Arts, Movies, Poetry

Vermelho Monet

Autor de Cine Holliúdy assina um drama sobre o mercado das artes com intensa paleta de cores e versos furiosos de Florbela Espanca

Texto por Abonico Smith

Foto: Pandora Filmes/Divulgação

Vermelho é a cor mais quente. Pelo menos para o pintor português Johannes Van Almeida, fã confesso do tom incandescente dos entardeceres dos quadros assinados pelo impressionista francês Claude Monet. Vermelho é justamente a área do círculo cromático que ele procura preservar em sua memória desde que uma doença degenerativa passou a, progressivamente, tomar o que ainda lhe resta da visão. Sua esposa (e igualmente pintora) Adele é ruiva, tem sardas e usa e abusa da cor vermelha em seu figurino. Johannes é eternamente apaixonado por ela e é também o seu cuidador depois que a evolução do mal de Alzheimer abrevou sua carreira e lhe impôs grandes limitações de fala e movimento. Por isso, Almeida é mestre em pintar figuras femininas e abusar deliciosamente da matiz simbolizada pelo fogo.

É em torno desta relação intensa de paixão e sofrimento de Johannes (Chico Díaz) que gira a história de Vermelho Monet (Brasil/Portugal, 2024 – Pandora Filmes), criada por Halder Gomes. Agora o cearense (diretor e roteirista mais conhecido pelas comédias escrachadas como Cine Holliúdy 1 e 2, O Shaolin do Sertão e Os Parças) se lança em um drama que gira em torno do mundo criativo e comercial das artes plásticas. Aliás, é também uma declaração de amor do cineasta à pintura, misto de paixão “secreta” e hobby seu.

Enquanto cuida de Adele (Gracinda Nave), Johannes sofre em busca de uma grande inspiração para continuar pintando enquanto ainda lhe resta o puco de visão e a memória dela (repetindo exatamente o que enfrentara Monet no final de sua vida). Ele nunca fora reconhecido na área. Aliás, a fama ele conquistou, mas como falsificador de pinturas antigas com rosto feminino. Recém-saído da prisão, onde ficou cumprindo um tempo de reclusão por isso, ele volta às ruas, praças e parques de Lisboa nos passeios diários com a esposa até se deparar com a encantadora figura da atriz brasileira Florence Lizz (Samantha Heck, iniciante no cinema e mais conhecida do público nerd por ter feito a personagem Sheila na propaganda de TV com os personagens do mítico desenho animado Caverna do Dragão em live action). Fica obcecado pela jovem ruiva, a ponto de pintar com intensidade inspirado por um painel de colagem de fotos de jornais e revistas da nova musa e desejar a sua presença como modelo no ateliê. O pintor quer, enfim, provar que pode ter o seu talento autoral reconhecido.

Quem faz a ponte entre os dois acaba sendo a inescrupulosa marchand Antoinette Léfèvre (Maria Fernanda Cândido), figura poderosa do mundo europeu das artes, com altas conexões com milionários e colecionadores e leiloeiros de Paris e Londres. Dona de uma galeria respeitada na capital portuguesa, ela lida com a sedução sexual da ninfeta brasileira enquanto luta para manter o domínio psicológico diante de Johannes, deixando-o no underground à base das falsificações que lhe rendem milhões. É na manipulação de ambos que Antoinette injeta boas doses de suspense na trama.

Enquanto isso, Adele e Florence se reconhecem uma na outra. A primeira vê a jovem naquele lugar de desejo ao qual já pertencera. A segunda vê na esposa de Almeida uma alma boa e que teve a trajetória interrompida injustamente por algo maior, a doença – tudo o que a atriz deseja em Lisboa é superar suas limitações de novata na dramaturgia e convencer o arrogante diretor do filme que está rodando de que é capaz e foi a escolha certa dos produtores para interpretar a protagonista. O longa no qual a ruivinha trabalha gira em torno da vida e da obra de Florbela Espanca, um dos maiores nomes da poesia portuguesa de todos os tempos ao lado de Fernando Pessoa. É justamente no universo dos versos de Florbela, repletos de fúria, paixão, intensidade e desejos (tal qual o rubro dos quadros de Monet), que as duas se encontram. Os textos que decora para os ensaios das cenas que rodará é a área de Florence. Já a de Adele está nos pensamentos, sempre ouvidos em voice over por meio da estupenda interpretação de Gracinda.

