando vocês estiverem lá agora em agosto será ainda verão no Hemisfério Norte. Portanto não deve fazer tão frio quanto o habitual no inverno.

De fato! Na época da gravação com certeza o clima estará mais ameno. Eu já peguei inverno brutal na Suécia. E eu não gosto disso… (risos)

Em Curitiba, o Sepultura tocará numa festa qie promoverá um grande encontro entre apaixonados por motocicletas. Qual é sua relação pessoal com este universo?

Tinha vários pôsteres de Cb 400 na parede do meu quarto quando era moleque. Só que minha mãe nunca me deixou andar de moto, o que eu agradeço muito a ela. Sempre fui um grande apreciador tanto da estética quanto das competições esportivas mas poderia ter me quebrado muito. Falo porque só quebrei o braço uma vez e isso foi quando estava em um jet ski. Tinha aquela falsa impressão de segurança por estar sobre a água… e aconteceu isso!

Movies

Creed II

Continuação do sucesso de 2015 consegue empolgar mas ainda permanece à sombra dos clássicos do boxeador Rocky Balboa

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Texto por Leonardo Andreiko

Foto: Warner/Divulgação

Em Creed II (EUA, 2018 – Warner), continuação do universo Rocky, Adonis Creed (Michael B. Jordan) revive fantasmas do passado ao enfrentar Viktor Drago, o filho do homem que matou seu pai (Ivan Drago, interpretado por Dolph Lundgren). Assim como em seu predecessor, os eventos do ringue são a parte mais importante da trama . E o filme não almeja esconder isso.

O reencontro multigeracional das famílias Creed e Drago é um dos pontos mais explorados da narrativa deste longa, que tem seus problemas. Desta forma, o arco de Adonis é construído em cima da imagem do pai, seja via roteiro ou pela narrativa visual, que ostensivamente enquadra o protagonista abaixo de uma figura de Apollo. Por outro lado, o mesmo arco pelo qual o personagem de Jordan passa satisfaz o espectador, em uma atuação vibrante deste. Ainda que não supere Killmonger, seu vilão em Pantera Negra (principal filme da Marvel no ano passado), o ator consegue viver as enxutas nuances escritas para seu personagem.

A rasa construção em tela de Ivan e seu filho os torna vilões de motivação fraca. Viktor (Florean “Big Nasty” Munteanu), por exemplo, apresenta poucas falas durante o longa. A falta de carisma e talento de Sylvester Stallone (que volta a viver Rocky Balboa) anula momentos arquitetados visando o impacto emocional, motivo de seu conflito interno parecer pouco aproveitado. Por fim, temos Tessa Thompson reprisando seu papel como Bianca. Sua interação com Jordan é satisfatória, criando uma das melhores químicas do filme. Porém a personagem faz parte de mais uma subtrama pouco aproveitada na história.

Ainda assim, o roteiro de Stallone e Juel Taylor é bem dirigido por Steven Caple Jr, que não diferencia em muito o estilo de Creed II e seu antecessor de 2015. As cenas de luta criam um aguçado senso de urgência. Por outro lado, quando longe da ação dentro do ringue, o filme tende a ficar maçante. Escolhas estilísticas óbvias – como o contraste entre tons quentes e frios para diferenciar Adonis dos Drago e a ostensiva câmera na mão ao retratar os russos – e o uso de montagens musicais, marca dos clássicos filmes de Rocky, são escolhas razoáveis do diretor apesar de utilizadas repetitivamente. Desta forma, ao tentar inovar, Caple Jr cai em conhecidos clichês e, ao repetir as convenções que consagraram a série de Stallone, mergulha na fonte da nostalgia sem resultados arrebatadores.

Mantendo-se à sombra dos longas de Rocky, Creed II consegue empolgar mesmo que seus conflitos e subtramas não sejam desenvolvidos a ponto de torná-lo um filme de camadas. Se você busca por escapismo, cenas de ação tensas e uma trilha sonora repleta de boas faixas de hip hop, com certeza não vai se decepcionar.

Movies

Vice

Atuação de Christian Bale é o ponto alto desta cinebiografia do vice-presidente de George W. Bush com muito humor e crítica política

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Texto por Leonardo Andreiko

Foto: Imagem Filmes/Divulgação

Um dos filmes mais comentados nesta temporada de premiações, acumulando indicações e desenvolvendo um hype de Oscar, é Vice (EUA, 2018 – Imagem Filmes). O filme de Adam McKay (que em 2015 já mexera em outra grande ferida recente de seu país em A Grande Aposta) conta a trajetória de Dick Cheney, vice-presidente dos Estados Unidos durante o governo de Bush Filho (2001- 2009), desde sua origem em Wyoming até os dias atuais. E será que toda a repercussão da obra vale o ingresso?

A trama retrata as nuances do poder adquirido por Cheney, brilhantemente interpretado por Christian Bale, que repete a parceria com McKay. Aqui, Bale também passa por transformações físicas para seu protagonista, sendo que o ponto alto de sua atuação é o detalhe. Cada trejeito do político americano é cuidadosamente arquitetado por seu ator. O elenco de apoio também não deixa a desejar mas poderia ser melhor aproveitado. Como Amy Adams, que interpreta sua esposa, Lynne Cheney, demonstrando seu inegável talento com seus momentos de brilhantismo; e Steve Carell, que orbita entre o drama sádico e a inconveniência humorística como o secretário de defesa Donald Rumsfeld.

McKay constrói o filme de maneira equivalente a seu laureado antecessor, repetindo seu estilo de narração com traços de documentário investigativo com o acréscimo da maturidade no tom. A seriedade da trama privilegia o humor fortemente visual da obra, que se aproveita da estética cinematográfica para preencher suas duas horas com momentos genuinamente engraçados. Grande mérito de Viceé  a utilização de metalinguagem, que presenteia o espectador com as melhores piadas do filme.

Numa outra camada de metalinguagem, o filme alterna suas razões de aspecto e cria uma formidável confusão, na qual não entendemos se as imagens mostradas são mesmo reais ou gravadas para esta produção. Essa estranha sensação amplifica as consequências das decisões de Cheney e sua equipe, o que torna o filme particularmente denso, sem abandonar a leveza com que McKay trata suas cenas.

A fotografia é simples, ressaltando a narrativa visual do roteiro e criando a tênue margem entre realidade e ficção que dança ao longo do filme. Os planos abertos e posicionamentos simples da obra são bem montados, numa alternância de ritmo entre os momentos mais tensos e calmos, sem que deixemos de enxergar o poder nas mãos de Cheney. Ainda assim, quando a trama embarca em seus episódios sérios, não poupa esforços. Cenas fortes preenchem a tela, além de críticas (sutis e óbvias) à política da direita estadunidense. Trump e seus eleitores têm uma especial participação porque Vice mescla humor à crueza da vida política de uma das nações mais poderosas do mundo.

McKay consegue demonstrar seu lado “humano” presente em relações pessoais. Com uma iconografia que traça paralelos entre o personagem de Bale e o icônico Winston Churchill, a obra quase faz o espectador sentir empatia pelo vice-presidente de George W. Bush. Ainda assim, o roteiro e a camada de realidade que permeia o filme o vilanizam sem a necessidade de iluminação nefasta e revelação de planos malignos do político. Escancarando seus erros e as consequências deles, Vice nunca te deixa esquecer que seu protagonista é Dick Cheney.

[Nota do editor: Na noite de 7 de janeiro, ao receber o Globo de Ouro da categoria de melhor ator em comédia ou musical, Christian Bale agradeceu a satanás pela inspiração ao papel de uma pessoa sem qualquer carisma.]