Music

História do Rock: Synth Pop 81 – Parte 1

Há quarenta anos começava a temporada mágica que tornou os sintetizadores tão populares quanto as guitarras na música pop britânica

Kraftwerk

Texto por Abonico Smith

Fotos: Divulgação/Reprodução

instrumentos reservados à vanguarda do mundo da música eletrônica, de limitado potencial comercial e mais adaptável às viagens psicodélicas da cena contracultural, os sintetizadores começaram a entrar no mundo do rock sorrateiramente no começo dos anos 1970. Como eram grandiloquentes peças não muito apropriadas para se levar aos palcos e concertos, versões mais simplificadas, portáteis e baratas começaram a ser utilizadas por membros de bandas artsy ou progressivas britânicas (Roxy Music; Pink Floyd; Emerson, Lake & Palmer). Contudo, passou a ser amplamente adotado por uma geração de jovens alemães mais interessados em expandir os limites e as possibilidades da música popular germânica (Tangerine Dream; Neu!; Cluster; Kraftwerk). Este último, quando reformulou formação e sonoridade para gravar seu quarto álbum, em 1974), começou a definir as bases de toda uma geração de adolescentes espalhados por grandes cidades inglesas e que se encontravam sob uma peculiar condição sociocultural.

Esta última safra de baby boomers (isto é, aquelas pessoas nascidas no Pós-Guerra, quando as tropas militares já haviam voltado para seus países e a economia dos principais países do mundo lutava para se recuperar de todas as perdas provocadas pelo conflito bélico ocorrido entre os anos de 1939 e 1945) cresceu bombardeada por múltiplas referências da cultura pop dos anos 1960 e sob a crença do desenvolvimento de um mundo melhor, onde a evolução da tecnologia (transporte, eletrodomésticos, comunicação) proporcionaria um cotidiano mais confortável e aprazível, tal qual se via em episódios de desenhos animados dos Flintstones e Jetsons. Por outro lado, o sistema político macarthista, que imperou nos Estados Unidos  durante quase toda a década anterior foi crucial para que os universos do cinema e da literatura promovessem a ampla popularidade de narrativas de ficção científica, nas quais um futuro tomado por viagens no tempo e espaço e luta contra monstros e alienígenas traduzia em metáforas todos os medos e anseios daquela época.

Maravilhados pelo brilhantismo distópico de escritores como Bernard Quatermass, Philip K Dick, William Burroughs e JG Ballard, turbinados pelo movimentos artísticos de vanguarda do início do século 20 como o futurismo e o dadaísmo, estimulados pelos sintetizadores subvertidos por Wendy Carlos na trilha sonora da ultraviolência do filme Laranja Mecânica e por Giorgio Moroder na revolução que “I Feel Love” fez na disco music e ainda consumidos por centenas de horas na frente da televisão para assistir aos episódios da série da BBC Doctor Who, estes jovens aspirantes a cantores e instrumentistas britânicos viram, a partir dos meados dos 1970, a conjunção ideal de fatores musicais que possibilitavam a eles levar para o mundo de versos, harmonias e melodias todas as suas paixões dos primeiros anos de vida. Tudo começou com a extrema popularidade do Kraftwerk depois de Autobahn. Seus discos tornaram-se febre nas lojas da ilha, gerando frequentes apresentações por lá e a ótima receptividade da imprensa local – que, com a tradicional verve do fino humor irônico inglês, acabou batizando como krautrock (“rock chucrute”, em português) um suposto movimento gerado em terras germânicas por bandas que não primavam lá muito bem por uma uniformidade e coesão de proposta sonora). Apaixonado por discos como Autobahn (1974), Radio-Activity (1975) e Trans-Europe Express (1977), um dos maiores astros do rock britânico da época, o anteriormente glam David Bowie, resolveu fazer imersão total em Berlim entre os anos de 1977 e 1979, gravando por lá três discos (LowLodge e Heroes), todos com a produção artística de Brian Eno, que naquela altura já havia se desligado das funções de tecladista do Roxy Music para investir em uma carreira solo mais experimentalmente eletrônica sob o rótulo cunhado por ele mesmo de ambient music.