Florbela também é citada em uma sensacional versão fadística de “Fanatismo”, poema musicado pelo também cearense Raimundo Fagner e gravado em seu álbum Traduzir-se, de 1981. Além da trilha sonora, que traz uma metalinguística “Hot Stuff” (hit de Donna Summer) em um baile à fantasia que cita quadros de outros pintores como Matisse e Van Gogh), Vermelho Monet também impacta pela exuberante fotografia com o uso delicado de luz e sombras e uma paleta que realça a exuberância do vermelho, muitas vezes em contraste com o azul. Aliás, este duelo entre as duas cores se explica em um dos momentos mais interessantes dos diálogos criados por Halder.

E claro que mesmo em um filme dramático não poderia faltar um pouco do humor peculiar do cineasta. Aqui ele se manifesta nas considerações ditas pela trinca principal de personagens a respeito de como realmente funciona o mercado das artes e do que muita gente pensa a respeito dele. Não gargalhe se conseguir.

Books, Movies

Veríssimo

Documentário promove um olhar carinhoso sore a vida cotidiana de trinta dias por volta do aniversário de 80 anos do sempre afiado autor gaúcho

Texto por Tais Zago

Foto: Boulevard/Vitrine/Divulgação 

Para quem ainda não o conhece (se isso ainda for possível!), Luís Fernando Veríssimo é um escritor, humorista, cartunista, tradutor, roteirista de televisão, autor de teatro e romancista brasileiro. Já foi publicitário, revisor de jornal e ainda músico, tendo tocado saxofone. Um homem de múltiplos talentos e que explorou todos eles magistralmente.

Em 2016, ele estava prestes a comemorar seus 80 anos. Foi nessa época que Angelo Defanti o acompanhou por 15 dias antes e 15 dias após seu aniversário, no dia 26 de setembro. Este empenho resultou no filme Veríssimo (Brasil, 2024 – Boulevard/Vitrine), que chega agora aos cinemas do país já como um programa obrigatório para os fãs do autor.

No documentário editado de forma simples e com muitos takes amplos e estáticos, somos conduzidos pela rotina diária do tímido e introvertido escritor em sua casa. Participamos de sua dinâmica doméstica com filhos e netos e a mulher Lúcia, que, ao contrário do autor, faz o contraponto com sua personalidade extrovertida. A narrativa segue a linha de um countdown, marcando os dias até a data das festividades.

O filme começa num ritmo bastante moroso. Até Veríssimo começar a falar diretamente com o documentarista já se passaram mais de 20 dos 87 minutos do tempo total da obra. E talvez esse lento florescer seja o segredo e o atrativo dessa produção. Veríssimo se revela em doses homeopáticas com suas pílulas de sabedoria, o inconfundível senso de humor e as observações certeiras. Uma lucidez invejável da mente, mesmo quando o corpo já dá sinais de cansaço.

Ao ser indagado sobre qual seria a pergunta que nunca lhe foi feita, Veríssimo pondera brevemente e, sem hesitar, responde: “não me ocorre nenhuma”. E eu sou inclinada a acreditar que o introvertido porém afiado observador já refletiu, mesmo, sobre quase todas as perguntas que existem. Quem está familiarizado com o grande escopo de sua obra – que, para citar apenas as mais famosas, vai do detetive trapalhão Ed Mort (1979) e o hilário e ácido humor de O Analista De Bagé (1981) até a popular Comédias Da Vida Privada (1994) – sabe que poucos autores brasileiros foram (ou são) cronistas tão eficientes e atuantes quanto Veríssimo. O incansável artista para o qual a profissão também é sua atividade predileta e que queria (mas ao mesmo tempo também não queria) se aposentar ao chegar ao octogésimo ano de vida.

Foram mais de 100 horas de filmagens feitas pela paciente equipe de Defanti e um trabalho bastante árduo na sala de edição, que tomou vários anos. Como resultado, temos uma obra feita com carinho, mas que nem sempre empolga. Por vezes a qualidade do áudio e algumas cenas externas deixam a desejar. De qualquer forma, é inegável importância desse registro histórico de um dos maiores escritores que o Rio Grande do Sul já pariu por esses prados. 

Luís Fernando, nossa prata da casa, já está hoje com 87 anos e passa um bom tempo em sua casa se recuperando de um AVC. Mesmo assim o escritor não deixa de acompanhar os jogos de futebol do seu time, o Internacional. Junto com a escrita e a esposa Lúcia, essas são suas mais perenes paixões.

Movies, Music

Aumenta que é Rock’n’Roll

Longa sobre a revolucionária atuação da Fluminense FM na cultura jovem brasileira dos fica muito aquém daquilo que deveria realmente ser

Texto por Carlos Eduardo Lima (Célula Pop)

Foto: H2O/Divulgação

Esta resenha promete ter muito boa vontade com Aumenta que é Rock’n’Roll (Brasil, 2024 – H2O), longa de Tomas Portella, que estreou nos cinemas do país em 25 de abril. Não se trata de fazer vista grossa para eventuais falhas (e elas existem), mas de procurar privilegiar o fato de que é uma obra que faz justiça a um evento muito importante: o surgimento da rádio Fluminense FM em 1982, no Rio de Janeiro. A Maldita, como foi rebatizada logo após ir ao ar, foi parte importante da engrenagem que divulgou e difundiu a produção de bandas e artistas brasileiros daquela década de 1980, identificados com novos idiomas do rock e do pop.

Baseado no livro do criador da rádio, o jornalista Luiz Antonio Mello, A Onda Maldita, o filme procura os fatos ocorridos entre o momento anterior à fundação da emissora, indo até o primeiro Rock In Rio – ou seja, um total de pouco menos de três anos. Não existe, porém, um rigor neste recorte. Ele fica por conta do público e vai variar de acordo com o envolvimento de quem assiste ao longa. Se você é um ex-ouvinte da Flu FM (e há muitos por aí), os fatos e as imagens o atingirão em cheio no peito.

Há uma preocupação evidente com a ambientação de época, mostrando externas em Niterói, onde a rádio existiu, além de cenários bem convincentes dos estúdios da emissora, cheios de pôsteres de bandas, capas de discos e tudo mais, dando conta da identificação primordial da Maldita com o rock’n’roll. Seu surgimento, a partir de 1 de março de 1982, quando Luiz Antonio a colocou no ar com um célebre discurso de abertura. E a figura do jornalista será a responsável por conduzir a trama que rege o roteiro. Sua angústia em relação à importância do rock, seu desejo de “fazer diferente”, suas aspirações e convicções. O roteiro falha em dar profundidade ao personagem, mostrando apenas uma pessoa que gosta do gênero, sem explicar exatamente o motivo ou alguma referência pregressa. Ao longo do filme, a atuação de Johnny Massaro, responsável por interpretar LAM para o público, torna-se exagerada, histriônica, quase irritante.

A Fluminense foi famosa por apresentar inovações importantes no dial carioca. O uso de locutoras foi uma delas e o elenco traz várias atrizes, como a ótima Bella Camero, em atuações reduzidas e subvalorizadas. Seus nomes importam pouco. Ou melhor, não importam tanto quanto poderiam se os originais fossem mantidos. Profissionais como Selma Boiron, Mylena Ceribelli, Liliane Yusim, Edna Mayo, Monica Venerabile, entre outras, foram importantes e tiveram trajetórias próprias e ricas, que, certamente dariam mais força ao roteiro. Em seu lugar, optou-se por uma solução arriscada: criar uma personagem fictícia, que “representasse” o time feminino da rádio. Daí veio Alice, vivida por Marina Provenzzano, que acaba vivendo um romance com Luiz Antonio, numa distorção séria dos eventos. Tudo bem, é uma adaptação, mas muito infeliz. A atriz ainda se esforça em dar contornos reais para a personagem, só que uma revelação feita em certo momento torna tudo impossível. Erro sério.