Gary Numan

O impulso decisivo, entretanto, foi dado pela efervescência do punk rock, que sacudiu e abalou as estruturas da sociedade britânica entre os anos de 1976 e 1978. Não era apenas a simplicidade dos três acordes na guitarra ou a fúria das letras contra o estabilishment. O que pegou mesmo foi o slogan do “faça você mesmo” e a ideia de que qualquer pessoa pode tocar um instrumento. Movidos pela vontade de fazer o que se quer mesmo que não existam as condições técnicas, econômicas e tecnológicas ideais, estes jovens começaram a formar bandas apoiadas na sonoridade dos sintetizadores. Mais do que isso, também viabilizaram a gravação de suas músicas em pequenos estúdios caseiros e o lançamento destes discos através de seus próprios selos e a criação de um circuito de clubes de shows e pistas de danças do gênero que, além da selva de concreto de Londres, envolvia importantes cidades do norte inglês como Manchester, Liverpool, Leeds e Sheffield. Todas, não por acaso, grandes centros industriais, cheias de fábricas jorrando fumaça nos céus e poluição sobre as ruas. A conjunção entre a criação e  a distopia, enfim, agora estava não só ao alcance das mãos como também na ponta dos dedos de todo este pessoal. Os sintetizadores (e na cola destes as percussões eletrônicas) anunciavam a chegada do futuro ao rock’n’roll. Sem guitarras ou baterias. Ou, pelo menos, sem elas na linha de frente dos arranjos.

O enfastio com a linguagem do rock – sobretudo naquela megalômana primeira metade dos anos 1970 – e o diálogo com a cara-de-pau e a força de vontade do punk deu início aos primeiros microsselos de synth pop, como Industrial (tocado pelo pessoal do grupo Throbbing Gristle e que também tinha bandas como Cabaret Voltaire e Clock DVA no elenco) e Mute (criado pelo produtor e músico Daniel Miller, que também lançava suas composições, mas sob a alcunha de The Normal e SIlicon Teens). Tudo no inicio tinha uma cara bastante experimental, com os músicos e produtores dando vazão às suas ideias de fuga do lugar-comum e fabricando sons de todo modo possível, chegando até mesmo a gravar ruídos captados nas barulhentas ruas dos bairros londrinos para depois processá-los através das teclas e botões. Nada comerciais, estes discos de pequenas tiragens passavam longe de despertar a atenção da grande mídia. Ficavam restritos a um nicho de seguidores fieis e, no máximo, recebiam resenhas nos semanários especializados em música (NME, Melody Maker) e eram tocados no programa do DJ da BBC John Peel, cultuado por “descobrir” excelentes sons alterativos do underground e tocá-los pela primeira vez nas ondas do rádiooc

Foi o que bastou, porém, para gerar um culto. Aos poucos, mais artistas dedicados aos sintetizadores surgiram e outros selos independentes (porém com maior estrutura de distribuição) como Beggars Banquet, Factory, Rough Trade, Island e Virgin também investiram no segmento Até que veio o primeiro grande êxito nas paradas com o cantor Gary Numan em seu primeiro álbum solo após a desistência de continuar usando o nome Tubeway Army como uma banda formal. Composta apenas por duas células harmônicas (uma estrofe com dois acordes apenas e uma ponte instrumental, sem um refrão característico), “Cars” ganhou performance até no programa Top Of The Pops, que mostrava na televisão, para todo o país, a cara e a imagem dos artistas mais vendidos na semana. Naquela noite de 30 de agosto de 1979, atrás do  microfone estava um quase-androide de gestos minimalistas, terno preto como o contorno dos olhos, a face toda pintada de branco e sem qualquer expressão. Ao seu redor, os músicos do extinto Tubeway Army, com uma bateria à frente e cinco sintetizadores dispostos lateralmente. Então a porta estava aberta para o sucesso nacional de uma turma que reunia nomes como Visage, Japan, Ultravox (e o primeiro frontman John Foxx, que largou a banda em 1979 para se lançar solo), Orchestral Manoeuvres In The Dark, Human League, Heaven 17, Cabaret Voltaire, Depeche Mode, Soft Cell, New Order, Yazoo, Eurythmics, Frankie Goes To Hollywood e Pet Shop Boys.

>> Leia a Parte 2 desta matéria clicando aqui

>> Leia a Parte 3 desta matéria clicando aqui

Um comentário em “História do Rock: Synth Pop 81 – Parte 1”

Deixe um comentário