Se a Fluminense FM teve identificação direta com o rock, não significa que sua identificação com o novo tenha sido imediata ou natural. Enquanto a maioria da programação tocava bandas na ativa já nos anos 1970 (Who, Yes, Rolling Stones, Led Zeppelin) e todas já meio datadas em 1982, a novidade viria por conta de um programa específico da emissora. Pilotado pelo fotógrafo e DJ Maurício Valadares, que abriu as portas da programação para ska, reggae, eletrônico, post-punk, o Rock Alive, simplesmente, não existe no roteiro. Se o filme finca posição no caráter de inovação da Maldita para além das locuções e promoções, precisa entrar na questão de que bandas e artistas atuais em 1982 eram veiculados. O envio de fitas cassete para a produção da rádio, mencionado com riqueza de detalhes no longa, não era uniforme e as bandas estreantes adentravam a programação em sua maioria, pelo programa de Valadares. Aliás, não é exagero dizer que a postura dele marcou a emissora muito além de sua real atuação, identificando a Maldita com o novo, ainda que bandas como Style Council, Cure, UB40, Duran Duran e similares não tocassem na programação fora dos domínios do Rock Alive. Mas tudo bem!

O elenco de apoio é regular, as sequências são ok – lembram um pouco o ritmo do finado programa global Armação Ilimitada e optam por mostrar Luiz Antonio como o protagonista solitário da epopeia de criação da Maldita. Sabemos (incluindo o próprio LAM) que tratou-se de um esforço conjunto e altamente “descoordenado”, que deu espaço para momentos de criatividade total e improvisos heroicos. No fim das contas, a famosa “consultoria” que a Fluminense teria prestado ao Rock in Rio surge muito rápida na tela e vai embora do mesmo jeito, com a solução óbvia de um romance totalmente careta e sem sentido, entre Luiz Antonio e Alice.

Três meses depois do Rock In Rio, em abril de 1985, LAM deixaria a emissora e partiria para uma carreira de muito sucesso no meio musical, atuando em gravadoras, emissoras, escrevendo roteiros para a TV e solidificando sua marca como um dos grandes pioneiros do jornalismo cultural do estado do Rio. É justo que seu feito com a Maldita seja lembrado e saudado além de sua geração e este é o mérito que justifica a existência de Aumenta que é Rock’n’Roll. Sua chegada é saudada, mas, cá entre nós, o filme poderia ser muito melhor.

Movies

Dias Perfeitos

Wim Wenders louva Yasujiro Ozu com um longa rodado em Tóquio, no idioma japonês e mostrando os encantos da rotina

Texto por Abonico Smith

Foto: O2/Mubi/Divulgação

Komorebi é um termo da língua japonesa que significa a cintilância entre luz e sombra provocada quando as folhas das árvores balançam com o vento. Esta é uma experiência única, que ocorre somente uma vez, naquele determinado momento. Podem as mesmas folhas se mexerem de novo, mas o resultado será sempre diferente.

Esta fascinante expressão idiomática ganha explicação em uma breve cena que toma a tela depois de todos os créditos de Dias Perfeitos (Perfect Days, Kapão/Alemanha, 2023 – O2/Mubi), filme que recolocou o nome do diretor e roteirista Wim Wenders em evidência no panorama internacional depois de quase duas décadas apresentando uma série de produções ficcionais bem marromeno perante a sua cinematografia clássica (Submersão, Tudo Vai Ficar Bem, Os Belos Dias de Aranjuez, Palermo Shooting), documentários (Pina, Sebastião Salgado, papa Francisco) e mais alguns curtas e vídeos musicais. Tanto que o alemão arrebatou indicações para importantes premiações como o Oscar, o Cesar e a Palma de Ouro. E Wenders possui um fascínio tão grande pela imagem que “homenageou” a palavra com um filme delicado e singelo, que retoma a qualidade de seu cinema de alto impacto visual.

Rodado em Tóquio em apenas 17 dias e com uma câmera na mão, Wenders, com a ajuda do roteirista nipônico Takuma Takasaki, juntou quatro pequenos contos sobre o cotidiano de um simpático sexagenário cuja função é limpar os banheiros públicos da cidade e desfruta sua vida de modo bem modesto, completamente desprovido de qualquer ambição. Dia após dia. Simples assim.

Como já cantava Chico Buarque naquela canção sobre o cotidiano, aqui todo dia o senhor Hirayama acorda e faz tudo sempre igual. Ou pelo menos tenta. O que aparece de novidade com certeza não vem de suas atitudes ou buscas, mas sim da interferência alheia por onde ele passa. Não há exatamente aquela tradicional sucessão de começo, meio e fim na narrativa de Dias Perfeitos. Como no komorebi, as folhas estão sempre balançando com o vento, mas o resultado da cintilância nunca sai igual para Hirayama. Uma hora é a aventura amorosa do jovem colega de profissão. Na outra, a chegada de surpresa de uma parente adolescente. Em outro, um breve retorno à infância com a diversão proporcionada por um jogo de sombras na calçada somado a interpretações gestuais, sonoras e corporais.

No meio disso tudo Wenders vai espalhando, por meio de discretos códigos suas paixões. Uma delas é o rock’n’roll e isto está representado pelo uso de velhas e defasadas fitas cassetes originais (aquelas oferecidas em um formato da indústria fonográfica e que quem é bem mais velho já podia comprar pronto diretamente nas lojas de discos). Lou Reed, Patti Smith, Janis Joplin… Vem junto com as cenas ainda uma deliciosa trilha sonora com cânones do gênero. Tem “The House Of Rising Sun” (em duas versões, uma dos Animals e outra em japonês), “(Sittin’ On) The Dock Of Bay” (Otis Redding), “Redondo Beach”(Patti Smith), “(Walkin’ Through The) Sleepy City” (Rolling Stones), “Sunny Afternoon” (Kinks),  e “Feeling Good” (Nina Simone), além de dose dupla de Lou Reed (a faixa que “empresta” o nome para o filme, que também fala da simplicidade do amor cotidiano, e uma dos tempos de Velvet Underground, ”Pale Blue Eyes”).

Outra das paixões são os livros e Wenders faz cita brevemente William Faulkner (“The Wild Palms”), Aya Koda (“Trees”), Patricia Highsmith (“Eleven”). Outra, claro, é a expressão pessoal do olhar por meio da fotografia. Retomando aquilo que já aparecera em alguns de seus inspirados clássicos longas, Wenders agora faz de Hirayama seu alter ego. O protagonista possui em casa caixas e mais caixas de cliques de folhas e árvores produzidos diariamente em rápidas idas a parques e praças públicas de Tóquio. No registro de das cenas, inclusive utilizado na montagem, um sem-teto chega de surpresa e dá aquele abraço em um tronco.

Por fim é impossível não dizer que rodar um filme em Tóquio, com referências e personagens japoneses, é a principal oportunidade para o cineasta germânico tecer mais reverências ao seu ídolo Yasujiro Ozu, quem já dissecara no documentário Tokyo-Ga (1985). Estando na mesma cidade e falando o mesmo idioma do diretor (que exatas seis décadas antes de Wenders fizera em Tóquio seu derradeiro filme) funciona como um encerramento de ciclo para o autor de Dias Perfeitos, que já beira os 80 anos de idade.

Não é coincidência que o protagonista tenha sido batizado com o mesmo sobrenome da família de An Autumn Afternoon (1962). Não é coincidência que o título original da obra de Ozu faça referência à mesma estação do ano em que o komorebi é algo bastante comum. Não é coincidência que boa parte do diálogo final entre Hirayama e um desconhecido descreva o fato que, em dezembro de 1963, encurtara a vida de Ozu quase treze meses depois do lançamento de A Rotina Tem Seu Encanto (nome dado ao filme em português). Também não é nada coincidência que Dias Perfeitos, já disponível em streaming no Brasil, seja uma louvação a todos os encantos de uma rotina diária.